domingo, maio 15, 2016

OS ESCOMBROS - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/05

Mais difícil que matar um monstro é remover seus escombros. A frase de Ulysses Guimarães que ouvi várias vezes o Jorge Moreno, seu amigo e assessor, repetir, é muito adequada à situação que o governo Temer está vivendo nos seus primeiros dias. Se já esperava tamanha resistência interna, parece que não se preparou para tamanhas ousadias.

Servidores públicos fazerem manifestação contra a extinção do Ministério da Cultura diante do novo ministro da pasta que unificou Educação e Cultura é compreensível, mas chamar o novo governo de golpista dentro do Palácio do Planalto é um ato político que exige uma reação vigorosa do governo.

A administração aparelhada fará “o diabo” para dificultar o exercício normal do novo governo, e qualquer sinal de fraqueza pode inviabilizá-lo. Já foi vergonhosa a recusa de fazer a transição com os novos ministros, que terão cada qual que abrir a caixa-preta dos ministérios.

Jornalistas contratados pelas empresas de comunicação governamentais estão gastando os últimos dias de contrato para usar seus espaços com críticas duras ao novo governo, como se não houvesse amanhã. A própria presidente afastada já dera o sinal para esses movimentos quando, do nada, afirmou em seus discursos de despedida que o novo governo reprimiria os movimentos sociais com violência.

Ora, não é possível admitir que estradas e avenidas sejam fechadas, e propriedades invadidas e depredadas por manifestantes sem que os governos afetados não reajam, para que a maioria da população possa viver normalmente. Da mesma maneira que os taxistas não podem fechar as ruas em protesto contra o Uber, também os integrantes do MST ou do MTST não têm o direito de perturbar a vida dos cidadãos.

Esses resistentes à nova ordem são capazes de gestos ridículos como o do deputado Jean Willys a pregar a desobediência civil, mas são minoritários na sociedade e no Congresso. Não quer dizer que o governo Temer seja majoritário, pois o presidente interino ainda não é uma figura reconhecida nacionalmente, e dependerá do que fizer a sua popularidade.

Para quem não pode errar, no entanto, já cometeu muitos deslizes desnecessários, como o descuido de não colocar uma mulher ao menos no ministério que substituiu o governo de uma mulher. Essa questão de gênero deveria ser secundária, mas num país que ainda precisa avançar muito no campo da igualdade, sinais simbólicos são importantes.

Quanto ao ministério da Cultura, existem muitos artistas e intelectuais de peso que não consideram sua extinção uma calamidade, ou mesmo discordam da sua existência, e o governo simplesmente não levou em conta essa disputa política que tem muito mais de simbólica do que de real.

Ainda há tempo para rever certos atos, mas a distribuição de ministérios para partidos já está demonstrando a precariedade da solução. O novo ministro da Saúde Ricardo Barros, que substituiu a primeira escolha do médico Raul Cutait por que seu partido, o PP, não aceitou uma designação técnica, já deu declarações no mínimo polêmicas.

Barros disse que a pílula do câncer pode dar resultado, apesar da críticas dos especialistas, porque “a fé remove montanhas”, e admitiu que terá que colocar indicações políticas em setores do ministério, uma das razões pelas quais Cutait acabou sendo rejeitado: ele queria nomear técnicos para as secretarias técnicas, como a sociedade esperava.

Uma coisa é entregar a partidos políticos ministérios, outra é colocar ministros incapazes em lugares estratégicos. O ministério das Relações Exteriores está nas mãos do tucano José Serra, e teve reação imediata à ação dos governos bolivarianos que tentam transformar em realidade a fantasia golpista que veem no impeachment de Dilma.

O Itamaraty, que foi palco nos últimos dias de cenas degradantes como a de um diplomata que enviou mensagens para várias embaixadas brasileiras no mundo denunciando o suposto golpe e não foi punido com o rigor devido, reagiu com firmeza a essa tentativa de desacreditar o país, com o apoio do governo afastado, e reagirá diante da hostilidade do governo venezuelano que retirou seu embaixador para consultas.

Como se vê, o governo já terá muitos problemas com a máquina estatal aparelhada para criar ele mesmo problemas para si. Já será bastante trabalhoso remover os escombros do monstro.


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