sábado, outubro 17, 2015

Fausto no trópico - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 17/10

"O PSOL é linha auxiliar do PT. Fiz uma aposta com eles: assinem o pedido de impeachment, que eu assino o pedido contra Cunha." Carlos Sampaio, o líder tucano dos cavaleiros do impeachment, tem alguma razão no diagnóstico sobre o PSOL, mas seu repto evidencia a armadilha na qual o PSDB se enredou. Tal como na célebre lenda folclórica germânica, os tucanos firmaram um pacto com o Diabo, representado pela figura mefistofélica de Eduardo Cunha. Se Fausto entregou sua alma em troca de ilimitado conhecimento e poderes mágicos, o PSDB intercambiou sua integridade política pela promessa de deflagração do impeachment. Mas, à diferença de Mefistófeles, que cumpriu a palavra empenhada durante os 24 anos da vigência do pacto, Cunha ensaia rasgar o compromisso no balcão de negócios do Planalto. Será uma bela lição para o principal partido oposicionista.

Sampaio e seus cavaleiros não entenderam a relação entre o PSDB e as multidões que ocuparam as ruas para maldizer o governo. No calor do asfalto, impeachment é uma síntese possível da indignação nacional contra o lulopetismo. Nas maquinações do Congresso, contudo, o impedimento da presidente exige a ruptura do PMDB com o governo, algo que escapa ao controle dos tucanos. Em meio à implosão da base governista, o PSDB teve a oportunidade de delinear uma agenda parlamentar de oposição, prefigurando o cenário político do pós-Dilma. No lugar disso, escolheu agir como linha auxiliar dos caciques peemedebistas. O produto da escolha está aí: os tucanos reduziram-se a espectadores turbulentos do jogo de chantagens entre o PMDB e o lulopetismo.

Na sua obsessão pelo impeachment, os cavaleiros tucanos embrenharam-se na senda de fundamentá-lo sobre a base pantanosa das "pedaladas fiscais", que abriria caminho para um governo de Michel Temer. As "pedaladas" são manifestações financeiras do populismo econômico lulopetista –mas, em si mesmas, não constituem crime de responsabilidade. O crime passível de impeachment, ainda não totalmente comprovado, encontra-se no financiamento de campanha com recursos desviados da Petrobras. O PSDB desviou-se dessa rota complexa pois ela não conduz a um acordo com os caciques peemedebistas implicados na Lava Jato. No fim, tramaram com o suspeito do crime maior um impeachment justificado pelo crime menor. O pacto faustiano teve o aplauso dos grupelhos excitados que convocaram as manifestações anti-Dilma, mas só produziu confusão na opinião pública.

"Aécio, o PSDB está em conluio com o deputado Cunha", acusou o senador petista Lindbergh Farias, enquanto Lula acionava o PT para oferecer um bote salva-vidas ao presidente da Câmara, propondo-lhe a absolvição no Conselho de Ética em troca da rejeição do pedido de impeachment. O abraço de afogados entre Dilma e Cunha, uma evolução do contrato oculto de pilhagem da Petrobras, faz parte da ordem natural das coisas. Já o conluio tucano com nosso Mefistófeles de aldeia não só viola princípios elementares como revela um primitivismo digno de amadores. "Se eu derrubo Dilma agora, no dia seguinte vocês me derrubam", ensinou Cunha aos aparvalhados cavaleiros do impeachment.

"Nossa aliança é com mais de 70% da população", balbuciou Aécio Neves, numa resposta inverossímil à cínica imputação de Lindbergh. Imersos na idiotia política, os cavaleiros do impeachment não captaram os sentimentos majoritários dos brasileiros, que estão fartos de Dilma, essa deplorável caricatura presidencial, mas sobretudo do sistema corrupto de governo cristalizado à sombra do lulopetismo. Os tucanos tiveram o privilégio da escolha entre a oposição íntegra e um pacto com bandidos pelo poder. Eles optaram pelo segundo –e terão a primeira, mas sem a integridade.

O Fausto original termina no inferno; o de Goethe salva-se por uma graça divina. Qual será a sorte do PSDB?


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