quarta-feira, julho 22, 2015

CPI do BNDES - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22.07

O BNDES recebeu, desde 2008, R$ 500 bilhões de recursos públicos e, durante muito tempo, negou informações até a órgãos de controle. Foi preciso o Supremo Tribunal Federal se pronunciar. É claro que o banco pode ser objeto de uma análise profunda de suas decisões de financiamento, seus critérios técnicos de alocação dos recursos e, principalmente, quanto custa para o país. O banco tem a indispensável função de financiar o investimento de longo prazo, mas há uma pilha de dúvidas razoáveis sobre a sua operação que devem e podem ser respondidas. Os contribuintes precisam ter informação mais clara, e auditável, sobre o custo dos financiamentos concedidos pelo banco. Diante disso, uma CPI do BNDES que se disponha a olhar sinceramente para os equívocos da instituição financeira é muito bem-vinda. Não adianta, no entanto, ir com o espírito de vingança que marcou a decisão da presidência da Câmara dos Deputados ao criar a Comissão Parlamentar de Inquérito.

Neste espaço, já escrevi inúmeras vezes sobre a atuação do BNDES, criticando critérios e políticas. Mas as dúvidas não se esgotam nos empréstimos para grandes empreiteiras e nos créditos para operações no exterior. O banco conduziu uma explícita política de concentração empresarial no país que beneficiou enormemente alguns grupos em detrimento de outros. No setor de carne, o grupo JBS foi escolhido para ser a maior empresa do Brasil - na verdade uma das maiores do mundo - em fornecimento de proteína animal, sem que houvesse um ganho palpável para o país e para os consumidores. Perdigão e Sadia foram objetos de operação de salvamento após a crise da subprime. Votorantim Celulose e Aracruz, também. Houve empréstimos ou operações de compra de ações em empresas que estavam com dificuldades financeiras.

Algumas empresas cresceram de forma desproporcional exatamente porque contavam com recursos fartos e baratos no BNDES. O crescimento das melhores companhias aconteceria naturalmente, talvez, mas em um ritmo mais sustentável, se a política do BNDES não fosse a de escolher os grupos nos quais o banco despejou recursos. O dinheiro era dado em dois balcões ao mesmo tempo. Por um lado, comprava ações ou debêntures conversíveis das empresas; por outro, emprestava recursos nas empresas das quais havia ficado sócio.

Se a CPI for apenas atrás de algum caso espetacular, deixará de ver o mais absurdo no BNDES, que é a diretriz com a qual ele foi dirigido nos últimos anos, e a mudança na forma de garantir recursos ao banco, através de endividamento público. O Tesouro empresta a TJLP, hoje em 6%, e se financia a uma taxa Selic de 13,75%, e que hoje deve subir ainda mais. A diferença entre os juros é dinheiro do contribuinte que vai para grupos empresariais. Nada mais justo que o contribuinte queira saber para quem vai o dinheiro, que critério o banco usa e quais são as suas garantias.

O governo dirá que a economia vai parar se houver CPI do BNDES. Não há motivo algum para que operações de financiamento não continuem sendo aprovadas durante o período em que o Congresso faz seu trabalho de análise das operações do banco. Contudo, se o Congresso estiver querendo apenas ameaçar o governo, será uma oportunidade desperdiçada.

O país precisa do BNDES, da mesma forma que precisa da Petrobras. Se a estatal de petróleo tem sido submetida à investigação, o banco também pode. O governo começa a apresentar os argumentos de sempre, de que a economia vai parar, e que as linhas de crédito para evitar demissões e atenuar a crise não poderão ser concedidas pelo BNDES se houver CPI. Por que mesmo as linhas de crédito teriam que ser suspensas? Se o produto financeiro estiver sendo preparado para que os créditos sejam concedidos com critérios transparentes, sólidas garantias e para boas empresas, não há motivo para temer sua interrupção. O argumento de que a economia não aguenta uma CPI é, no mínimo, estranho. O país tem o direito de saber como são alocados os recursos que vêm de impostos ou do endividamento público.

O banco sempre garante que não há possibilidade de ingerência política em suas decisões, que nunca perdeu dinheiro com empréstimos ou compra de ações de empresas como as de Eike Batista. Ótimo. Então, o governo nada tem a temer de uma CPI do BNDES.

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