A farsa como método - JOÃO BOSCO RABELLO

O ESTADO DE S.PAULO - 15/06


Menos pela ameaça que poderia representar, se chance tivesse de sobreviver ao Congresso, o decreto presidencial que cria os conselhos populares merece o alarde e a resistência que provocou por representar mais uma tentativa do PT de governar à revelia da sociedade organizada.

Com os movimentos sociais fugindo ao controle em meio a uma campanha eleitoral que devolve o partido ao patamar histórico de 30% das intenções de voto - insuficiente para a reeleição de sua candidata -, e com uma base parlamentar cada dia mais hostil, o PT investe na chamada democracia direta.

A defesa do decreto pelos ministros Aloizio Mercadante e Gilberto Carvalho, a quem ficariam subordinados os tais conselhos, não resiste a uma simples constatação: se boa fé política os movesse, o Congresso seria incluído na iniciativa com uma proposta em forma de projeto de lei, ainda que isso não corrigisse a inconsistência da iniciativa.

Mas como a ideia é exatamente substituir o Poder Legislativo por conselhos de composição ideológica afinada com o PT, a opção pelo decreto é autoexplicativa. O assembleísmo, do qual são retrato fiel as chamadas conferências nacionais do PT, representaria a "sociedade civil", no ideal petista de governo, onde o Congresso seria melhor se decorativo.

Se votado hoje o projeto de Decreto Legislativo da oposição, que revoga o presidencial, o Congresso imporia nova derrota à presidente Dilma, agora na véspera da eleição, razão pela qual o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), preferiu adiá-la, a pedido do vice- presidente Michel Temer.

Mas a conta continuará a mesma após a eleição: para aprovar o decreto legislativo que revoga o presidencial são necessários 257 votos - 19 a menos que os 238 dos dez partidos que o apresentaram. Como o PMDB já se manifestou contrário e o espírito de autodefesa do Congresso o rejeita, não há futuro para os conselhos do PT.

O que resta do episódio é a indigência de conteúdos do governo petista, incapaz de produzir propostas que respondam aos anseios reais da população.

O partido insiste na opção da farsa como método, como demonstrou mais uma vez ao assumir a desfiliação do deputado André Vargas (PR), flagrado em corrupção.

Na vida real, o PT fez um acordo com Vargas, a quem interessava a desfiliação, como forma de evitar sua cassação e viabilizar seu retorno na próxima eleição, escapando à consequente perda dos direitos políticos por oito anos.

Não falta razão, por isso, ao ex-presidente Lula, quando manifesta preocupação com a imagem de corrupção que passou a selo do partido, líder hoje nesse quesito.


Espírito de sobrevivência - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/06
Desde a eleição presidencial de 1998, o PSDB não conseguia apresentar uma candidatura que unisse tanto o partido quanto a de Aécio Neves, confirmada ontem quase que por aclamação na convenção partidária realizada em São Paulo, berço do partido e maior colégio eleitoral do país. A façanha é mais emblemática ainda se considerarmos que esta é a primeira vez em que um candidato não paulista é o representante do partido.
Na verdade, a tarefa de Aécio Neves, embora delicada, foi facilitada pelo espírito de sobrevivência que prevaleceu no partido e pelo fato de que esta é a primeira eleição presidencial em muitos anos em que não há um candidato paulista na disputa.

Esta seria a razão para que a escolha do vice na chapa tucana venha a recair num candidato paulista, para aumentar a influência regional na eleição. Dois nomes são os mais cotados: o senador Aloysio Nunes Ferreira e o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que será o escolhido se o PSD de Gilberto Kassab fechar acordo nacional com o PSDB. O PSD daria os minutos de televisão para os tucanos e teria em troca a vice na chapa do governador Geraldo Alckmin e a vice nacional com Aécio Neves.

Se fechada essa negociação que está em curso, o PSDB reduziria a vantagem que a presidente Dilma tem na propaganda eleitoral. O ex-governador José Serra era também cotado para o cargo, mas ontem foi aclamado por Aécio como futuro senador por São Paulo.

Serra discursou na convenção, selando a pacificação no PSDB, e tem se colocado como um soldado do partido.

Provavelmente será ministro em um eventual governo de Aécio Neves e ainda reforçará, com sua votação, a bancada federal do PSDB se decidir concorrer a deputado federal.

O PSDB tem o domínio político dos dois maiores colégios eleitorais do país - São Paulo e Minas Gerais - mas nunca, desde Fernando Henrique Cardoso, venceu nos dois estados na mesma eleição presidencial, mesmo quando elegeu os dois governadores. Graças à força do partido em São Paulo e Minas Gerais, Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno as eleições de 1994 e 1998.

Na primeira eleição, FHC colocou 3 milhões de frente sobre Lula em Minas e 4,5 milhões em São Paulo.

Na reeleição, a diferença a favor de Fernando Henrique em Minas foi menor, de 2,1 milhões de votos, mas em São Paulo ele ampliou a diferença para 5,1 milhões.

Um detalhe interessante: desde a redemocratização, nenhum presidente foi eleito sem vencer em Minas. Não se trata de mera coincidência, mas de uma representação das diversas regiões do país confirmada pelo presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, que constatou em muitos anos de pesquisa eleitoral que os resultados em Minas refletem cada vez mais a média nacional.

Isso porque Minas tem sua parte Nordeste na região do Vale do Jequitinhonha, e, assim, faz parte da Sudene; ao mesmo tempo, é a segunda economia do país (disputando com o Rio) com uma região fortemente industrializada; tem grande influência paulista, na divisa com São Paulo; Juiz de Fora é muito ligada ao Rio de Janeiro; e o estado tem no agronegócio uma parte influente de sua economia.

Em alguns casos, o resultado local foi praticamente igual ao nacional. E, quando isso não aconteceu, é certo que a tendência fica definida nas urnas mineiras: Lula teve 50,8% (48,6% no país), contra 40,6% (41,6% no país) de Alckmin em 2006. Em 2002, Lula venceu com 53% (46,4% nacional) e Serra teve 22,9% (23,2% nacional).

O candidato do PSDB, fosse Serra ou Alckmin, sempre venceu em São Paulo, mas não conseguiu repetir a votação que Fernando Henrique teve.

Alckmin venceu em 2006 por uma diferença de 3,8 milhões, e Serra, em 2010, por 1.846.036. A questão é que perderam para Lula e Dilma em Minas e no Rio.

Desta vez, superando as divisões internas, o PSDB prepara- se para a corrida presidencial deste ano com a estratégia de vencer nos dois estados, e com boa possibilidade de ter uma votação importante no Rio, onde o PT tem vencido as eleições nas últimas vezes.

A dissidência dos partidos da base governista no Rio pode levar o candidato do PSB a neutralizar uma diferença de 1,5 milhão de votos que o PT vem tirando no terceiro maior colégio eleitoral do país. Os três estados, juntos, representam cerca de 40% do eleitorado.

O Decreto nº 8.243 - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 15/06

A democracia direta, sem a interposição dos partidos políticos, voltou à cena no Brasil com o suspeito Decreto nº 8.243 (maio de 2014), da presidente Dilma, cujo conteúdo iremos comentar. É preciso dizer que a democracia vigente no mundo atual é a representativa, quanto mais não fosse pelas imensas populações em alguns países. Significa que ela é exercida pelos representantes que livremente escolhemos. Por falar nisso, é preciso apurar as denúncias de manipulação de nossas urnas eletrônicas.

Todos os países, de um modo ou de outro, contemplam formas de democracia direta, tipo referendo, plebiscito, recall (método de cassar mandato eleitoral nos EUA), leis de iniciativa popular, consultas à sociedade durante o processo legislativo e votação em campo aberto, ainda em uso em cantões pequenos da Suíça (o último deu às mulheres do Cantão o direito de votar em pleno século 20). Os gregos, na cidade de Atenas e em outras, no plano legislativo, a praticavam em praças públicas, a ágora. Como sistema é tribal, as tribos e clãs tinham conselhos. Quando surgiram as pólis (cidades), os conselhos ocorriam nas praças. De polis nasceu a palavra política.

A Constituição brasileira de 1988 prevê inúmeras formas de democracia direta: consultas, referendos, audiências, plebiscitos, acordos coletivos de trabalho etc. Ressalte-se a Lei da Ficha Limpa (iniciativa popular de leis) e a ação popular sem custas nem honorários, contra atos atentatórios ao Tesouro e a bens públicos (largamente utilizada, mas sem muitas manchetes, infelizmente).

O PT, à moda de Vargas, quer tutelar os movimentos sociais, tanto que defere ao secretário-geral da Presidência da República o poder supremo de coordená-los. Deseja fazê-lo por duas razões. Primeira, porque perdeu o controle dos mesmos (em parte). Segundo, porque quer definir seus dirigentes e recursos, para usá-los em seu favor. Essa e não outra é a razão do malsinado decreto, com precedentes conhecidos na Venezuela e na Argentina.

Em editorial, o Correio Braziliense denunciou o perigo do referido decreto presidencial ao bom convívio democrático. E fê-lo bem. O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, argumenta que "os conselhos no Brasil existem desde 1937, as conferências, desde 1941" (Valor, 4 de junho).

O enredo é outro. O governo foi pego absolutamente de surpresa pelos movimentos de junho de 2013, quando milhões de pessoas saíram às ruas. Talvez os manifestantes fossem de outros movimentos sociais que não os do governo petista. Carvalho disse ainda que o texto do decreto foi construído em parceria com movimentos sociais e com a sociedade civil. O cidadão que não participou tomou conhecimento dele pelos jornais. Mas quem define os movimentos sociais que participarão?

Entre as instâncias criadas, estão: conselho e comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência e consultas públicas e ambiente virtual de participação social. Para coordenar essas instâncias e encaminhar suas propostas, cria-se a Mesa de Monitoramento das Demandas Sociais. O importante no decreto é a "mesa de diálogo", que tem o intuito de "prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais", com a participação dos setores da sociedade envolvidos. Ele atende necessidade premente do governo após junho de 2013: a "ampliação dos mecanismos de controle social".

Os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos no decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas. O decreto cria o conselho de políticas públicas, como "instância colegiada permanente" para participar "no processo decisório e na gestão de políticas públicas". Um cipoal burocrático maluco.

O PT perdeu o monopólio dos movimentos sociais e o governo ficou sem o termômetro da insatisfação social. Para evitar novas ondas de descontentamento, é preciso identificar os protagonistas e dialogar com eles, isto é, detectar e canalizar as demandas sociais. É ampliando o controle social que se evitam surpresas, quando as instâncias de intermediação de conflitos entraram em curto circuito (é o que se depreende). A coordenação compete ao secretário-geral da Presidência da República.

É mentira! Quem está desconectado é o governo e sua base parlamentar. Estou em campo para criar a Associação Nacional dos Contribuintes e o Fórum Nacional de Desmistificação das Políticas Públicas. Eles agora vão ter que nos ouvir. Caso contrário, joguem esse decreto no lixo. Chega de coronelismo de Estado, suas bolsas, seus gastos, suas investidas sobre o patrimônio público, seu estranho apego ao poder. O medo deles me assusta.

Vaias a favor - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 15/06

BRASÍLIA - Depois das vaias e xingamentos, Lula e Dilma deram uma aula de como fazer de um limão azedo uma bela limonada docinha. Ele é craque nisso, ela foi atrás.

Na dúvida atroz entre ir ou não ir à abertura e ao jogo de estreia da Copa, Dilma ficou no meio do caminho: foi, mas sem discursar, acenar e nem mesmo aparecer. Ficou praticamente escondida num canto.

Vieram as vaias, como já esperavam o Planalto e a sociedade. Mas vieram também os palavrões, que não estavam no script.

A primeira reação foi contra Dilma: "onde ela vai, é vaiada"; "vai ficar trancada na campanha"; "colhe o que plantou"; "a reeleição já era".

As redes sociais, porém, amanheceram no dia seguinte recheadas de manifestações de desagravo, solidariedade e simpatia pela "presidente, pela mulher, pela mãe, pela avó". E com o X da questão: tudo começou na área da elite endinheirada.

De ré que merecia vaias pelo "mau humor e arrogância", como desferiu Aécio Neves, Dilma evoluiu para vítima de xingamentos infames diante do mundo. Anti-dilmistas, até tucanos, engrossaram o coro de defesa da presidente-candidata.

O episódio, que era para ser rapidamente esquecido pela campanha petista, passou, ao contrário, a ser potencializado por ela.

Lula ofereceu uma fotogênica rosa branca à pupila ofendida e, de repente, admitiu que trouxera para o Brasil uma Copa "para ricos". Dilma, sacou ele, era a única com cara de pobre (?!) no Itaquerão.

Em menos de 24 horas, Aécio amenizou o tom, conforme a música da opinião pública, e passou a criticar os xingamentos. Com seu recuo, selou o êxito da estratégia lulista.

Os gritos do Itaquerão deixam de ser limão contra Dilma, viram limonada a favor dela e reforçam o bordão dos "pobres contra os ricos". Mas, se xingamentos devem ser condenados, vaias são manifestações legítimas e não são exclusivas da Copa e de ricos. Já viraram rotina.

(Des) mandamentos DORA KRAMER

O ESTADO DE S.PAULO - 15/06

Fala-se nas diferenças de ideias entre PT e PMDB como se a representação mental de algo concreto fosse a razão primordial da aliança entre os dois partidos.

Mas o fato de divergirem sobre questões como a criação de conselhos populares para orientar decisões de governo, controle dos meios de comunicação e plebiscito sobre Constituinte exclusiva para reforma política não tem a menor importância.

Esses temas são caros aos petistas, que nem por isso dão a mínima para a posição contrária dos pemedebistas. Entre outros motivos porque no mundo real todos eles sabem que tais propostas não passam de conversas para agradar momentaneamente o público do PT e que não vão adiante por absoluta ausência de respaldo político, social e, em alguns aspectos, legal.

Assim como as divergências de pontos de vista pouco importam, é irrelevante a agenda dita de compromissos que o PMDB apresenta ao parceiro para fugir da pecha de fisiológico quando firma aliança para concorrer às eleições. Em 2006, ao aderir de corpo e alma ao governo Lula, o partido apresentou um documento chamado "Os sete mandamentos", do qual falaremos adiante.

Falemos primeiro dos mandamentos de 2014. São oito os itens escolhidos pelo PMDB para exibir como "prova" de que o apoio à reeleição de Dilma Rousseff é programático.

São as seguintes as exigências para eventual segundo mandato: 1. Forte suporte público à política industrial; 2. Retomada do processo de crescimento mediante a criação de um Plano Nacional de Formação e Qualificação de Trabalhadores; 3. Novo modelo de política de infraestrutura; 4. Garantia de acesso à saúde e à educação; 6. Manutenção e extensão das políticas compensatórias; 7. Democratização dos meios de comunicação; 8. Política externa independente e progressista.

Em matéria de obviedades, estaria completo o decálogo com o apoio à luz elétrica e à água encanada. Ainda assim, vamos que Dilma reeleita não cumpra os compromissos exigidos pelo PMDB, deixará ele o governo em protesto programático?

Sem chance. Ficará exatamente onde lhe convier. Como fez nos últimos anos desde que apresentou os tais sete mandamentos de 2006, reunidos em documento na ocasião tido como atestado da "altivez doutrinária" do PMDB.

Vamos aos pontos: 1. Reformas política e tributária; 2. Crescimento econômico acima de 5%; 3. Manutenção dos gastos correntes a níveis inferiores ao PIB; 4. Consolidação das atuais políticas de transferência de renda; 5. Renegociação das dívidas dos Estados; 6. Fortalecimento da federação; 7. Criação de um conselho político de partidos para acompanhar as ações de governo.

Os escribas de tão nobres tábuas tiveram o cuidado de ser mais genéricos entre uma e outra. A de 2014 é vaga o suficiente para não dar margem alguma a cobranças. Já a de 2006 se presta a comparações com a realidade.

Reformas política e tributária? Nem pensar. Crescimento acima de 5%? Nem precisamos entrar e em detalhes. Contenção dos gastos públicos fez o caminho inverso ao do PIB, proporcionando aquele falado espetáculo do crescimento. As políticas de transferência de renda são de interesse do governo; portanto, compromisso do PT com ele mesmo.

Já era previsto que o PMDB não se revoltaria caso não se fortalecesse a federação nem promoveria a ruptura se o tal conselho de partidos não vingasse, como não vingou.

O PMDB renovou a aliança com o PT em clima de revolta, mas não por quebra de compromissos programáticos e sim por falta de influência no governo, insuficiência de poder nos ministérios e avanço do PT sobre as bases do partido nos Estados.

Coisa feia. O que se viu na abertura da Copa ficou muito pior para quem não diferencia protesto de estupidez do que para a presidente que cumpria missão protocolar. Vaia é do jogo, mas o insulto despolitiza o gesto.

A política (do PT) em xeque - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 15/06

É fato conhecido que ano de eleição tem regras próprias: mais greves, mais reivindicações, maiores movimentações sociais. Mas 2014 está sendo diferente de todos os outros anos eleitorais.

A Copa do Mundo maximizou essas estridências eleitorais e escancarou a distância entre a sociedade e a política, entre a expectativa e a realidade. A última confirmação veio pelo Pew Research Center, renomado instituto de pesquisa norte-americano, que, em recente relatório, deu nome aos bois nessa generalizada sensação de crise.

O atual quadro de insatisfação apresenta um desafio para o Estado brasileiro nas suas três esferas. Não se trata apenas de um problema criado pelo sentimento popular. Existem inúmeras questões que o poder público precisa enfrentar responsavelmente: a (i)mobilidade urbana, o combate às drogas, a educação, a segurança pública, etc. E, numa democracia, a solução de qualquer um desses problemas nunca é algo meramente técnico, operacional. Requer sempre, como condição necessária, a sua viabilização política.

Neste sentido, o legado mais prejudicial que o PT deixa ao País, nestes 12 anos de poder federal, não é na economia, cujo cenário é grave, para não dizer gravíssimo. A sua herança realmente maldita é na política, ao perpetuar e intensificar a lógica do populismo.

Na voracidade por se instalar no poder, utilizou o seu capital político - em essência, o carisma de um homem - para excluir qualquer racionalidade do debate público, vendendo e prometendo o impossível. Impregnou de tal forma o sistema de populismo que, por exemplo, todos os partidos não tiveram outro jeito senão apoiar uma lei que se sabe impossível de ser cumprida: o Plano Nacional da Educação, com a vinculação de 10% do PIB para a educação. Era evidente que quem ousasse se posicionar de forma contrária à lei estaria morto nas próximas eleições.

O papel aceita tudo, e vai-se deformando a percepção popular, como se o problema brasileiro fosse uma questão de voluntarismo político. O resultado é evidente: não temos um país que aprendeu a andar com as próprias pernas, que sabe sonhar, que olha o presente nos olhos, sem medo do futuro.

Assemelha-se mais a uma casa onde o pai e a mãe endoideceram, tiveram-se por ricos e gastaram o que tinham e o que não tinham, contando bonitas e ilusórias histórias aos filhos, que vão descobrindo aos poucos que a festa acaba, que não há mais dinheiro para o almoço e que o mundo é mais complexo do que aquilo que estavam habituados a ouvir em casa.

Por fim, tem-se um país desiludido, conforme semanalmente vão mostrando as pesquisas nacionais e internacionais. O populismo gera volatilidade, altos e baixos "aparentemente" inexplicáveis.

Há quatro anos podíamos tudo, com a abundância do petróleo do pré-sal como cartão de embarque para o mundo desenvolvido e a felicidade perpétua. Não é de estranhar, já que as ideologias têm no seu âmago a ideia do progresso inexorável. Bastaria cumprir a cartilha e tudo seria perfeito.

A sociedade brasileira anseia por uma melhor educação? Sim, mas o primeiro passo educativo é a responsabilidade. Para gastar mais em educação - que é necessário, mas não é o único nem o principal problema - é preciso cortar gastos em outras áreas. Isso não é neoliberalismo. É simplesmente não enfiar a cara no buraco, como uma avestruz diante do perigo.

Como disse Fernando Gabeira, em artigo publicado no Estado (Dilma e as uvas, 6/6), "até que ponto o cinismo triunfará amplamente numa sociedade democrática é o enigma que envolve o futuro próximo do Brasil". É possível uma mudança? Como em política não há determinismos, a resposta é sim, e dentro do mais delicado respeito à democracia.

As crises são sempre oportunidades de renovação, já que fazem ver além do discurso oficial. O pessimismo não é a única carta disponível diante das tristes notícias que chegam aos brasileiros todos os dias. Com o voto, é possível do limão fazer limonada.

Economia e cobranças - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 15/06

São ruins os sinais emitidos pelos diversos setores da economia sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre. Depois de uma desalentadora expansão de apenas 0,2% no primeiro trimestre, em comparação com o trimestre anterior, a torcida era para que a atividade econômica entre abril e junho esboçasse reação convincente.
Não é o que os termômetros indicam. Pelo contrário. Sexta-feira, o Banco Central divulgou seu indicador (mensal) de atividade econômica (IBC-Br) de abril. Foi positivo, mas a taxa de apenas 0,12% nem permite que se dê a isso o nome crescimento. Na verdade, reflete o agravamento de um estado letárgico que parece indicar a tendência de estagnação.

A comparação do IBC-Br de abril com igual mês do ano passado resulta em dado ainda mais preocupante: queda de 2,29%. Os especialistas alertam para a dificuldade de a economia reagir, tendo em vista que, em abril, o IBC-Br acusou um recuo da indústria de 0,3% ante março, queda que não foi compensada, como em anos anteriores, pelo crescimento do varejo que, em abril deste ano, foi de apenas 0,6%.

Esse desempenho do comércio em abril foi ainda pior pela medição do IBGE, que é o responsável pelo índice oficial de evolução do PIB trimestral. Observando critérios diferentes e abrangência maior em termos de classes de consumo e regiões pesquisadas, o IBGE constatou resultado oposto ao do Banco Central: em vez de crescimento, o comércio teve queda de 0,4% em relação a março.

As restrições à concessão de crédito (em razão de aumento da inadimplência) e a redução dos incentivos fiscais estão pesando contra as vendas de bens duráveis, e a inflação dos preços de alimentos derrubaram as vendas dos supermercados (queda de 1,4%).

Tudo isso somado a dados preliminares de maio tem levado os especialistas a rebaixar suas expectativas quanto à expansão econômica este ano. Para a maioria deles, o PIB não deverá crescer mais do que 1,4% em 2014. Será o quarto ano consecutivo de taxas baixas de crescimento da economia brasileira, que, nesse período, teve seu melhor desempenho em 2011, com 2,7%.

Não é o fim do mundo, mas a continuidade desse ritmo fraco de expansão pode comprometer a manutenção do ainda bom nível de emprego e renda. Não estão descartadas uma aceleração da retomada da economia mundial, especialmente por parte dos Estados Unidos, parceiro comercial importante do Brasil, e, no plano interno, a queda mais consistente da inflação nos próximos meses. São fatores de impulso na atividade industrial voltada para a exportação e de aquecimento, ainda que moderado, do consumo interno.

Melhor mesmo seria não dependermos disso. Deveríamos, isso sim, aprender a lição e cobrar dos próximos governantes compromissos com uma gestão moderna e corajosa, que não perca tempo com mágicas e improvisações. Que avance nas reformas há tanto tempo adiadas, a começar pela tributária. Que tire do papel e do discurso a criação de ambiente favorável à produção e aos negócios, além de um arrojado programa de investimentos em infraestrutura e uma urgente revolução na educação. É também para isso que servem as urnas.

Multas construtivas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 15/06

Quem já adquiriu imóvel "na planta", como se consagrou dizer no mercado, sabe dos riscos e das inquietudes que tem de enfrentar. Uma iniciativa do Congresso Nacional, contudo, se chegar a bom termo, aliviará parte do peso sobre os ombros dos compradores.

Nos grandes centros urbanos, um prédio de apartamentos demora três anos, em média, para ser erguido. Nesse período, a construção é em grande medida financiada pelos investidores, que pagam mensalidades e semestralidades corrigidas em geral pelo Índice Nacional de Custo da Construção.

O prazo de construção vai fixado em contrato, mas de praxe com uma cláusula de tolerância por atraso, quase sempre de seis meses. Mesmo que o contrato preveja punições para demoras superiores a esse semestre, quando ele termina ultrapassado o comprador fica sem instrumentos eficientes para fazer valer o que mais lhe interessa --entrar na posse do imóvel.

Os prejuízos pessoais e financeiros podem ser graves. Muitos dos que assumem o compromisso de compra precisam vender a própria moradia para saldá-lo e se obrigam --também contratualmente-- a entregá-la numa certa data. Ou, então, se veem constrangidos a seguir pagando aluguéis e taxas de condomínio nos imóveis ocupados além do prazo.

Uma medida aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, porém, pode contribuir para reequilibrar a relação entre construtoras e seus clientes.

Ela estipula que, após os seis meses usuais, a empresa que atrasar a entrega do imóvel terá de ressarcir o consumidor com multa de 1% do valor desembolsado por ele até então, acrescido de 0,5% a cada mês subsequente de atraso.

Os deputados da comissão votaram a regra com peso de decisão conclusiva, o que equivale a dizer que só iria a plenário com pedido específico para tanto. Agora falta a proposta passar pelo Senado.

A padronização da multa para construtores segue na direção correta de desincentivar, pela via pecuniária, a leniência do empreendedor. Mesmo não sendo quantia exorbitante (o projeto original estipulava 2% do valor total do contrato, e não do montante efetivamente pago), enseja uma proteção que se imagina mais eficaz e tempestiva do que o recurso à sempre morosa Justiça do país.

Se ajuda a financiar o empreendimento, o comprador precisa ser legalmente tratado como parceiro, e não ficar à mercê do construtor.

Riscos e oportunidades na revolução digital - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 15/06

Protesto de taxistas cariocas e europeus contra aplicativo é um de inúmeros casos em que uma nova tecnologia coloca o sistema produtivo em xeque


Num mundo em acelerada globalização impulsionada pela revolução digital, costumes se padronizam em meio a uma crescente troca de informações pela internet, na qual se expandem as redes sociais. Tanto quanto isso, a multiplicidade de aparelhos capazes de rodar incontáveis aplicativos, cada vez mais diversificados, tende a nivelar o acesso aos mais diversos tipos de serviços, em todos os continentes, nos países mais desenvolvidos e menos.

Na semana passada, ocorreu o fenômeno de taxistas cariocas protestarem em carreata contra aplicativos que organizam a carona remunerada, ao mesmo tempo em que o mesmo acontecia em várias cidades europeias, nas quais 30 mil taxistas fizerem greve. O alvo dos europeus é o Uber, lançado no Rio também na semana passada, onde concorrerá inicialmente com o Zaznu. Questões jurídicas à parte, a tendência deve ser a multiplicação das opções de aplicativo, uma das regras na internet.

Mais do que coincidência, a irritação de taxistas brasileiros e europeus se deve a um caso típico de quando um avanço tecnológico torna rapidamente obsoletos sistemas de produção, negócios inteiros. No jargão de especialistas, trata-se do poder de “disrupção” das invenções. Foi assim com o motor à explosão, causa inicial da falência das firmas de charretes e carruagens puxadas à força animal, desmanteladas pelo automóvel.

A internet, o sistema que permite a interligação de computadores, não para de evoluir desde o lançamento, na década de 90. E muitos setores já foram obrigados a mudar para tentar sobreviver, devido, entre outras características, ao poder da rede mundial de internautas de eliminar intermediários entre produtores e consumidores.

No negócio de táxis, os aplicativos que colocam o usuário em contato direto com o taxista são grande ameaça às cooperativas e mesmo à exploração de pontos de bairros. A questão da carona tende a ir para a Justiça e também a inspirar legisladores, sempre atentos em atrair votos de categorias profissionais. Mesmo, porém, que os atuais aplicativos sejam declarados ilegais, algo surgirá na internet para substituí-los.

Os grupos de comunicação, com destaque para a mídia impressa, há algum tempo tratam de se aperfeiçoar, se reinventar, a fim de utilizar a tecnologia digital, ameaçadora num primeiro momento, a seu favor.

O mundo passa por um daqueles momentos históricos de revolução tecnológica. Têm ocorrido casos de “destruição criadora”, termo do economista austríaco Joseph Schumpeter, da primeira metade do século passado, para designar inovações que tornam empresas e negócios obsoletos, mas trazem avanços importantes para a sociedade. Quebram paradigmas.

E o Estado não deve barrar este processo evolutivo, porque o país como um todo paga alto preço pelo atraso tecnológico.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Não consegui unir nem o meu partido em torno da candidatura”
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP),que desistiu de se lançar candidato a presidente


LAVA-JATO: MPF ‘SEGUIU O DINHEIRO’ DE CAMPANHAS

A Operação Lava-Jato é produto da estratégia do Ministério Público Federal de adotar o lema “siga o dinheiro”, para investigar a origem do financiamento eleitoral. A Lava-Jato pôs na cadeia doleiros que atuam para grandes partidos, lavando dinheiro sujo da corrupção, e até o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que a PF acredita ser um “banco central” de políticos que há anos comandam o Congresso.

RESOLVEDOR-GERAL

Investigadores acham que Costa seria “resolvedor-geral” de problemas para figurões da política, inclusive financiar campanhas.

MAPEAMENTO

Procuradores fazem cruzamento de dados para mapear negócios obtidos no setor público por financiadores de campanhas eleitorais.

COMEÇA ASSIM

No Brasil, é comum os políticos compensarem os financiadores de suas campanhas garantindo-lhes negócios com o Estado brasileiro.

PRIORIDADES

De um leitor indignado: “tantos helicópteros para a segurança da Copa, e quase nenhum para acudir as vítimas das enchentes no PR e SC”.

R$ 8,4 BILHÕES NA ‘VEIA’

Em pleno ano de eleição, o governo Dilma distribuiu R$ 8,45 bilhões diretamente a famílias “em condição de pobreza e extrema pobreza”, nos primeiros quatro meses, através do Bolsa Família. Em 2010, último ano de governo, Lula destinou R$ 14,4 bilhões. Se continuar no mesmo ritmo, Dilma deve gastar, no seu último ano de governo, quase o dobro do antecessor.

ANO ELEITORAL

Em 2013, Dilma gastou R$ 24,8 bilhões com o Bolsa Família. Este ano, pode ultrapassar R$ 27 bilhões.

DEZ BI A MAIS

No primeiro ano de governo Dilma, os gastos com o Bolsa Família foram de R$ 17,3 bilhões. Em 2013, R$ 7,5 bilhões a mais.

MONITORAMENTO

A turma do “comitê popular da Copa” denunciou à Anistia Internacional e à OAB que tem sido monitorada e procurada em casa e no trabalho.

BATEU, LEVOU

O deputado Marco Maia (PT-RS), relator da CPMI da Petrobras, encontrou o colega Fernando Francischini (SDD), que levou uma pizza para a reunião da comissão, e alfinetou: “Lugar de palhaço é no circo”. O oposicionista reagiu na bucha: “E o de ladrão, é na cadeia”.

MISSÃO IMPOSSÍVEL

Membros da CPMI da Petrobras defendem obstrução da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias para impedir o recesso no Congresso e manter na ativa a comissão de inquérito. Difícil é os partidos aceitarem.

SEM DINHEIRO NO BALCÃO

Deputados do PR dizem que o ministro César Borges (Transportes) quer a cabeça do diretor-geral do DNIT, mas eles já não têm o mesmo interesse de antes, porque, em ano eleitoral, o órgão fica “engessado”.

NEM PENSAR

Pré-candidato ao governo do Amazonas, o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB) já avisou ao governo que não vê hipótese de oferecer a vaga de vice para o desafeto Alfredo Nascimento (PR-AM).

JOGOU A TOALHA

O senador João Vicente Claudino (PTB) não aceitou as ponderações feitas pelo ex-presidente Lula em visita ao Piauí, na sexta-feira (13) e manteve a decisão de renunciar à reeleição. A preocupação do PT é que isso fragiliza a candidatura do senador Wellignton Dias ao governo.

FIO DA NAVALHA

O senador Benedito Lira (PP-AL) acha “natural” apoiar Dilma (PT) em Brasília e Eduardo Campos (PSB) em Alagoas. Ele prefere um presidente “comprometido com o Nordeste”.

SOLUÇÃO

O tucano Aécio Neves pressiona os correligionários Simão Jatene e Cássio Cunha Lima para lançar duas candidaturas ao Senado, no Pará e Paraíba. Aécio prefere a reeleição de Cícero Lucena e Mário Couto.

FERA FERIDA

Assessores do Planalto se depararam com o nervosismo da presidente Dilma após as sonoras vaias e xingamentos na abertura da Copa do Mundo. “Ela soltou os cachorros com os assessores e ministros”, conta um deles.

INGRATOS

Comentários on-line do jornal Granma torceram pela Croácia, no jogo contra o Brasil. E dizem preferir Alemanha e Uruguai, na Copa.


PODER SEM PUDOR

TEMPO ESGOTADO

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) fazia duras críticas à indicação de Tereza Grossi para a diretoria de fiscalização do Banco Central, quando foi interrompido pelo senador Antônio Carlos Magalhães, o ACM, que presidia a sessão:

- O seu tempo acabou, senador.

Simon foi rápido no gatilho, como sempre:

- Eu excedi nove minutos e 22 segundos, senhor presidente; d. Tereza vai ficar no cargo por quatro anos.

Ela acabaria abatida pelo escândalo dos bancos Marka e Fonte Cidam.