domingo, setembro 14, 2014

Escócia livre. Mais ou menos - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 14/09


Nesta quinta-feira, os escoceses comparecerão às urnas para uma decisão esperada há séculos: a de se tornarem independentes. Até há algumas semanas, o resultado do plebiscito parecia inclinar-se para o voto "não", o que manteria a situação de nação integrante do Reino Unido. Mas as pesquisas estão oscilando. Não há certeza do resultado.

As coisas se passaram como se os escoceses não tivessem avaliado as consequências monetárias de um divórcio amigável. Para eles, a independência se limitaria a obter governo autônomo, com Forças Armadas próprias e embaixadas no exterior, sem a odiosa obrigação de alimentar o vizinho do sul com impostos e taxas. No imaginário da população, a moeda seguiria sendo a velha e respeitada libra esterlina.

Nas últimas semanas, o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e o ministro das Finanças, George Osborne, se dedicaram à tarefa de advertir os escoceses de que a independência implicaria perda dos direitos monetários e fiscais. A expectativa dos escoceses até aqui era a de que, na impossibilidade de compartilhar a libra, a adesão ao euro seria automática. As coisas não são tão simples. Qualquer que viesse a ser o resultado da negociação com o governo inglês que se seguisse à decisão pela separação, a questão da moeda traria gravíssimas consequências.

Se a opção fosse por manter a libra, o escocês não contaria, como agora, com o Banco da Inglaterra (banco central) na sua tarefa de injetar ou enxugar o volume de moeda na economia. Nesse caso, o sistema adotado seria uma variação do currency board, o mesmo que vigorou na Argentina de 1991 a 2001, quando a economia foi dolarizada, o peso ficou atrelado ao dólar, na proporção de 1 por 1, e seu meio circulante foi o que fossem as receitas obtidas pelas exportações. O resultado foi desastroso - fato que não precisa ser alongado aqui.

A independência também acabaria com a unidade fiscal desfrutada dentro do Reino Unido. O governo de Londres não teria mais obrigação de zelar pelas necessidades da Escócia. Esta perderia as transferências por seguro-desemprego, aposentadoria e a parcela da arrecadação de que hoje dispõe. Se enfrentasse uma crise de pagamentos, não poderia decretar a desvalorização da libra, providência necessária para incrementar as exportações.

A mencionada adesão ao euro não seria automática. Exigiria trâmites demorados, pressuporia entrada prévia na União Europeia e dependeria da vontade política dos Congressos dos países do bloco, que poderiam recusar ou adiar a entrada do novo sócio. Além disso, uma Escócia eventualmente dentro da área do euro desistiria da autonomia monetária que hoje compartilha.

Ah, sim, o país poderia optar por ter moeda e banco central próprios. Nesse caso, a população receberia seus salários não em libras, mas em moeda local. E o valor de suas propriedades seria definido também em moeda local. Com um resultado: o de que uma desvalorização futura da moeda nacional implicaria, também, desvalorização do seu patrimônio em libras esterlinas.

São consequências que aparentemente o escocês não levou devidamente em conta. Como também não tem levado em conta nenhum movimento separatista da União Europeia, como é o caso da Catalunha, hoje integrante da Espanha.

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