quarta-feira, julho 23, 2014

De volta ao clima ruim - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 23/07


Violência é tentativa de desmoralizar política de pacificação às vésperas das eleições, cabendo aos candidatos a responsabilidade de ajudar a fortalecer o projeto



No atacado e no varejo, o crime voltou a agir, se é que algum dia deixou de fazê-lo, mas é que durante a Copa houve uma espécie de trégua. A partir da semana passada, porém, os bandidos realizaram vários tipos de ação violenta, algumas ousadas, como o incêndio do trailer de uma UPP no Morro do Alemão, onde um soldado da PM foi baleado. Esse recrudescimento é uma tentativa de desmoralizar a política de pacificação às vésperas das eleições, cabendo aos candidatos a responsabilidade de, com suas propostas, ajudar a fortalecer um projeto que ainda é a melhor solução para o problema.

Se no atacado os moradores de toda uma comunidade se sentiram ameaçados, no varejo dos pequenos assaltos de rua e das saidinhas de banco o caso mais traumático foi o assassinato da sócia do restaurante Guimas, na Praça Santos Dumont, na Gávea.

Maria Cristina Bettencourt Mascarenhas, a Tintim, sai de uma agência bancária carregando uma bolsa com R$ 13 mil, para junto à barraca de um camelô, uma moto com dois homens se aproxima, um deles desce, puxa a bolsa com o dinheiro, ela tenta segurar e leva uma gravata. O assaltante poderia dar-lhe um empurrão, e ela cairia. Afinal, era uma senhora de 66 anos. Ou então um tiro no braço ou na perna, se quisesse demonstrar seu poder de fogo. Mas não, ele quis exibir toda sua gratuita maldade: atirou na cabeça, sem precisar. Tudo isso à uma da tarde, num local movimentado, a menos de 300 metros do seu restaurante. Joaquim Ferreira dos Santos almoçava no Guimas àquela hora e, ao sair, passou pelo local do crime, vendo ainda o corpo estendido no chão. A cena inspirou-lhe uma sentida crônica, “O último quintal”, que terminava assim: “A Gávea tinha mudado para sempre. Não havia mais quintal, mas a barbárie e o horror.”

A professora Vera de Paula e o cineasta Zelito Viana tiveram mais sorte — e essa é a trágica ironia. Quando você sai vivo, quase se sente na obrigação de agradecer aos assaltantes. No dia seguinte à morte de Tintim, a residência do casal foi assaltada pela quarta vez. “A primeira foi pior”, e isso agora lhes deu calma para conversar com os dois quase meninos, pelo menos até serem amarrados e amordaçados, com a empregada e a secretária da empresa do marido, que funciona em casa. “Você é uma coroa abusada”, disse um deles, perguntando: “Já passou fome?” “Não, mas sempre lutei para que as pessoas não passassem.” De fato, Vera trabalhou num órgão de ações socioeducativas para jovens infratores, e chegou a pensar: “Será que não conheci esses meninos lá?”

Justiça seja feita, eles não cometeram violência, se se pode dizer assim. E insistiam em enfatizar: “Não estamos fazendo nada.” Ao contrário do covarde assassino de Tintim, esses eram bandidos “civilizados”.

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