sexta-feira, junho 13, 2014

Nas duas pontas - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 13/06

Olhar da porta da fábrica à boca do caixa das redes de varejo revela que a situação está difícil em toda a cadeia produtiva. O setor de papelão ondulado, a embalagem das embalagens, cresceu só 0,35% até maio, menor ritmo desde 2009. Uma grande rede varejista do Espírito Santo registra queda de 10% no volume de vendas, o pior resultado em cinco anos. Em abril, o comércio encolheu 0,4%.

Ontem o IBGE divulgou os dados de vendas do varejo para abril, mostrando que o fraco desempenho não é de uma empresa só, mas está espalhada. A queda de 0,4%, em relação ao mês anterior, vem após uma retração de 0,5%, em março, na comparação com fevereiro. É a primeira vez desde novembro de 2008 que o comércio tem duas reduções mensais consecutivas, segundo a consultoria MCM. Sete de 10 setores do comércio ampliado — que inclui o segmento automóveis — caíram em abril. Um tombo generalizado. Nos supermercados, houve queda pelo terceiro mês seguido, como reflexo principalmente da inflação de alimentos.

A expedição de papelão ondulado é um indicador antecedente do nível de atividade porque contabiliza as caixas que saem das fábricas até o comércio com produtos de vários setores da economia: alimentício, farmacêutico, higiene e limpeza, vestuário, eletroeletrônicos. Por isso, quando sobe, é sinal de aumento das vendas. Quando fica fraco, mostra que os estoques estão elevados. O presidente da ABPO, associação que representa o setor, Sérgio Amoroso, contou à coluna que de janeiro a março a produção de papelão crescia 3% sobre 2013. Depois, houve retração de 5,2%, em abril, e de 1,5%, em maio. Ficou pior da passagem do primeiro trimestre para o segundo tri e agora a alta acumulada é de apenas 0,35%. Esse é o ritmo mais fraco desde 2009.

— Prevíamos crescer 3,5% em 2014, agora, esperamos 2%, mas com viés de baixa. Apesar de não estarmos tão mal quanto outros países, está difícil manter o otimismo sem um dado que indique mudança de rota na política econômica — explicou Amoroso.

No grupo empresarial Dadalto, uma grande rede de varejo capixaba, com lojas de departamento em quatro estados, material de construção, e também uma financeira, os estoques de produtos correspondem a 60 dias de vendas, quando a média para o período é 45 dias. Segundo o presidente da grupo, Leonardo Coelho, o volume de vendas está 10% menor este ano, o número mais fraco também desde 2009.

— De todos os indicadores, o que mais nos afeta é o endividamento das famílias e o comprometimento da renda. Não temos expectativa de reverter a queda do ano, as margens de lucro estão muito pressionadas e há queda de braço com a indústria, que também está estocada — disse Coelho.

Para tentar reativar a economia, o ex-presidente Lula sugeriu recentemente aumento da oferta de crédito. Quem conversa com as empresas vê que isso é difícil. Leonardo Coelho conta que a financeira do grupo, a Dacasa, tem recursos para emprestar, mas explica que a redução da renda disponível das famílias aumenta muito o risco.

— A financeira está empoçada em liquidez. Ou seja, tem recursos para emprestar, mas enfrenta dificuldades. Forçar o empréstimo é incentivar a inadimplência porque o endividamento está alto e a renda disponível está menor. Qualquer crédito dado agora é de alto risco — afirmou.

Os dois executivos, de áreas diferentes, listam os problemas enfrentados pelas empresas na economia real: inflação alta, encarecimento do crédito, perda de confiança, alto endividamento, gastos em excesso do governo. Os dois também avaliam que a baixa taxa de poupança é um entrave para os investimentos, que deveriam ser o novo carro-chefe da economia, no lugar do consumo.

O consumo via endividamento durante muito tempo impulsionou o PIB. Agora, perde força, como mostram os números acumulados em 12 meses. O varejo ampliado já cresceu a uma taxa de 8%, em novembro de 2012. Em abril deste ano, cresceu 2,5%. Na mesma conta em 12 meses, o setor de supermercados crescia a 8,2% e agora está 3,3%. Móveis e eletrodomésticos, saiu de 15,8%, em abril de 2012, para 5,6% agora. O que não está em queda está em desaceleração. Os dados agregados, como a pesquisa divulgada ontem pelo IBGE, confirmam que a economia está fria de forma geral.

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