terça-feira, maio 06, 2014

Uso de estatais - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 06/05

Há uma compreensão errada do atual governo sobre o papel e os limites da ação governamental através das estatais. Um erro que repete equívocos passados, que custaram caro ao contribuinte. Em uma empresa pública com acionistas privados, o cuidado tem que ser ainda maior. O retrato que este jornal mostrou ontem da demolição da Eletrobrás é assustador.

A reportagem de Henrique Gomes Batista e Nelson Lima Neto revelou que a partir do terremoto que se abateu sobre o setor elétrico, a MP 579, a Eletrobrás teve que fornecer energia até a R$ 9 o MWh. O presidente do Instituto para o Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico, Roberto D’Araújo, registrou um detalhe incrível: no mesmo Rio Grande, a 15 quilômetros de distância, uma hidrelétrica vende a R$ 270 o que Furnas só pode cobrar R$ 9,00.

Não há custo que não seja pago. A conta sempre chega para alguém. No caso, nós contribuintes. É por isso que o executivo prevê que “no futuro, o Tesouro Nacional terá que socorrer a empresa”. Exigir de empresas estatais que façam o impossível, fiquem com todos os custos, corram todos os riscos e distorçam a lógica da economia tem um preço. Ele será pago pelo contribuinte porque o governo usará o nosso dinheiro ou se endividará em nosso nome para cobrir os rombos que inevitavelmente aparecerão.

Para tornar possível a execução de empreendimentos sobre os quais havia dúvidas, o governo convocou as estatais, em vez de aprofundar estudos, calcular adequadamente, para esgotar todas as dúvidas. Fez isso com as hidrelétricas do Rio Madeira e depois com Belo Monte. Fez o mesmo com a Refinaria Abreu e Lima, no caso da Petrobras. Há dimensões diferentes de prejuízos, mas a ideia é sempre a mesma. No caso da refinaria, o então presidente Lula forçou o início do projeto para fortalecer as relações com a Venezuela de Hugo Chávez. O Brasil ficou sozinho no empreendimento, e a obra deu saltos ornamentais no custo.

A Eletrobrás tinha valor de R$ 40 bilhões e agora vale R$ 9 bilhões, menos que empresas menores, como Cemig, CPFL e Tractebel. Esse valor pode ser recuperado, mas para se estabilizar num outro patamar, mais alto, será preciso sanear a empresa, mudar o modelo de gestão e dar ao investidor um horizonte de rentabilidade.

Empresas estatais com acionistas privados não podem ter privilégios nem custos indevidos. No primeiro caso se está privatizando uma vantagem, já que os minoritários também receberão. No segundo caso, eles estão pagando o preço por serem sócios da empresa pública. Elas são entidades do mercado, porque atuam, formam preços, contratam, encomendam, fornecem. Mas não podem ter apenas uma lógica privada, dado que são públicas. Porém, não são braços do governo para executar políticas públicas a qualquer preço, porque têm acionistas minoritários.

Quando são grandes demais no mercado — como é a Petrobras, um monopólio que jamais se desfez — ou quando atuam com concorrentes privados, a ação das estatais deve estar sob boa regulação e sob a exigência de transparência e prestação de contas.

Os governos Lula e Dilma jamais entenderam esses limites e ambivalência. Jamais entenderam o caráter “público” das estatais. Elas não podem ficar sob o ditame de um governo, ou de um partido do governo, porque pertencem aos seus acionistas e aos contribuintes. Não são guiadas apenas pelo lucro, mas têm que seguir mecanismos de controle e proteção do patrimônio público.

Ao não entender a natureza das empresas estatais, o atual governo está destruindo riqueza pública, colocando as companhias em risco. O retrato traçado pelo jornal na reportagem publicada ontem é preocupante em vários pontos, como o de que a Eletrobrás está atrasando pagamento de fornecedores e que está tendo muitas perdas no seu quadro de funcionários.

Diante das críticas, o governo diz que a oposição quer privatizar as empresas. É um truque surrado, principalmente em relação à Petrobras. O que se quer é resguardar as empresas do uso político, das nomeações partidárias, dos negócios desastrosos, da imposição de decisões que causam prejuízo do ponto de vista gerencial. O que o país quer é que as empresas sejam de fato públicas.

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