sexta-feira, maio 09, 2014

Rondando o teto - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 09/05

Será conhecida hoje a inflação de abril e mesmo sem saber o número exato há concordância sobre a tendência. Os economistas acham que o índice ficará abaixo de março, mas o acumulado em 12 meses continuará subindo. Assim será também em maio. De novo, uma queda na taxa mensal, mas o IPCA permanecerá em alta. Nos próximos meses, ficará sempre no teto.

Com a inflação de abril, não será ultrapassado o topo da meta, mas em maio é bem provável que isso aconteça. O professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha calcula que o dado de abril deve ficar em 0,75%; abaixo dos 0,92% de março. Mas o IPCA subiria para 6,33% em 12 meses. Em maio, a taxa pode cair de novo, segundo Cunha, para 0,55%, mas como será maior do que maio do ano passado, o acumulado ultrapassaria o limite de 6,5%.

— Depois, em junho, julho e agosto, a inflação em 12 meses deverá ficar em torno do teto, com a maior tendência de ser acima do limite porque no ano passado os três meses foram de preços bem baixos — disse Luiz Roberto Cunha.

O item que mais está pesando, e isso será mostrado hoje, é ainda a alimentação. Há preços subindo menos, mas, no conjunto, os alimentos ainda pressionam.

— Alimentação no domicílio ficou, em março, em 2,44% e, em abril, deve ficar em 2,21%. A alta de tubérculos vai cair, mas assim: de 22% para 8%. Por outro lado, carne e leite estão subindo mais. Há ainda impactos da energia no grupo habitação. No mês que vem, a energia terá ainda mais peso na alta de preços. Está também entrando uma nova estação e por isso o item vestuário deve também mostrar alta — diz Cunha.

Cada mês a sua agonia; os preços que pesam mais vão neutralizando as eventuais quedas. E, quando o índice fica menor, o acumulado sobe. O fato é que inflação voltou a ser tema diário nas conversas e nas preocupações das famílias e empresas. O índice não está descontrolado, mas permanece resistente, alto demais, criando incerteza e desconforto. Dá para sentir nas conversas, em qualquer lugar, com as pessoas responsáveis por fazerem as compras de feira e supermercado. Todos ficam pontuando os preços que dispararam.

O economista Samuel Pessoa, do Ibre/FGV, em artigo na “Folha de S. Paulo”, mostrou que a situação atual é mais complexa até mesmo que a de 2002, que terminou com o IPCA em 12,5%. Ele percebeu que a inflação de serviços roda a casa de 8,5% há três anos, contra 5,5% daquela época. Os preços administrados, que subiram 14,7% em 2002, têm alta de 3,4% em 2014. Isso quer dizer que eles estão congelados e vão ter que subir à frente, principalmente gasolina, energia elétrica e transporte público. O país hoje tem déficit em corrente de 3,7% do PIB, contra 1,6% em 2002. Isso coloca pressão sobre a nossa moeda. O que mais chamou atenção foi a comparação das expectativas de inflação 12 meses à frente. Agora, elas são maiores do que naquela época: 6,4% contra 5,6%.

— Não tinha me dado conta disso até escrever o artigo. O problema desta vez é estrutural, quando naquele ano foi concentrado na alta do dólar. Levar a inflação para a meta este ano será mais difícil — disse Pessoa.

Não é culpa do tempo, da falta de chuvas, do imponderável. Claro que esses problemas aguçam a elevação dos preços. Mas o que trouxe a situação a esse ponto foi a sucessão de erros na administração da política anti-inflacionária. Quando a taxa já está estacionada em nível alto, qualquer inesperado faz o índice superar o limite.

— Num cenário de IPCA em 0,75% em abril, 0,55% em maio, e 0,2% em média mensal em junho, julho, agosto, o acumulado de 12 meses ficará sempre acima do teto. Se for 0,3%, em média, nesses três meses chegaremos a agosto com 7% — explicou Luiz Roberto Cunha.

As projeções servem para mostrar a tendência, mas a percepção das pessoas é de que os preços estão passando por um período de alta disseminada e de instabilidade. Isso encomenda outros reajustes. Quando sobe o preço do material de limpeza, o condomínio é reajustado. Quando os alimentos aumentam, certamente haverá alta de restaurante. Essa percepção precisa ser quebrada. O governo prefere acreditar que tudo vai se acertar quando passar a sazonalidade do alimento. Mas temos tido anos de inflação beirando ou superando a meta. E esta será de novo a trajetória neste ano.

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