domingo, maio 11, 2014

O paradoxo de Ícaro - ANDRE BARCAUI

O GLOBO - 11/05

Avanço na educação é muito lento em relação a países como a Coreia do Sul, que, em meio século, saiu de um PIB per capita igual ao do Brasil para um três vez superior


Na mitologia grega, Ícaro teve asas construídas por seu pai, Dédalo, com cera de abelha e penas de gaivota, em um plano engenhoso para fuga da ilha de Creta. No entanto, o poder extraordinário adquirido acabou gerando sua queda, na medida em que se aproximou demais do sol. Da mesma forma, quando organizações são apanhadas em seu próprio círculo vicioso de gana pela manutenção do poder, vitórias e pontos fortes acabam sendo ofuscados e se transformando em ônus, eventualmente causando sua obsolescência e destruição. São vários os exemplos no mundo corporativo que ilustram esse paradoxo, assim como na política e no governo.

Tomemos o modelo de programas importantes como o Bolsa Família, que teve sua origem no governo FH, e é recursivamente explorado de maneira demagógica ou com fins eleitoreiros. Até aí, mesmo com evidente descaso quanto ao descontrole das contas públicas a serem pagas por gerações atuais e futuras, aceita-se e entende-se a promoção do programa como tentativa desesperada de salvar uma imagem que sofre com pesquisas desfavoráveis de opinião. Mas o que mais irrita qualquer brasileiro minimamente informado é a percepção do engodo, do embuste. Não se trata de oposição ao governo, até porque não falo em nome de partido algum. Mas sim, de ser contra o uso do dinheiro público de maneira ineficiente, improdutiva e escusa. Ter o pior desempenho entre os emergentes, desperdício e inchaço em uma estrutura ministerial descomedida, gastos imorais em projetos mal planejados de grandes eventos com direito a pito internacional são alguns exemplos. Uma logística pífia em um país de dimensões continentais, mas que inexplicavelmente subsidia crédito para portos em Cuba, além de importar médicos, em condições de trabalho minimamente duvidosas, do mesmo país. Ter todas as condições para assumir a liderança da América Latina, mas patinar nas relações externas, não se posicionar em casos de barbárie de países vizinhos e ficar preso a um Mercosul por ideologia anacrônica e ultrapassada são mais algumas amostras.

Apesar da evolução em suas instituições, o Brasil encontra-se vulnerável e à beira de um retrocesso econômico. A pior sensação é a de perda de tempo. Perceber que o futuro fica cada vez mais hipotecado às custas de benefícios insustentáveis de um governo excessivamente intervencionista que, inclusive, dilapida o próprio patrimônio nacional. De nada vale ser a sétima economia do mundo se continuarmos em 85º no Índice de Desenvolvimento Humano e com uma carga tributária inversamente proporcional à qualidade dos serviços recebidos.

Mesmo considerando a desigualdade histórica que enfrentamos na América Latina, o avanço na educação é muito lento em relação a outros países como a Coreia do Sul, que, em meio século, saiu de um PIB per capita igual ao do Brasil, para um três vez superior. Nesse sentido, a retórica de Abraham Lincoln sugere que não é possível enganar todos durante todo tempo, mas até que o governo tem se esforçado bastante, dado que a chave para sustentabilidade da empulhação é justamente o baixo nível educacional.

Apesar da advertência de seu pai, Ícaro morreu ao cair no mar depois de se aproximar demais do sol com suas asas de cera. São várias as advertências que o povo brasileiro tem dado ao atual governo, mas a principal é que um choque de realidade e uma dose de humildade e vergonha na cara não fazem mal a ninguém.

Nenhum comentário: