sábado, março 15, 2014

Subdesenvolvimento - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 15/03

O Brasil é um país tão singular que até seu passado é incerto. Muda ao sabor das conveniências e das oportunidades do momento. Isso não é brincadeira. Talvez seja uma característica sul-americana, território de Gabriel García Márquez e de seu realismo fantástico. Aqui uma ex-guerrilheira urbana chegou à Presidência da República e recoloca em prática políticas que, testadas, não resultaram em nada de positivo. Eterno retorno. Neste mês em que se recorda o movimento de 1964, não há novidades. Apenas a volta ao passado e a reinterpretação do que ocorreu naquele período.

Jango morreu no exílio. Era um homem amargurado. Esquecido pelos amigos. Tratava de seus problemas cardíacos em Lyon, na França. Era riquíssimo. Dono de extensas fazendas na Argentina, no Uruguai e no Paraguai. Não quis resistir dentro do país no momento do golpe. Golpe, aliás, apoiado por todos os jornais da grande imprensa nacional e pela classe média. A inflação estava sem controle. Os partidos políticos brigavam por posições e composições e os militares insatisfeitos, desde a revolução de 1930. O sindicalismo de João Goulart não produziu resultados. Ele discursou ao povo no comício da Central, no Rio, sob efeito de remédios pesados. Prometeu a reforma agrária na marra. Contra o desejo manifesto do Congresso, chamado de conservador e reacionário.

O resto da história é conhecido. Os generais assumiram o poder por intermédio de eleição indireta no Congresso Nacional. Vários políticos tradicionais concordaram com o novo regime. Juscelino votou a favor de Castello Branco. Tancredo Neves, não. JK estava de olho nas eleições de 1965, que não foram realizadas. O regime caminhou para a ditadura, após a edição do Ato Institucional n° 5, em 13 de dezembro de 1968. Foi a partir daí que tortura e prisões arbitrárias começaram a ocorrer em grande escala. E os jovens, da época, tentaram o caminho da guerrilha urbana. O Brasil mudou muito. Não há paralelo entre o país de hoje e o daquela época.

Agora, 50 anos depois, "a economia brasileira vive momento de grande frustração e de grave perigo", segundo o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Gustavo Loyola, também ex-presidente do BC, classifica a atual política macroeconômica, gerida pelo ministro Guido Mantega, de "esquizofrênica". Isso acontece no mundo dos especialistas. As pessoas menos versadas no assunto apenas percebem que a conta do supermercado ficou mais cara. E os salários não aumentam na mesma proporção. Além disso, existe a possibilidade de escassez de energia, que além de produzir apagões, reduz a produção industrial e ameaça o emprego.
As soluções administradas pelo governo não têm sido bem-sucedidas. Mas existe a vontade de repassar a história e, talvez por intermédio dessa revisão, despertar para o mundo moderno. O Brasil está conflagrado. Os transportes públicos são péssimos, os serviços de saúde são pavorosos e a educação está em estado lamentável. Os problemas essenciais não foram solucionados. A retórica é uma característica latino-americana. Falar muito e dizer pouco. Eficiência perto de zero. É bom olhar para os vizinhos.

A Argentina já foi país rico. Frequentou o clube das cinco maiores economias do mundo. Nas últimas décadas, seus dirigentes, incluindo Cristina Kirchner, fizeram o possível para reconquistar o atraso. Estão conseguindo fazer o país retroceder. A Venezuela dispõe das maiores reservas de petróleo do mundo. Maiores que as da Arábia Saudita. No entanto, está endividada, vive inflação galopante, câmbio controlado, escassez de dólares e desabastecimento. As prateleiras dos supermercados estão vazias no país, que por causa da riqueza fácil do petróleo, não desenvolveu indústria nem agricultura. Mas os dirigentes conseguiram quebrar a Petróleos de Venezuela (PDVSA). É espantoso.

O Chile é país diferente. Austero, seguro, com inflação controlada e crescimento do PIB acima de 5% ao ano. Lá a política também promoveu uma revolução pacífica. Michele Bachelet, filha do general Alberto Bachelet, que morreu nos porões do regime Pinochet, tomou posse na Presidência da República. Isabel Allende, presidente do Senado daquele país, deu posse à nova presidente. Ela é filha de Salvador Allende, presidente deposto, que se suicidou. A história está revirando gerações e recolocando o passado no presente. Não me escapa a sentença profética de Nelson Rodrigues: "Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos". 

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