quinta-feira, março 06, 2014

O encontro com o Leão - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 06/03
É sempre bom lembrar que a cidadania, condição atribuída ao indivíduo nas relações com o Estado, é moeda de duas faces. Uma delas, a mais focalizada pela mídia e falada pelas pessoas é, por motivos óbvios, a dos direitos, que, se não reclamados, não são exercidos. A outra, menos lembrada entre nós, mas igualmente fundamental, é dos deveres. O primeiro deles é o de cumprir as leis. Entre elas, a de pagar os tributos ao Estado porque é com eles que o poder público cumpre, ou deveria cumprir, o papel de garantir os direitos do cidadão.
Mas não há nada que, no regime democrático, impeça o cidadão de exigir que as leis que criam e os decretos que regulamentam os tributos sejam razoáveis, adequadas à realidade do contribuinte e, principalmente, instrumento de construção de um país melhor, de uma sociedade mais justa. O Brasil tem avançado em várias frentes desde a retomada do processo democrático, do sucesso no controle do poder de compra da moeda e da adoção de leis mais eficazes no trato da responsabilidade fiscal dos governantes.

Mas isso não é motivo para acomodação. Temos muito a avançar e vem aí um momento mais do que propício para cada cidadão refletir sobre o lado menos agradável, mas indispensável da cidadania. Começa hoje e vai até 30 de abril o prazo para que cerca de 27 milhões de brasileiros acertem as contas com o Imposto Renda da Pessoa Física (IR) relativo a 2013.

Depois de aplaudir o quanto a Receita Federal tornou fácil e amigável o preenchimento eletrônico e a entrega rápida da declaração pela internet, é hora de prestar atenção nas distorções que, sai ano entra ano, continuam garantindo ao Fisco o apelido de Leão: fica com parte da renda maior do que deveria. A primeira mordida é a da correção da tabela de descontos e de definição de alíquotas. Depois de mantê-la congelada por vários anos, o governo passou a corrigi-la sistematicamente abaixo dos índices de inflação.

Trata-se de velho truque que aumenta a arrecadação sem alterar as alíquotas. A declaração que será entregue a partir de hoje se baseou em tabela corrigida em apenas 4,5%, apesar de a inflação de 2012 ter sido de 5,83%. A repetição do golpe vem acumulando vantagem que, se o Leão fosse cidadão comum, seria processado por enriquecimento ilícito.

Cálculos de gente do ramo, como o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), indicam que a distorção acumulou mais de 66% de vantagem indevida contra o contribuinte. Não menos inaceitável é a manutenção de desconto apenas simbólico das despesas com a educação dos filhos de quem, além de pagar caro por ter emprego que lhe rende pouco mais do que três salários, matriculou as crianças e os adolescentes em escola particular.

Para o exercício de 2013, o abatimento não passou de R$ 3.230,46, ou seja, mal cobre um terço das mensalidades e desmente o discurso de que a educação é prioridade do governo. A lista de distorções é bem maior. Mas só essas duas seriam motivo suficiente para, ordeira e democraticamente, engrossarmos as próximas passeatas.

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