domingo, fevereiro 02, 2014

Vou de Cadillac, mas meu coração... - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR

GAZETA DO POVO - PR - 02/02

As peripécias da caravana de Dona Dilma em Lisboa lembram o ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. Homem rico, ele chegava aos comícios num Cadillac rabo de peixe, o suprassumo da época em matéria de carro chique. Na saída, passando ao lado dos populares aglomerados no ponto de ônibus, ele mandava o motorista parar, abria o vidro e gritava: “Meu povo, eu vou de Cadillac, mas meu coração vai a pé com vocês...” Versão moderna: “Meu povo, eu vou dormir num quarto de R$ 25 mil do Hotel Ritz, mas meu coração passará a noite com vocês no Minha Casa, Minha Vida!” Ou então: “Vou jantar num restaurante estrelado no Michelin, mas meu coração estará comendo um pão com mortadela com vocês no bar da esquina!”

É verdade que a imprensa brasileira está povoada por zelotes que veem dissipação de recursos públicos em tudo ou quase tudo; a última deles foi criticar o governador de Pernambuco porque seu assessor de imprensa e um fotógrafo do palácio foram até um hospital registrar o nascimento do quinto filho do governante, o que deve ser matéria de interesse jornalístico por si própria. Mas, no caso de Lisboa, a imprensa deitou e rolou com as trapalhadas oficiais com toda a razão: para que esconder a tal escala? Qualquer pessoa com um mínimo de tolerância acharia razoável que, em vez de voar à noite passando por uma área de temperaturas extremas e instáveis na costa norte-americana, a viagem fosse feita de dia, o que, aparentemente, reduz os riscos. O errado foi mentir a respeito.

Nada haveria também de errado em tomar essa decisão um ou dois dias antes da viagem e fazer as reservas necessárias em Lisboa. Então, para que mistificar a imprensa fingindo que foi uma decisão emergencial, de última hora? E para que sair pela porta dos fundos do hotel, como alguém pego em flagrante em uma malfeitoria?

Quanto às escolhas hospedeiras e gastronômicas da comitiva, há pelo menos três problemas: um de natureza prática e outros dois de caráter simbólico. No aspecto prático, não consigo entender por que é preciso levar uma comitiva de quase 80 pessoas para participar de um evento ultraprotegido, em que se vai fazer uma palestra de meia hora, uma hora no máximo e participar de alguns encontros. Não sei a resposta, mas sou capaz de adivinhar: pergunte-se quantos assessores Bill Gates levou ao encontro? Ou Warren Buffett, o segundo homem mais rico do mundo? Ou os presidentes das dez maiores empresas do planeta? Essas extravagâncias de gastos em viagens não condizem com o real money, sendo típicos dos deslumbrados. E você, paciente leitor, ficaria pasmo em conhecer o tamanho das comitivas dos presidentes brasileiros em todas as viagens ao exterior, mas vai ter de conter a curiosidade porque isso é considerado segredo de Estado – juntamente com as despesas das comitivas.

No plano simbólico, escolher um hotel caríssimo para passar apenas uma noite sem compromissos oficiais demonstra, no mínimo, pouca preocupação com o dinheiro dos que estão pagando a viagem. E, quanto aos integrantes da comitiva, inclusive a presidente, terem “rachado” a conta do restaurante, vou fingir que acredito e até vou comunicar essa minha crença à Velhinha de Taubaté, parente direta de Luis Fernando Verissimo, que é – como todos devem se lembrar – a alma mais crédula desta peculiar república.

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