sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Sem saída - JOSÉ CASADO

O  GLOBO - 14/02

Na Venezuela, desajuste político apenas emoldura o desastre econômico


- Eles são os responsáveis pelo que está acontecendo - gritava o presidente da Assembleia Nacional, referindo-se aos líderes da rarefeita bancada de oposição no parlamento. - Vagabundos! Imorais! Vocês nunca vão governar este país! - acrescentou Diosdado Cabello, reconhecido como o segundo homem no poder na Venezuela.

Já se contavam três mortos e mais de 90 prisões de estudantes, na quarta-feira 12 de fevereiro, em meio à celebração dos 200 anos da "Batalla de La Victoria" - importante episódio na guerra da independência venezuelana, no qual o general José Félix Ribas convocou um punhado de estudantes, entregou-lhes fuzis e os conduziu à luta contra “o furor dos tiranos”.

Enquanto Cabello xingava adversários, culpando as “horas fascistas da direita”, estudantes protestavam em todo o país. Nicolás Maduro, presidente, denunciava mais uma suposta tentativa de golpe - já anunciou mais de três dezenas desde a posse, em abril do ano passado, intercalados por comunicados sobre supostos planos para assassiná-lo. Como sempre, sem provas.

A percepção de que Maduro e Cabello são os responsáveis pela deblace venezuelana cresce na proporção do reconhecimento público da incapacidade de ambos para conduzir o país a uma saída política da crise em que submergiu. Herdeiros da ruína legada por Hugo Chávez, cultuam o fracasso na imposição da ordem unida - agora com a adoção da censura prévia à imprensa, ordens de prisão expedidas contra estudantes e líderes oposicionistas e instituição de um sistema de cassação de direitos políticos dos adversários “por toda la vida”, como anunciou Maduro no início da semana.

O desajuste político apenas emoldura o desastre econômico. Maduro e Cabello nem podem esgrimir com o clássico "eu não sabia", porque na campanha eleitoral de março passado receberam um diagnóstico produzido por economistas aliados.

O documento ("Qué hacer"), divulgado na época, alertava "sobre uma bomba atômica que praticamente já explodiu devido às políticas econômicas inadequadas da nossa equipe econômica."Acrescentava: "É preciso uma reformulação ( das políticas) para um urgente controle dos danos, por um lado, e um relançamento da economia, por outro (...) Até agora as classes baixas, que apoiam o processo revolucionário, têm sido pacientes (...) Mas se escuta no ambiente a possibilidade de uma comoção social, como efeito da reverberação das ondas de choque da bomba econômica que já explodiu".

Dias atrás, um grupo de organizações de economistas divulgou outro documento, onde se lê: "A continuar o governo no atual rumo, os problemas econômicos dos venezolanos se agravarão de forma dramática. A alta sustentada dos preços, a queda dos salários reais, as limitações às oportunidade de empregos bem melhor remunerados e a escassez de alimentos, remédios e uma variedade de bens de uso frequente, farão da vida dos venezuelanos um processo de empobrecimento e padecimento por pesadas dificuldades econômicas, todas relacionadas entre si".

Em 11 meses no poder, Maduro e Cabello esboçaram uma única reação, assim resumida pelo presidente:

- Vou militarizar (o país) para proteger o povo.

Nomearam 368 militares para a chefia de áreas-chave do governo, inclusive a economia. É um contingente significativo em um país com 300 generais, almirantes e brigadeiros (o Brasil, por exemplo, sustenta 150 para uma tropa de 190 mil). Como nos quartéis a contabilidade oficial é de 73,7 mil profissionais em armas, significa que há um general para cada grupo de 250 soldados. Quase todos só devem passar à reserva em 2020 — em tese, deteriam o comando das forças pelos próximos sete anos.

Entre eles e a tropa existem oito mil oficiais — todos à espera de uma promoção ao generalato. Embaixo desses estão mais 27,5 mil oficiais técnicos.

Na vida real, apenas 80 generais-comandantes têm controle efetivo do poder de fogo, dominando as áreas mais estratégicas da caserna. Todos são beneficiários da política de altos salários para a caserna. Na Venezuela, as Forças Armadas têm seu próprio banco (Banfanb), sua empresa de transporte (Emiltra), sua construtora até uma empresa agrícola (Agrofanb), para garantir o suprimento da caserna. E desde o início deste ano têm, também, sua própria emissora de televisão (TVFanb)

Fernando Antich Ochoa, ex-chanceler e ministro da Defesa do governo Carlos Andrés Perez (1991 a 1994), acha que a dupla Maduro-Cabello optou pela via da militarização do país pela fragilidade com que emergiram das urnas, nas eleições presidenciais do ano passado ao vencer por uma questionável diferença (1,5%), jamais auditada nos boletins de votação. E, principalmente, como tática de imagem, acreditando que "com os venezuelanos vinculando o governo às Forças Armadas seria, em tese, mais difícil um apoio popular aos militares caso viessem a intervir no processo político para interrompê-lo".

O problema de Maduro e Cabello, agora, é o ronco das ruas. A opção governamental pela radicalização equivale ao bilhete ritual de um suicídio político.

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