GAZETA DO POVO - PR - 16/02
Debatemos o grau de barbárie que podemos aceitar – como se pudéssemos aceitar algum grau – e perdemos a chance de discutir o que a sociedade pode realmente fazer para tentar conter a violência
A essa altura, provavelmente já não há quem não tenha visto (ou pelo menos ouvido falar) as fotos de um adolescente de 15 anos, despido e amarrado pelo pescoço a um poste com uma tranca de bicicleta, no Aterro do Flamengo, no Rio. A cidade vem registrando casos em que grupos de autointitulados “justiceiros” atacam supostos bandidos, ou em que cidadãos comuns conseguem imobilizar assaltantes e os agridem enquanto a polícia não chega. Não se trata de exclusividade carioca: caso semelhante ao do Flamengo ocorreu em Itajaí (SC), na quinta-feira. O menor amarrado ao poste no Rio tinha três passagens pela polícia, e em outros episódios a reação popular ocorreu logo após assaltos.
O debate se voltou instantaneamente para o Fla-Flu do “contra” e “a favor” dos justiceiros. Gastamos semanas discutindo, basicamente, o quanto de “corretivo” um cidadão poderia aplicar em um bandido pego no ato de roubar ou assaltar; e se determinada âncora de um canal de televisão tinha toda a razão do mundo, expressando o que pensava “o povo nas ruas”, ou se era uma fascista inimiga dos direitos humanos que merecia ser processada ou calada. Todo esse tempo passado nos distraindo com um debate superficial sobre o que poderia ser descrito como o grau de barbárie que podemos aceitar (e podemos aceitar algum grau, mínimo que seja?) foi tempo em que perdemos a chance de discutir o que a sociedade pode fazer para tentar conter a violência. Mas ainda há tempo de retomar o curso.
Agora as grandes manifestações foram sequestradas pelo vandalismo black bloc, mas em seus dias mais gloriosos a população saiu às ruas para pedir, principalmente, escolas e hospitais “padrão Fifa”. Mas por que parar por aí? Poderíamos ter polícias padrão Fifa, que previnem e reprimem o crime com rapidez e inteligência; delegacias padrão Fifa, em que o trabalho de investigação é feito com gente suficiente para esclarecer o crime e reduzir a impunidade; uma Justiça padrão Fifa, que julgue com rapidez, mas sem precipitação; prisões padrão Fifa, que não sejam quartéis-generais do crime. Tudo isso pode e deve estar na nossa pauta de cobranças. Sem falar, claro, de parlamentares e governantes padrão Fifa: sem eles, nada disso virará realidade. São eles que fazem as leis e decidem as políticas de segurança. Por isso a oportunidade deste ano eleitoral é valiosa. Que saibamos trazer esse tema para o debate e identificar as promessas mirabolantes ou discursos populistas.
Mas só cobrar não adianta, até porque sem “cidadãos padrão Fifa” só a mera ação do poder público ficará comprometida. E esse cidadão não apenas fiscaliza e cobra, mas também age, guiado por duas palavras-chave. A primeira é colaboração: sair da bolha em que o medo nos prende e juntar forças, trabalhar em equipe. Para isso há os Conselhos de Segurança (Consegs) nos bairros, os grupos de vizinhos que se comprometem com a vigilância constante das casas, ou que se cotizam para contratar uma segurança privada complementar à polícia. A segunda palavra é criatividade. A cada notícia de crime espetacular ou de novo golpe na praça, acostumamo-nos a pensar que só os bandidos são criativos. Grande engano. Aí estão, por exemplo, os mapas colaborativos criados na internet, usando a tecnologia para fornecer informação à polícia e aos demais cidadãos.
Ao perceber a insegurança e a impunidade que levam criminosos a ser cada vez mais ousados e violentos, é natural ficar indignado. Mas parar na indignação é como gritar da arquibancada sem saber que é possível fazer a sua parte. Se queremos uma “segurança padrão Fifa”, não podemos ficar à margem, apenas olhando a violência crescer cada vez mais. É preciso aprender a jogar em equipe.
Ocorre que somos "moldados" para sermos munícipes e não cidadãos.
ResponderExcluirA consequência é que os munícipes que tomam o poder não são diferentes da base da sociedade.
Penso, a mudança ocorrera com educação dos munícipes para se tornarem cidadãos.
BRAZIL, PAÍS RICO...DE "MUNÍCIPES"!!!