terça-feira, fevereiro 04, 2014

O exagero da vulnerabilidade - ANTÔNIO DELFIM NETO

VALOR ECONÔMICO - 04/02

Em outubro de 2013, o Fomc, equivalente ao nosso Copom, anunciou que: "Decidiu manter o intervalo para a taxa básica de juros entre 0% e 0,25% e antecipou que essa taxa excepcionalmente baixa será mantida enquanto a taxa de desemprego estiver acima de 6,5% e a taxa de inflação projetada para os próximos dois anos não estiver acima de 0,5% da taxa de inflação de 2% (o objetivo de longo prazo do Fed)".

Com a taxa de desemprego rodando a 6,7%, a de inflação abaixo de 2% e o crescimento do PIB de 2014 estimado em 2,9%, parece claro que os estímulos monetários continuarão a ser reduzidos. Dependendo da dinâmica da expansão dos EUA, a redução pode até ser acelerada.

Qual o pensamento de Janet Yellen, a nova presidente do Fed, sobre tudo isso? Em 2002 (quando já era membro do Fomc), referindo-se às relações entre os EUA e os emergentes, ela disse que: 1) no fim do dia, um crescimento mais robusto dos EUA é bom para o mundo (o que é verossímil); 2) os diferenciais de taxas de juros têm um papel importante no direcionamento do fluxo de capitais para os países emergentes (o que é certo); 3) que o apetite dos investidores pelo risco e exposição a economias em expansão determinam, largamente, a demanda dos ativos dos emergentes (o que é exato); 4) que tal movimento valoriza as taxas de câmbio dos países emergentes (o que é verdade). O importante, na opinião de Yellen, é que essas consequências são inevitáveis, mas não são intencionais (sobre o que não há dúvida). E mais, 5) que os países emergentes têm instrumentos para enfrentá-las com adequadas políticas fiscal e monetária (o que no mínimo é problemático). Só não mencionou o controle de capitais...

É tempo, portanto, de cada país olhar para o seu problema, entendê-lo e enfrentá-lo com disposição e rapidez, porque as incertezas e os movimentos de capitais serão mais fortes quando a inflação americana der sinal de vida. Aí o Fed voltará ao seu "normal" tentando controlá-la e ancorá-la nos 2% desejados, elevando a taxa de juros. Até esse momento é provável que a taxa de juros dos papéis do Tesouro de dez anos diminua pelo rápido influxo de transferência de ativos dos emergentes, como já ficou visível no fim de janeiro (caiu 36 pontos). O "aspirador de pó", na rica imagem do presidente Tombini, só vai funcionar, de fato, quando as duas condições (nível de desemprego abaixo de 6,5% e taxa de inflação acima de 2,5%) forem simultaneamente satisfeitas.

Quando será isso? Um interessante trabalho de economistas do Federal Reserve Bank of Cleveland (Economic Commentary, 2013-19, December 4, 2013) sugere que isso poderia ocorrer no primeiro trimestre de 2015. Como o declínio do desemprego foi um pouco superior ao estimado no trabalho, ele pode ocorrer, talvez, no terceiro trimestre de 2014. Os analistas financeiros, campeões em erros e invenções de acrônimos, decidiram criar outro, o dos "vulneráveis", no qual incluem Brasil, Índia, Indonésia, Turquia e África do Sul (BIITA), talvez mais heterogêneo do que os Brics. Aparentemente, os fatos que os incluem no conjunto são a desvalorização cambial, os déficits em conta corrente e a coincidência de que nos cinco haverá eleições em 2014! O quadro abaixo mostra que cada um tem os seus próprios problemas, de forma que é, no mínimo, absurdo classificá-los num mesmo grupo.

Salta aos olhos que a vulnerabilidade externa do Brasil é muito pequena quando comparada com a dos outros países. Por outro lado, iniciamos uma importante correção de rumo na política monetária em abril de 2013, muito antes deles. Resta agora enfrentar o problema fiscal, que exige um sério entendimento entre o Executivo e o Legislativo para acomodar um superávit primário da ordem de 2% sem prejudicar os investimentos públicos, que são essenciais para estimular os investimentos privados e acelerar nosso crescimento.

Não há dúvida que a imensa desconfiança entre o governo e o setor privado existente até alguns meses foi a causa do nosso baixo crescimento no último triênio e do lamentável comportamento da Bovespa, que de 2010 a 2013, perdeu 51% em dólares! Nossa situação não é agradável mas não é dramática. O que nos atrapalha não é a situação atual, mas a perspectiva de sua deterioração, que o governo precisa alterar com medidas tempestivas e não com promessas.

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