sexta-feira, fevereiro 21, 2014

Células de suspeita - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 21/02

A pesquisa biomédica sofreu um terremoto no final de janeiro com a notícia de que biólogos do Japão tinham criado um método ultrassimplificado para obter células pluripotentes, que podem em tese originar qualquer tecido do corpo. Três semanas depois, esse campo volta a sofrer abalos --agora por suspeita de fraude.

A pesquisadora Haruko Obokata, do Instituto Riken, na cidade de Kobe, relatou o cultivo de células-tronco de tipo embrionário, a partir de células adultas de camundongos, só com um banho ácido.

Até então, para chegar a essas células promissoras para terapias de doenças degenerativas como o mal de Parkinson, era preciso recorrer a processos trabalhosos de clonagem e manipulação genética.

Por isso, diversos laboratórios queriam reproduzir a técnica, mas nenhum teve sucesso. Foi o primeiro sinal de alerta. Depois circularam entre especialistas comentários sobre problemas com imagens em outros trabalhos de Obokata. Do exame do novo estudo surgiram suspeitas de repetição de uma imagem e manipulação de outra. O Instituto Riken anunciou o início de investigações acerca do assunto.

O caso tem contornos similares ao do sul-coreano Woo-Suk Hwang. Em fevereiro de 2004 e maio de 2005, seu grupo divulgou a clonagem de embriões humanos e o cultivo de células-tronco a partir deles. Em dezembro, os trabalhos foram anulados por fraude.

A diferença está na rapidez com que Obokata se viu sob os holofotes. Hwang sofreu acusações de falta de ética na obtenção de óvulos humanos logo após sua publicação, mas as de falsificação de dados --em seguida comprovadas-- só vieram à tona quase dois anos depois do primeiro estudo.

Há semelhanças preocupantes, porém, a começar pela área de pesquisa com grande potencial e, portanto, alto nível de competição. Isso gera pressão sobre os cientistas para que sejam os primeiros a publicar --em especial, supõe-se, no caso de Obokata, jovem pesquisadora na posição incomum (no Japão) de chefe de laboratório.

Até aqui, o episódio evidencia o saudável processo de autodepuração da ciência. Se verificada a fraude, no entanto, será mais um caso a lançar suspeita sobre um campo de pesquisa que tanta esperança desperta no público.

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