domingo, janeiro 12, 2014

A mão amiga do BNDES - SÍLVIO RIBAS

CORREIO BRAZILIENSE - 12/01

Protegido pelo sigilo de contratos com clientes, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se consagrou nos últimos anos como a mão amiga do governo para socorrer e promover aliados no Brasil e no exterior. A mais polêmica das ajudas bilionárias que colocam em dúvida o interesse nacional foi dada a Cuba, com o investimento de US$ 682 milhões (R$ 1,6 bilhão), nos últimos três anos, para a ampliação do Porto de Mariel. As novas instalações serão inauguradas no fim do mês pela presidente Dilma Rousseff, em visita oficial à ilha da ditadura dos irmãos Raul e Fidel Castro.

Em 2008, durante o governo Lula, o BNDES aprovou o financiamento de 71% da obra, com três vezes mais recursos que os destinados a Suape, maior porto do Nordeste brasileiro, desde sua inauguração, em 1983. Ao fim, o terminal cubano terá capacidade 30% superior à do pernambucano. Isso tudo sem contar a necessidade urgente de melhorias no restante do sistema portuário brasileiro, sem as quais o país perde competitividade todo dia.

Dos US$ 218 milhões previstos para serem investidos nos portos brasileiros no ano passado, apenas US$ 15,5 milhões foram aplicados. Em contraponto a essa notícia, a diretoria do

BNDES tratou de anunciar, na última terça-feira, a aprovação de R$ 630,5 milhões para financiar 90% da segunda etapa de ampliação do Porto de Pecém, no Ceará.

Campeões nacionais

A prioridade dada à infraestrutura de Cuba ganhou um ingrediente ainda mais preocupante em 2012, quando o negócio bilateral foi classificado como segredo de Estado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Os detalhes permanecerão ocultos até 2027, sob o argumento de serem "informações estratégicas". Com isso, nem mesmo a Lei de Acesso à Informação, que passou a vigorar naquele ano, alcança o conteúdo do contrato. Além de Cuba, o BNDES ainda tem acordos secretos com Angola, num total de 15 países atendidos.

Dentro do país, a orientação do Planalto ao banco brasileiro de fomento é a de incentivar com créditos subsidiados empresas escolhidas. O BNDES lançou programas setoriais para estimular a produção, mas concentrou o orçamento, seguidamente reforçado por injeções do Tesouro, nos "campeões nacionais". Essa postura preocupou investidores e analistas, sobretudo após o colapso do grupo EBX, de Eike Batista. Em 30 de outubro último, o ex-bilionário jogou a toalha, quando a petroleira OGX pediu recuperação judicial. Até hoje, não se sabe quanto a instituição perdeu com as empresas X.

Outra operação nebulosa ocorreu na virada do ano, quando o BNDES fechou acordo para beneficiar novamente o Marfrig, outro campeão nacional desde a era Lula. Com dívida beirando R$ 7 bilhões e cotado a pouco mais de R$ 2 bilhões na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), o frigorífico foi contemplado com o adiamento por 18 meses do vencimento de títulos de dívida (debêntures) de R$ 2,15 bilhões.

O prazo foi esticado de junho de 2015 para janeiro de 2017. Os juros, que somam R$ 130 milhões e vencem em junho próximo, poderão ser pagos no fim de 2014. Para piorar, o banco aceitou converter as debêntures em ações, em 2017, com preço fixado em R$ 21,50, muito acima do atual valor de mercado, em torno de R$ 4. No fim de 2012, a instituição estatal teve a chance de virar dona da empresa, fazendo uma conversão, mas não exerceu o direito.

O líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), apresentou, na última segunda-feira, requerimento ao Congresso para que o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, explique o motivo da operação. O parlamentar questiona os critérios para conceder o socorro à Marfrig, em vez de ajudar outras empresas também em dificuldade financeira. "Queremos analisar os impactos da operação para o banco e seus efeitos nas contas públicas", justificou.

Em nota, o BNDES afirmou que a operação de troca de debêntures foi negociada no âmbito da venda da Seara, que pertencia ao Marfrig, para a JBS, numa iniciativa para reduzir o endividamento do grupo, e seguiu "rigorosa análise técnica e passagem por órgãos colegiados". "A troca dos títulos não constituiu nenhum favorecimento e não resultará em prejuízo para o banco", acrescentou a instituição.

Repasses do Tesouro

Os repasses do Tesouro ao BNDES começaram em 2009, com um empréstimo de R$ 100 bilhões. Até agora, já foram repassados R$ 300 bilhões, a custos elevados para os cofres públicos e de maneira muito pouco transparentes. Para conseguir os recursos, o governo lançou títulos no mercado, pagando juros elevados, e transferiu o dinheiro ao banco por taxas bem menores. O prejuízo fica com a União, que ainda vê crescer a dívida pública.

O repasse baixou para R$ 80 bilhões em 2010, caiu para R$ 55 bilhões em 2011 e alcançou R$ 45 bilhões em 2012, devendo ter recuado para R$ 35 bilhões no ano passado. Em dezembro passado, o Tesouro autorizou a emissão de títulos públicos, no valor global de R$ 24 bilhões, em favor do BNDES.

No esforço para recuperar a credibilidade das contas públicas com os investidores estrangeiros e as agências de classificação de risco, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que os recursos liberados pelo banco em 2014 deverão ficar em R$ 150 bilhões, 20% abaixo dos R$ 190 bilhões esperados para o ano passado. O expressivo volume de financiamentos em 2013 superou o recorde anterior, de 2010, quando foram desembolsados R$ 168,4 bilhões.

As críticas do mercado internacional, do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de grandes banqueiros do país e, sobretudo, a ameaça de rebaixamento da nota de crédito do país pelas agências de risco, por causa da expansão da dívida pública, assustaram o governo. Em outubro, Mantega anunciou que a meta era zerar os aportes ao BNDES nos próximos anos. Mas, para que a instituição desse conta dos valores recordes de desembolso no ano passado, foram necessários mais R$ 39 bilhões do Tesouro.

A forma agressiva como o BNDES apoia algumas empresas nacionais e os grandes projetos de longo prazo, como os de infraestrutura, também é criticada por barrar a participação, nesse segmento, de financiadores privados, que alegam ser impossível concorrer com as taxas oficiais. Esse cenário também limita o crescimento do mercado de capitais, ao inibir a disposição de empresas de emitir ações ou títulos de dívida para levantar recursos, preferindo ficar sob a sombra dos empréstimos subsidiados.

Sede turbinada

Para completar a maré de críticas à sua gestão, o BNDES informou que vai ganhar um edifício anexo, atrás da atual sede, no centro do Rio de Janeiro. O novo prédio deve ter nove andares, além de outros cinco no subsolo. Prevista para ficar pronta em 2019, a obra custará R$ 284 milhões. O banco argumenta que a construção vai suprir necessidade de espaço físico hoje coberta pelo aluguel de 18 andares em outro edifício próximo, ao custo mensal de R$ 6 milhões.

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