sábado, novembro 02, 2013

Almas pelo espaço - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 02/10

RIO DE JANEIRO - Sebastião Salgado, o grande fotógrafo, rendeu-se à fotografia digital. Teve de. Cansou-se de carregar peso em viagens --principalmente porque os cenários, pessoas e bichos que ele gosta de fotografar ficam em lugares como o Sudão, Sumatra, as ilhas Galápagos, o Círculo Ártico, a África Central e a Papua Ocidental, todos fora do circuito Elizabeth Arden. Para se deslocar de um ponto a outro, costumava carregar uma mala contendo 600 rolos de filme e pesando 28 quilos.

O pior, segundo Salgado, era o aeroporto. Certa vez, aconteceu-lhe de ter de passar pelo raio-X de sete aeroportos em um dia, e só ele sabe o estrago que o raio-X faz a um filme. Hoje, o equivalente a esses 600 rolos cabe num cartão de memória digital que pesa 800 gramas, liberando-o para arrastar as toneladas de equipamento --que, deste, ele não abre mão.

Claro que, em se tratando de Sebastião Salgado, o aproveitamento de seus cliques deve beirar os 100% --em tese, não consegue tirar uma foto ruim. Mas o que dizer das massas que vivem pelo mundo a turismo, todos portando câmeras convencionais, celulares ou iPads, e fotografando sem parar?

Será possível calcular o total de fotos tiradas diariamente por essas pessoas em seus bordejos pelas estranjas? Como não existe mais filme, ficou fácil fotografar --basta apertar um botão. Ao fazer uma revisão, apagam ali mesmo as fotos em que saíram gordas, carecas ou com queixo duplo, e só salvam as "boas".

O que me intriga é: para onde vão as fotos que as pessoas apagam? Elas "morrem", eu sei, mas não podem apenas sumir. Têm de ir para algum lugar, talvez uma galáxia ou dimensão desconhecida. E, se for verdade o que diziam os antigos, que as fotos roubam a alma das pessoas, penso nesses trilhões de alminhas zanzando em HD pelo espaço, e não sei se rio ou me compadeço.

O grande irmão do século 21 - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 02/11

É possível descobrir quem é o parceiro romântico de uma pessoa analisando a rede de relações dela no Facebook? A resposta é sim, e tem mais: é possível prever se esse relacionamento amoroso tem chances de durar.

Jon Kleinberg é um matemático conhecido. Foi ele que desenvolveu parte da teoria usada pelo Google para selecionar quais as páginas que aparecem quando buscamos alguma informação. Também foi ele que demonstrou que quaisquer duas pessoas no planeta estão conectadas por meio de uma cadeia de seis pessoas que se conhecem. Agora, em colaboração com Lars Backstrom, ele está pesquisando o que pode ser descoberto sobre uma pessoa analisando unicamente sua rede de "amigos" no Facebook.

Algumas pessoas possuem dez amigos, outras milhares. Acontece que muitos dos amigos dos nossos amigos são também nossos amigos. Imagine que André seja a pessoa que estamos estudando. Ele é amigo de Sofia, que é amiga da Lili, mas Lili também pode ser amiga de André. Nesse exemplo, Lili está ligada a André diretamente e também indiretamente, via Sofia. O conjunto dessas relações entre André e seus amigos constitui a rede de relações de André no Facebook.

Você pode usar o Facebook para desenhar um esquema da sua rede de relações. Comece desenhando um círculo no centro de uma folha de papel (você) e depois desenhe um círculo para cada um de seus amigos e ligue cada um de seus amigos a você com uma linha. No passo seguinte, você tem de entrar na página de cada um de seus amigos e verificar quais deles são também amigos dessa pessoa, e ligar cada novo par por uma linha no desenho. Depois que tiver feito isso para todos os seus amigos, você terá uma figura de sua rede de relacionamentos. É um trabalhão, mas a rede de relacionamentos de cada uma das pessoas que usam o Facebook está nos computadores da empresa.

Os dois matemáticos selecionaram ao acaso 1,3 milhão de usuários do Facebook entre os que possuíam as seguintes características: tinham de ter entre 50 e 2.000 amigos e declarado quem, entre os seus amigos, era seu parceiro amoroso. Esse grupo de dados cobria 391 milhões de pessoas (nós da rede) e 8,6 bilhões de relações de amizade entre duas pessoas (links da rede). Na média, cada pessoa analisada possuía 291 amigos e 6.652 relações (as dela com seus amigos e as entre os seus amigos). O que foi analisado foi somente a estrutura das relações de cada pessoa, os nomes e qualquer outro dado pessoal, como o número de "posts".

A pergunta que os cientistas queriam responder era a seguinte: Será que analisando somente a rede de amizade de uma pessoa é possível prever quem é a pessoa com que ele (ou ela) tem uma relação amorosa?

A estratégia foi desenvolver possíveis métodos de predição, aplicar cada método de predição a cada um dos usuários (1,3 milhão) e finalmente comparar a predição com a realidade (a pessoa identificada pelo usuário como seu parceiro amoroso).

O primeiro método usado foi o de medir quão embebido na rede estava cada amigo e imaginar que a pessoa mais embebida seria o parceiro amoroso. O grau de "embebimento" entre duas pessoas é dado pelo número de amigos que eles compartilham na rede. Assim, se o centro da rede fosse o André, eles calcularam, para cada amigo do André, quantos amigos em comum com o André ele possuía. E imaginaram que a pessoa com mais amigos em comum era o (a) parceiro (a) romântico do André. Esse método acerta o parceiro correto em 24,7% dos casos. Parece pouco, mas, dado que cada pessoa tem em média 291 amigos, a chance de acertar ao acaso é de 0,3%.

Insatisfeitos, eles bolaram um segundo método, chamado de índice de dispersão. Os cientistas observaram que os amigos de uma pessoa na rede estão segregados em grupos. Por exemplo, meus amigos de universidade estão todos relacionados comigo e entre eles, formando um aglomerado. Outro aglomerado distinto são as pessoas com quem me relaciono no trabalho. Com o passar do tempo, à medida que construo pontes entre meus amigos de escola e do trabalho, esses dois aglomerados aumentam sua ligação.

O que os cientistas imaginaram é que o parceiro amoroso de uma pessoa também teria alguns grupos aglomerados em sua volta, mas que as poucas pontes entre os grupos de um parceiro amoroso e os grupos do outro parceiro seriam as duas pessoas ligadas por um vínculo amoroso.

Com base nisso, eles criaram o conceito de dispersão, que mede essa propriedade (dispersão alta entre um par de pessoas significa que cada uma delas está ligada a grupos distintos, mas esses grupos estão pouco ligados entre si). Vejam esse exemplo: André namora Lygia. Lygia tem em seus relacionamentos suas amigas de faculdade e de infância. André tem seus amigos de faculdade e de infância. A dispersão é alta se os amigos de escola e infância de André e os amigos de infância e de escola de Lygia não possuem muitas ligações entre si.

Usando essa medida de dispersão para prever quem eram os parceiros amorosos de cada pessoa na amostra, o resultado melhora muito. Em 60% dos casos, é possível prever quem é o parceiro amoroso da pessoa investigada. Esse critério também ajuda a prever o sucesso futuro de um relacionamento, o que foi demonstrado analisando as modificações na rede de relacionamentos de uma pessoa ao longo do tempo. Se o grau de dispersão entre um casal não diminui ao longo do tempo, o relacionamento corre perigo.

Esses resultados mostram que, analisando unicamente a estrutura dos relacionamentos de uma pessoa no Facebook, sem olhar o conteúdo dos "posts", é possível prever com alto grau de certeza aspectos da vida íntima dessa pessoa.

George Orwell, no livro 1984, imaginou que o Estado poderia se transformar em um "grande irmão", um ente que conheceria e controlaria todos nossos atos. O que está acontecendo é um fenômeno semelhante. Os dados que oferecemos voluntariamente na internet parecem ser suficientes para que os computadores de diversas empresas se tornem "grandes irmãos", capazes de descobrir quem somos e influenciando nossas opiniões e hábitos de compra. O problema fica mais sério quando o Estado também passa a ter acesso a esses dados.

Para todos os gostos - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 02/11

Teve também Gisele Bündchen, cujo desfile parece ter compensado os maus momentos da cidade. Dois anos sem pisar as passarelas, a sua aparição foi um acontecimento



Madrugada de uma prosaica terça-feira, e a Rua Augusta está engarrafada, não sei quantos quilômetros, mas parada (em SP a extensão das filas de carros parados é medida assim). Não são pessoas que estão indo cedo para o trabalho, e sim que ainda não foram para casa. O mesmo se pode dizer de restaurantes e bares. Para comer uns pasteis e uns bolinhos de bacalhau em um boteco, foi preciso guardar lugar desde cedo: alguns amigos se sentavam, eram rendidos por outros, até que chegássemos lá pela meia-noite. Há uma semana estou no júri de documentários da 37ª Mostra Internacional de Cinema e já posso revelar que o grande prêmio dos jurados e do púbico, uma coincidência rara, foi para o extraordinário filme sul-africano “Plano para a paz”, sobre a conspiração do bem que acabou conseguindo a libertação do líder Nelson Mandela e o fim do apartheid. O personagem central da trama é um enigmático comerciante francês que estava mais interessado em fazer negócio do que política. E mais não conto porque espero que vocês possam ver o filme.

A menção honrosa foi para “Eu vou ser assassinado”, uma impressionante, inacreditável história real político-policial passada na Guatemala, onde a violência urbana rivaliza com a de umas certas cidades que a gente conhece (98% dos 5.800 homicídios cometidos por ano não são elucidados). O filme começa mostrando um vídeo em que um rico e famoso advogado denuncia que será morto, e que o responsável é o presidente Álvaro Colom.

O crime de fato ocorreu em 2009 e o vídeo foi parar no YouTube, quase derrubando Colom. A partir daí, o ritmo e a trama são de um thriller policial. O desfecho é tão inverossímil que parece o de uma obra de ficção.

Enquanto outros eventos artísticos se sucedem, mantendo a cidade em permanente ebulição cultural graças às incessantes ofertas de peças, exposições, shows, filmes, desfiles de moda, a política também ferve. Depois dos últimos protestos violentos, com quebra-quebra, incêndios de ônibus, saques e roubos, o paulistano viu explodir como uma bomba moral o escândalo da gestão Gilberto Kassab, antecessor de Fernando Haddad, ambos aliados de Dilma. Quatro auditores fiscais da prefeitura foram presos acusados de cobrar propinas para liberar grandes empreendimentos imobiliários. Três dos presos ocuparam cargos de confiança na gestão do fundador do PSD. A fraude, segundo cálculos do Ministério Público, desviou nada menos que R$ 500 milhões de impostos não recolhidos. Eu já estava saindo quando surgiu novo capítulo: um dos servidores presos aceitou fazer delação premiada e confirmou todo o esquema criminoso.

Ah, sim, faltou dizer que teve também Gisele Bündchen, cujo desfile parece ter compensado os maus momentos da cidade. Dois anos sem pisar as passarelas, a sua aparição foi um acontecimento. Foram precisos 30 guardas para proteger um corpinho que vale tanto quanto, segundo me dizem, os milhões roubados pela turma do Kassab. São Paulo tem espetáculo para todos os gostos.

Problemas na ciência - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 02/11

SÃO PAULO - Ninguém em sã consciência duvida que a ciência funcione. As provas, ainda que indiretas, estão por todos os lados, dos fornos de micro-ondas aos antibióticos. Se nossas teorias físicas e bioquímicas estivessem muito erradas, não teríamos chegado a esses produtos.

Dessa constatação não decorre, é claro, que as atuais práticas dos cientistas sejam as mais adequadas.

Numa excelente reportagem publicada na semana passada, a revista "The Economist" faz um apanhado das coisas que não estão dando certo na ciência. Destaca desde a vulnerabilidade dos "journals" a artigos ruins ou errados até a baixa replicabilidade dos principais estudos. É preocupante. Um ponto central da ciência é o de que um experimento qualquer, se repetido em idênticas condições, produzirá os mesmos resultados. É isso que garante sua objetividade e a distingue da bruxaria. E a replicabilidade é baixa mesmo no caso de trabalhos de alto impacto.

E há outros problemas. Para citar apenas um, experimentos que dão resultados negativos, em que pese serem epistemologicamente muito mais interessantes que os positivos, quase nunca são publicados.

A "Economist" atribui parte do problema à cultura de "publish or perish" (publique ou morra). Num contexto em que cada vez mais pessoas tentam a sorte na ciência, disputando verbas escassas e posições nas universidades, não chega a ser uma surpresa que muito mais peças duvidosas cheguem à ponta final. É uma situação que estimula sensacionalismo, carreirismo e até fraudes. O antídoto para isso seria justamente a reprodutibilidade, que ajudaria a separar o lixo daquilo que presta. O problema é que poucos se interessam em refazer pesquisas alheias, já que isso não soma pontos na carreira.

Seria exagero afirmar que a ciência está em crise, mas já passa da hora de as pessoas e instituições envolvidas tentarem aprimorar o sistema, tornando-o mais racional e eficiente.

O homem deprimido - SÉRGIO AUGUSTO

O Estado de S.Paulo - 02/11

Albert Camus, cujo centenário se comemora na próxima quinta-feira, é um fantasma em nossas vidas. Com frequência, o encontramos citado ou evocado, às vezes em obras e circunstâncias inesperadas. Não consigo ver Os Pássaros, de Hitchcock, sem me lembrar de A Peste. Na cena em que Suzanne Pleshette depara-se com uma gaivota morta na porta de sua casa, Bodega Bay transfigura-se em Oran, com pássaros no lugar dos ratos. A sequência de Deus e o Diabo na Terra do Sol em Monte Santo, com o vaqueiro Manuel carregando uma pedra na cabeça, sempre me lembrou a passagem do cozinheiro que paga similar promessa em A Pedra que Cresce, a derradeira narrativa de O Exílio e o Reino, por sinal inspirada num ritual místico presenciado por Camus em Iguape, no interior de São Paulo, na companhia de Oswald de Andrade e um motorista que era a cara de Augusto Comte.

Franceses vez por outra especulam sobre o que Camus estaria pensando a respeito de alguma controvérsia do momento. Poderíamos fazer o mesmo com relação aos black blocs, por exemplo. Desconfio que Camus reprovaria a violência dos black blocs, e Sartre talvez a aprovasse, como fez com a agitação dos maoistas em Paris.

Uns dez dias depois de ver um romeiro carregando uma pedra na cabeça em louvor ao Senhor Bom Jesus de Iguape, Camus pegou as sobras de uma manifestação de estudantes e populares contra o aumento das passagens de ônibus, em Santiago do Chile, violentamente reprimida pela polícia. Comparou-a, em seu diário de viagem, a um terremoto. Sua sumária descrição do quebra-quebra, com ônibus virados e incendiados, me lembrou vocês sabem o quê:

"Quando saio de lá, as lojas baixaram suas portas, e a tropa armada e de capacete ocupa literalmente a cidade. Às vezes, atira a esmo. É o estado de sítio. Ouço disparos isolados na noite".

Não ficou mais de cinco dias no Chile, a seu ver, "um país admirável". Tirante a Argentina, onde passou voando por conflitos com a ditadura peronista, que recém proibira a encenação de uma peça de sua autoria e exigiu ler antes o texto de sua única palestra programada para Buenos Aires (Camus disse não e seguiu viagem), sentiu-se bem melhor nos países de língua espanhola, com a qual tinha alguma intimidade. Adorou Santiago e, com mais intensidade, Montevidéu, "cidade encantadora", cuja descontração lhe deu a impressão de que ali, ao contrário das outras cidades visitadas, conseguiria morar.

Pela vontade de Victoria Ocampo, que o convidara a visitar a Argentina em 1946, quando se encontraram em Nova York, Buenos Aires teria sido o ponto alto da viagem de Camus à América do Sul. Mas, entre o convite e o tour cultural patrocinado pelo governo francês três anos depois, Perón assumiu a Casa Rosada e o "ateísmo existencialista" do escritor passou a ser visto com desconfiança pelos mandarins da cultura argentina. Em Buenos Aires, que achou "de uma feiura rara", Camus só encontrou paz e prazer no casarão de Ocampo. Lá conheceu alguns admiradores e outros nem tanto, como o comunista Rafael Alberti. Não há menção, no diário, ao camusiano Ernesto Sábato, cujo romance de estreia, O Túnel, Camus recomendara para o catálogo de traduções da Gallimard, um ano antes.

O Brasil foi seu ponto de chegada e partida. Está tudo contado no Diário de Viagem, editado postumamente na França, em 1978, e aqui publicado pela Record. A bordo de um navio francês, desembarcou no Rio em 15 de julho de 1949. Entre nós tinha mais fama de "filósofo existencialista" que de dramaturgo ou romancista. Salvo engano, nem O Estrangeiro nem A Peste ainda haviam sido traduzidos para o português.

Sua primeira impressão da cidade, ao adentrar a baía de Guanabara, foi bem mais lisonjeira que a de seu patrício Claude Lévi-Strauss na década anterior. Implicou de cara com o "imenso e lamentável Cristo iluminado", admirou o desenho das montanhas, mas acabaria simpatizando mais com a baía de Todos os Santos, sem a espetaculosidade da de Guanabara. Viajou embodiado; por duas vezes, em alto mar, pensou em suicídio, que, como se sabe, considerava "a única questão filosófica séria"; e nesse estado continuou até embarcar de volta a Marselha, 47 dias depois.

O Correio da Manhã cobriu a chegada e o séjour carioca de Camus melhor que os concorrentes. À primeira das três conferências do escritor, dedicou um editorial de primeira página, não assinado, com elogios ao brilho de sua mente e reservas a algumas de suas "ideias difusas" e "frases confusas". Ainda no cais, o futuro autor de O Homem Revoltado fizera questão de esclarecer aos jornalistas presentes que não era existencialista, tinha uma formação mais grega do que nórdica e se considerava mais discípulo de Platão que de Hegel.

Muito solicitado e paparicado, a agenda lotada de compromissos culturais, mundanos e folclóricos (levaram-no até a uma sessão de macumba no subúrbio carioca de Caxias, a um bumba meu boi no Recife, a um candomblé em Salvador), andou de lancha, bonde, lotação e trem da Central, sucumbindo ao enfado e ao cansaço, agravados por uma gripe que virou bronquite e já era uma recidiva da tuberculose. Tudo isso contribuiu para a imagem de uma pessoa triste, deprimida e mal-humorada que nestas bandas deixou.

Assim também o guardou na memória Otto Lara Resende, que em duas oportunidades trocou ideias com ele, uma delas na companhia de Murilo Mendes. Este e Manuel Bandeira, ambos também tuberculosos, foram dos poucos intelectuais brasileiros por quem o visitante demonstrou simpatia e admiração. Outras exceções: Aníbal Machado e Oswald de Andrade, seu bufônico anfitrião paulistano. Se não estivesse passando uma temporada em Paris, Paulo Mendes Campos também teria caído nas graças de Camus, de quem sempre me pareceu um sósia espiritual.

Para Augusto Frederico Schmidt, Camus reservou sua munição mais pesada. Descreveu o poeta como um paquiderme, de olhos empapuçados e boca caída, assaz grosseiro à mesa. Jantar ao seu lado, revelou-se "uma provação", talvez a mais constrangedora de toda a viagem, que, a certa altura, transtornado por outras provações, comparou a um "calvário". O Brasil o inspirou, mas não lhe fez bem.

A beleza é uma convenção - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 02/11

‘Vesgo, beiçudo (...) além de ser gago e totalmente incapaz de expressar-se.’ O gênio tão amado não podia ser mais feio



O mais popular artista plástico inglês chama-se apenas Banksy, um grafiteiro. Nos últimos dias, os jornais de lá não pararam de falar sobre sua primeira passagem por Nova York, rendendo até editorial do “New York Times”, o principal jornal do país. No Brasil, que eu saiba, só Elio Gaspari escreveu sobre ele.

Banksy não é um grafiteiro como Basquiat ou Blek le Rat, em busca de novas formas visuais que os museus ainda recusam como arte. Ele nem tem o talento transgressor desses dois e de outros como os paulistas Osgemeos. Muito menos o visionarismo de Andy Warhol, que inventou uma cultura com suas Marylins, sopas e bananas.

O artista inglês grafita com spray, sem muitas cores, utilizando técnica de gravura oriental. Seus temas dependem de onde grafita. Exemplo típico é o grafite de um homem triste, mão no bolso, a outra com um buquê cujas flores despencam, a esperar em vão, encostado à real porta fechada de uma casa noturna de Manhattan. Sua última façanha foi comprar um quadro convencional de paisagem e pintar sobre ele um oficial nazista a contemplá-la, denominando a obra “A banalidade da banalidade do mal”. Rendeu uma fortuna num leilão beneficente.

Num domingo de outubro, Banksy expôs seus quadros numa banca do Central Park, em Nova York, sem anunciar quem era e do que se tratava. Em qualquer galeria, cada quadro daqueles valeria uns 50 mil dólares, mas ele vendia por apenas 60 dólares a peça. Só três passantes compraram os quadros expostos, sem se dar conta do real valor do que estavam comprando.

Não acho que isso seja prova de ignorância dos novaiorquinos, nem da desimportância da obra de Banksy. Quando Manet, pai do impressionismo, exibiu seu famoso “Olimpia” no Salão de Artes de Paris, só faltou ser apedrejado pela imprensa, pelos estudantes de belas artes e pelas senhoras de família que cobriram com lençóis o nu de seu personagem. O mesmo aconteceu com Pablo Picasso, mestre do cubismo e das vanguardas do século 20. Em 1937, sua “Mulher que chora” chegou a ser chamada de “a coisa mais horrorosa já pintada no mundo”.

A beleza não é um padrão uniforme estabelecido na eternidade. Mesmo na tradição grega, que nós adotamos na cultura ocidental, não era sempre assim. Segundo Umberto Eco, “temos uma imagem estereotipada do mundo grego, nascida das idealizações criadas no período neoclássico (...) o neoclassicismo idealizou os antigos, esquecendo que eles nos legaram também imagens de seres que eram a própria encarnação da desproporção, a negação de qualquer cânone”.

Esopo, por exemplo, o grande fabulista moral da antiguidade, cujo prestígio atravessou os séculos, sempre foi pintado, de artistas anônimos a Velázquez, como está descrito em texto do primeiro século: “Repelente, nojento, barrigudo, com a cabeça pontiaguda, atarracado, corcunda, braços curtos, vesgo, beiçudo (...) além de ser gago e totalmente incapaz de expressar-se.” O gênio tão amado não podia ser mais feio.

O herói é sempre aquele que ama. Ou só é belo quando ama. Quando, em 1933, no filme de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, King Kong se apaixona por Fay Wray até se deixar fuzilar no alto do Empire State, os monstros ficaram livres para amar. A beleza é uma convenção, muitas vezes ditada pelas necessidades do tempo e do lugar. Para os moradores do planeta Júpiter, o gás escuro e pesado que envolve sua atmosfera deve ser, de tão belo e indispensável à sua vida, uma prova de que Deus existe.

Há pouco, na novela das 9, o enfermeiro Daniel se encantou pela enfermeira Perséfone, moça adorável, porém, mais gorda do que o suportável pelos amigos do noivo. Como a beleza é uma convenção, nada impede que amanhã as mulheres gordas como Perséfone voltem a parecer belas, como queriam o barroco clássico, o teatro do século 19 e o Botero contemporâneo. A beleza é o resultado de um acordo social ou de uma intensa propaganda de quem se interessar por ela. O poder e o dinheiro ajudam a promover o gosto que ainda não é o nosso.

Portanto, minha senhora, se o espelho indelicado acusá-la de gordinha, denunciando-lhe umas gordurazinhas a mais, empenhe-se em dieta e ginástica, ou espere paciente pela próxima onda da moda. Quem sabe, descobriremos então que o enfermeiro Daniel era um homem à frente de seu tempo, um homem de vanguarda.

Fico assombrado com a euforia com que se anuncia e se comenta a derrocada de Eike Batista. Claro, se seus negócios não deram certo, ele tem mesmo que pedir a tal recuperação judicial e ressarcir a quem deve, sobretudo aos cofres públicos. Não sou muito fã do capitalismo brasileiro, acho que podíamos construir uma democracia mais socialmente justa no Brasil. Mas, se o regime do país é o capitalismo, um capitalista de respeito tem mais é que tentar ganhar dinheiro.

Porém, Eike não ficou só no sonho infantil de ser o mais rico do mundo. Com sua fortuna, colaborou com a sociedade criando o generoso complexo de Porto do Açu, despoluindo a Lagoa Rodrigo de Freitas, financiando as UPPs, patrocinando desportistas, dando recursos para filmes como “5XFavela, agora por nós mesmos” (concebido, escrito e realizado por jovens cineastas moradores de favelas cariocas, que não foi beneficiado por nenhum edital de empresa estatal e não seria feito se não fosse o empresário). Quantos milionários brasileiros se comportam assim?

Homem-drone, o exterminador - MARCELO RUBENS PAIVA

O Estado de S.Paulo - 02/11

Existem drones e drones. Alguns têm poder de fogo. Outros apenas xeretam. Tem minúsculos inspirados em libélulas, ideais para situações com refém. E tem os bombardeiros-robô operados por geeks, com nomes sugestivos: Shadow (sombra), com 14 m de envergadura, Predador, com 17 m, e Reaper (anjo da morte, ceifeiro), com 20 m.

Atrás de cada drone, existe o homem-drone, profissional com envolvimento idealizado, não físico, com o conflito a milhares de quilômetros de distância, diante de uma tela e um teclado, como passamos a maior parte do dia. Não usa capacete. Não sente cheiro de Napalm às manhãs, como Capitão Willard (Apocalypse Now).

Atrás de cada comentário da internet, também há alguém xeretando a vida alheia e sobrevoando a exposição digital em redes sociais de conhecidos ou não. Como comandante de um avião-robô, ele ou ela se senta diante da tela, faz da sua mesa uma Situation Room e sobrevoa, Page Up, Page Down, por comentários e imagens postadas.

Na maioria das vezes, ignora o que vê. Eventualmente, faz um rasante, observa melhor, vê algo suspeito e, vum, manda um míssil com um comentário bombástico, detona uma discussão, esforço de guerra também conhecido como trolagem.

Precisa ter a sua opinião formada sobre tudo publicada. Precisa que saibam que concorda ou discorda. Faz questão de postar: "Discordo!" E, se discorda muito, se sente bem quando informa: "Unfollow". Como se quem deixa de ser seguido por alguém que nem conhece ficasse magoado e revesse suas posições. Não faça isso, "follow me" de novo, juro que procurarei me aprimorar, não posso ficar sem você "following" meus posts, sem você sou um nada, um ninguém, um mero perfil, um avatar solitário.

Na semana passada, encontrei dois sujeitos que se declararam meus seguidores. Confessaram, irônicos, como se vangloriassem, que entraram em polêmica comigo. O primeiro pelo meu blog, o segundo pelo Twitter.

Meus "followers" pediram fotos abraçados comigo. O primeiro postou e me marcou no Face no dia seguinte com a legenda: "Eu e o cara!" O cara sublinhado.

Ambos me intrigam. Por que me agrediram digitalmente, se são meus "admiradores"? "Foi uma discussão boba", disse o primeiro. "Não fui grosso com você, só trolei", explicou o segundo. Só? Por quê? Muitos dos caras que me detonam na rede são meus fãs?

Pensam, como na Doutrina Obama, que seus drones são armas não letais. Não querem passar em branco na vida digital do ídolo. Querem um pouco de atenção. Estão em dia com o mal humor cibernético que se espalha como uma epidemia e contamina até a imprensa. Ou a culpa é minha? Quem mandou se expor?

*

A ficção científica não é um exercício de previsibilidade. Procura imaginar um futuro estrangulado por conflitos aparentemente sem solução do presente. Busca nos nossos tataranetos, em tese mais avançados tecnologicamente, as soluções para as encrencas em que nos metemos.

Obras de ficção científica acertam e erram nas previsões. 2001 - Uma Odisseia no Espaço acertou quando mostrou que seríamos vigiados por computadores com câmeras. Mas o filme de Stanley Kubrick, baseado na obra de Arthur Clarke, previu que estaríamos dando um rolê pelo sistema solar em 2001, e que uma estação espacial seria a escala de um voo corriqueiro da Pan Am para a Lua.

Clarke era especialista. É dele conceito de satélite geoestacionário que propôs num artigo científico em 1945 para a Wireless World. Órbita geoestacionária passou a ser conhecida como órbita Clarke em sua homenagem.

Pan Am faliu, a Lua não é visitada há mais de quatro décadas, e a duras penas conseguimos manter uma equipe na órbita Clarke.

2001 - Uma Odisseia no Espaço não se preocupa com o futuro, mas com questões metafísicas que perturbam o homem tecnológico, que cruza a fronteira espacial, leva consigo o computador mais avançado e dúvidas jamais solucionadas sobre o elo perdido, a função da razão, a existência de Deus e a mortalidade.

Blade Runner, de outro especialista, Philip Dick, filmado por Ridley Scott, situa o homem numa sociedade globalizada, caótica, dominada pela estética do urbanismo descontrolado e sob as leis da biodinâmica e robótica.

Se passa em novembro de 2019 em Los Angeles. Cuja poluição melhorou em 2013, a polícia não monitora o cidadão em carros voadores (Spinner), não temos replicantes Nexus-6, da Tyrrel Coporation com vida útil de quatro anos trabalhando no espaço, nem gueixas robóticas ocidentalizadas em crise existencial, como Rachael (Sean Young). Mas todo mundo carrega uma câmera fotográfica que, além de telefone, aproxima digitalmente objetos fotografados.

Já James Cameron retratou uma sociedade dominada por máquinas voadoras do Skynet, computador espião da rede de defesa americana, que saíram do controle. A série Exterminador do Futuro lembra o que rola hoje no Oriente Médio. Não recebemos visita de androide vindo de 2029, modelo 101 - 800 da série Terminator com a cara de Arnold Schwarzenegger, ex-governador da Califórnia. Mas uma sociedade atacada por drones inteligentes que mudam a rotina de todos é a realidade entre as ruínas do Iêmen, Somália, Afeganistão e Paquistão.

Existem drones em 87 países. Até o Hezbollah os opera. Por enquanto, só os EUA e Israel realizaram ataques com eles.

A Human Rights Watch analisou seis ações de drones americanos contra alvos iemenitas. Mataram mais civis do que militantes. Um deles fez 57 vítimas. Chegaram matar um clérigo que pregava contra a Al-Qaeda. A Anistia Internacional também divulgou que uma ofensiva de drones no Paquistão matou 18 trabalhadores, inclusive uma avó de 68 anos que colhia verduras para a neta.

Pessoas comuns como em Exterminador do Futuro não conseguem mais dormir por causa do barulho incessante das máquinas voadoras. E o homem-drone fica impune, pois não se chega a um consenso se leis de guerra se aplicam em casos que uma máquina mata.

Estava na hora do 101 - 800 da série Terminator, que prometeu "I'll be back", reaparecer, botar ordem na casa e dar uma enquadrada na anarquia dos drones. Reais e virtuais.

Ueba! Sarney é um finado vivo! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 02/11

Eu tenho inveja da barriguinha da Gisele! Que não precisa encolher na hora de transar


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta: "Mulher dá tapa na cara de prefeito de Dumont". Como é o nome dela? Janet OLOKO Dutra! Se a moda pega, o Haddad que se cuide! OLOKO!

Outra piada pronta: "Artistas da Globo convocaram protestos no Rio pela libertação de manifestantes presos, mas não compareceram". Rarará. É o famoso: vai indo que eu não vou! "Hoje! Wagner Moura convoca para o Grito da Liberdade! Vai indo que eu não vou". Rarará!

E adorei a charge do Frank com dois deputados: "Quem é esse infame que está escrevendo minha biografia não autorizada?". "A Polícia Federal!". Rarará!

E atenção! Hoje é Finados! Finados é o Senado. Aqueles que já morreram e se esqueceram de cair. E diz que o Sarney é um finado vivo! Rarará!

E o problema não é ser velho, o problema é ser antigo! E a lápide do hipocondríaco: "Eu não falei que tava doente?". Rarará! E a lápide do Galvão: "Enfim, mudo!". Rarará!

E essa: "Viúvo esculpe réplica da vagina da esposa em lápide". Ainda bem que ele lembrava como era. Cada um chora por onde tem saudade! Rarará!

E a Gisele no Faxion Bixa? Deslumbrante! O relógio dela anda pra trás?! Ou então jogaram gás paralisante nela. E um amigo me disse que a Gisele tem o corpo tipo recomendação médica: carne magra!

E eu não tenho inveja nem da grana nem da fama da Gisele, eu tenho inveja da barriguinha da Gisele! Que não precisa encolher na hora de transar! Na primeira vez, você ainda encolhe a barriga. Na segunda, vai com barriga e tudo!

E eu tenho uma amiga que tá tanto tempo sem transar que o apelido dela é mega sena acumulada. E quando foi transar não lembrava mais: "Essa perna ia aonde mesmo? E esse braço eu passo aonde mesmo?" Rarará!

E eu sigo a Gisele no Instagram e ela é linda, o marido é lindo, os filhos são lindos e os cachorros são lindos! Família Gloriana! E a Gisele tem peito. Ao contrário das outras modelos. Que tão parecendo larva da dengue! Minhocas albinas! Rarará!

E diz que uma bibinha perguntou pra outra bibinha: "Seu pai morreu de quê?". "Febre amarela". "Ai, que cor horrorosa". Rarará.

E eu tenho a foto de três véinhas viúvas com uma garrafa no colo: "Tricô o caraca! Nós vamos encher a cara!". Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Recuo insuficiente - DANIEL SARMENTO

O GLOBO - 02/11

São frequentes as decisões que impõem algum tipo de censura judicial, ou penalizam pessoas que transmitem ideias ou informações que incomodam os poderosos



A novidade no debate sobre as biografias não autorizadas foi o recuo do grupo de artistas que compõe o movimento Procure Saber. Até então, o grupo defendia a necessidade de prévia autorização do biografado ou de seus descendentes, prevista no Código Civil. Porém, em vídeo recentemente divulgado, artistas do grupo disseram que não consideram mais indispensável a obtenção desta autorização, mas que, por outro lado, tampouco abrem mão da proteção da sua privacidade. Eles declararam confiar no Poder Judiciário para que se alcance um “ponto de equilíbrio” entre os direitos em conflito.

A mensagem do vídeo é dúbia, mas tudo leva a crer que a nova posição do Procure Saber coincide com a de alguns juristas, que sustentam que deve caber ao Poder Judiciário avaliar, em cada caso concreto, a possibilidade da publicação das obras biográficas não autorizadas, ponderando as liberdades de expressão e informação com os direitos da personalidade da pessoa retratada. A solução, conquanto aparentemente sedutora, é insatisfatória.

Infelizmente, o Poder Judiciário brasileiro, com a notável exceção do STF, não tem um histórico de respeito à liberdade de expressão. São frequentes as decisões que impõem algum tipo de censura judicial, ou penalizam pessoas que transmitem ideias ou informações que incomodam os poderosos. Neste ponto, a cultura dominante no Poder Judiciário ainda não se deixou penetrar suficientemente pelos valores da Constituição de 88.

Em tal contexto, se a liberação de biografias depender de julgamentos casuísticos dos juízes, baseados em critérios fluidos como o da “seriedade” ou caráter “fofoqueiro” da obra, o desestímulo à elaboração e publicação de trabalhos do gênero persistirá. Afinal, poucos escritores vão querer dedicar o seu tempo e energia à empreitada diante de tamanho risco de censura judicial; poucas editoras terão a ousadia de publicar obras que poderão, logo depois, ser recolhidas das prateleiras. A maioria certamente vai preferir buscar a autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros, para evitar problemas futuros. Com isso, persistirá o predomínio das biografias de “chapa-branca”, em que os episódios mais negativos ou constrangedores das vidas das pessoas retratadas são eliminados ou apresentados de forma “generosa”. Mais do que os artistas e veículos de comunicação, continuará perdendo a sociedade, privada do acesso à informação e à cultura, e impedida de desfrutar a plenitude de um gênero artístico precioso.

O “ponto de equilíbrio” nesta questão é outro e pode ser extraído claramente da Constituição. A publicação das biografias tem de ser assegurada, independentemente de autorização de quem quer que seja. Porém, nos casos de exercício abusivo da liberdade de expressão, há responsabilidade civil pelos danos causados aos direitos de personalidade da vítima. Em nosso sistema constitucional, restrições judiciais à publicação ou veiculação de obras biográficas sobre pessoas públicas só se justificam em hipóteses absolutamente excepcionais, como quando as informações sobre os fatos narrados sejam obtidas de forma ilícita. É o que ocorreria se a autor se valesse, por exemplo, de gravações telefônicas clandestinas ou de correspondência privada furtada.

Em breve, o STF deve apreciar esta questão, pois os preceitos do Código Civil que criam embaraços à publicação de biografias foram impugnados na corte. Espera-se que, mais uma vez, o tribunal cumpra a sua missão de guardião da Constituição e das liberdades democráticas, banindo de vez a censura privada ou judicial das obras biográficas.

A celebridade - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 02/11

O ministro Joaquim Barbosa, do STF, veio ao Rio, ontem, dar entrevista ao projeto “História Oral do Supremo”, da FGV.
De surpresa, entrou numa aula de Direito Tributário e conversou com alunos. Um deles perguntou o que um advogado do futuro precisa. E ele:
— Ler muito, mas não só livros jurídicos. Uma boa formação cultural é fundamental.
Foi aplaudido.

O Rei e a jabuticaba
Segundo Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, a nova posição de Roberto Carlos nesta polêmica das biografias não muda nada:
— É uma nova jabuticaba, fruta que só existe no Brasil. Mas, na prática, biografados poderão continuar a obter liminares para censurar os livros.

A quem interessar possa
A Receita Federal começa dia 25 agora a leiloar a frota de 21 jatinhos irregulares apreendidos em 2012.
Para início de conversa, serão leiloados um Challenger 300 da Bombardier, ano 2009, cujo lance mínimo é de R$ 28 milhões, e um modelo Falcon 900 Dassault, ano 1987, com lance mínimo de R$ 11 milhões.

Bilac vê estrelas
Nei Lopes entregou as letras das 18 canções do musical “Bilac vê estrelas”, baseado num livro de Ruy Castro, que será encenado no começo de 2015.
Já estão nas mãos de Marcos Valle, encarregado de musicar os versos de Nei Lopes.

Perdeu, playboy
Nos últimos dias, a imprensa estrangeira não especializada em economia trata Eike Sempre Ele Batista de “brazilian playboy”.

Pai da bomba atômica
O ataque de Roberto Amaral à nova aliada Marina Silva mostra como deve ser difícil a convivência dos dois ex-ministros de Lula no PSB. Marina é, por exemplo, contra a energia nuclear.
Já Amaral, quando foi ministro de Ciência e Tecnologia, defendeu a bomba atômica, embora depois tenha explicado que apoiava apenas que o Brasil dominasse o conhecimento nesta área e não a fabricação do artefato.

Sai do chão
Thiaguinho vai estrear como apresentador da TV Globo. O cantor é o primeiro a gravar, na segunda-feira, o “Sai do chão”, programa dominical com jovens talentos da música com estreia prevista para janeiro.
Outros artistas conduzirão o programa do núcleo de Luiz Gleiser, um a cada semana: Paula Fernandes, Naldo, Anitta, Luan Santana e a dupla Jorge & Mateus.

AM perto do fim
Quinta agora, Dia do Radialista, Dilma assina o decreto que permite a migração de 1.800 rádios AM para FM.
Por causa das interferências, as rádios AM estão perdendo audiência.

Viva Noel!
Dez meses após sofrer vandalismo, a estátua de Noel Rosa, em Vila Isabel, foi restaurada ontem, veja na imagem. A cadeira e o copo, ambos de cobre, furtados em janeiro, foram repostos por funcionários da Secretaria de Conservação do Rio. A GVT, que adotou o monumento, arcou com as despesas de restauração.

Voo proibido
Os voos panorâmicos de helicóptero partindo do Mirante Dona Marta, dentro do Parque Nacional da Tijuca, serão suspensos a partir de hoje.
A Procuradoria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade decidiu fechar o heliponto enquanto aguarda a decisão da Justiça em cima de uma ação popular que tramita na 28ª Vara Federal.

Cadê Amarildo?
Paula Lavigne e Caetano Veloso, que fizeram campanha para arrecadar fundos para a família de Amarildo, publicaram no Instagram o contrato de compra de uma casa na Rocinha.
Custou R$ 50 mil.

Leão de ouro
Veja que prestígio. Luigi Cuciniello, o genovês que dirige o prestigiado Festival de Veneza, vem ao Rio para palestrar, quarta, na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Será aberta ao público.

Mão grande
Uma socialite carioca comprou, numa grande joalheria, no Rio, uma pulseira de diamantes. Pagou R$ 250 mil.
Mas o marido descobriu que a peça não valia mais de R$ 35 mil. Ela voltou à loja e exigiu a devolução da grana. Para não perder a cliente, a joalheria topou.

Ponto Final
A tradição brasileira é tratar corruptores com peninha, como se fossem vítimas. Mas não existe corrupção sem corruptor. Cartas para a Redação.

QUEM SABE, SABE - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 02/11

A Associação Procure Saber, que reúne estrelas como Roberto Carlos, Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso, pode estar com os dias contados. O racha entre os artistas por causa da condução do tema das biografias deve sepultar a entidade.

CAIXÃO E VELA PRETA
A dúvida é a data em que o "enterro" da Procure Saber, ao menos no formato atual, ocorrerá. É que, para participar da discussão das biografias no STF (Supremo Tribunal Federal), os artistas precisam ser representados por uma associação. De qualquer forma, o foco das estrelas agora é o Congresso, onde eles esperam emplacar suas principais teses.

POR DENTRO
A Procure Saber, na verdade, já nasceu rachada sobre o tema das biografias, conforme noticiou a coluna em junho. Na época, a discussão estava restrita aos bastidores e era tratada como grande segredo. A entidade, presidida por Paula Lavigne, chegou a desmentir que o tema estivesse em pauta.

CAIXA POSTAL
Cartas obtidas pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) mostram que a Eternit ofereceu festas, churrascos e cestas de Natal antes de propor acordos extrajudiciais a ex-funcionários contaminados por pó de amianto. A fabricante de telhas e caixas d'água, diz o órgão, "cortejou" antigos empregados.

CAIXA POSTAL 2
Entre uma festividade e outra, a multinacional, segundo o MPT, propunha indenizações de até R$ 10 mil, e também pedia que o ex-trabalhador se comprometesse a não recorrer à Justiça. O MPT pede indenização de R$ 1 bilhão por dano moral coletivo. A Eternit diz que a Justiça já entendeu, em outros processos, que a fábrica "observava as regras aplicáveis ao uso do amianto".

GRANDINHO
O publicitário Washington Olivetto será homenageado nesta quinta com o Prêmio O Que Eu Quero Ser Quando Crescer, dos alunos de publicidade da Faculdade Cásper Líbero. "Já ganhei todos os prêmios da história da minha profissão. Esse é especial porque vem de jovens", diz o diretor da WMcCann.

LÁ NO ALTO
Desembarca hoje no Brasil o fotógrafo Ben Canales, reconhecido mundialmente pelas imagens do céu registradas a partir de vários pontos do planeta.
O roteiro do profissional no país começa em SP, passando por Ilhabela e Juqueí.

TAPINHA NAS COSTAS
A vice-prefeita de São Paulo, Nádia Campeão (PC do B-SP), inicia neste sábado viagem de cinco dias a países da América Latina. Vai pedir a autoridades que votem na capital para sede da Expo 2020. "Estou em plena campanha", diz ela, que vai visitar Cuba, México e Paraguai. A eleição será no próximo dia 27, em Paris. Entre as concorrentes, Dubai (Emirados Árabes) é temida. "A campanha deles é agressiva", afirma Nádia.

NO CORAÇÃO DO BRASIL
Fernando Henrique Cardoso e Lula fizeram questão de enviar mensagens para a homenagem que o Instituto Vladimir Herzog prestou anteontem a Henry Sobel, que está se despedindo do Brasil. Amanda e Alisha Sobel, mulher e filha do americano, foram à cerimônia, no Memorial da América Latina. O cardeal dom Odilo Scherer, o ex-ministro Celso Lafer e Ivo e Clarice Herzog aplaudiram o rabino.

PRIMEIRA FILA
A cantora Gaby Amarantos, o fotógrafo J. R. Duran e a empresária Fabiana Justus estiveram anteontem na São Paulo Fashion Week, no parque Villa-Lobos. A modelo Bruna Tenório desfilou para uma das grifes da programação do evento.

CURTO-CIRCUITO
A dupla Brothers of Brazil e a banda Vespas Mandarinas tocam hoje no Brothers Fest, na Clash Club, a partir das 18h. 16 anos.

O espetáculo "Huis Clos (Entre Quatro Paredes)", com Marcello Airoldi, estreia hoje, às 19h, no Sesc Bom Retiro. 14 anos.

A peça "Casal Palavrakis" encerra temporada hoje no teatro Studio Heleny Guariba, às 21h. 16 anos.

A cantora Juliana Valadares lança na segunda o DVD "Indecifrável", em show no Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena, às 20h. Grátis. Livre.

Varrer para baixo do tapete - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 02/11

O PSB está escondendo de quem partiu a ordem de retirar do site do partido artigo de seu vice-presidente, Roberto Amaral. Seus dirigentes se apressam para garantir que não foi Eduardo Campos. “Ele está na Europa”, disse um deles. Eles não revelam o nome do marineiro que protestou. Ciosos das aparências, só lamentam a citação a Marina Silva, que não consta do polêmico texto.

Guerra na nuvem
Os presidenciáveis disputam espaço nas redes sociais. O perfil oficial da presidente Dilma no Facebook reúne 92,4 mil pessoas e o Dilma Bolada, página fake que tem sua simpatia, conta com meio milhão de internautas. O tucano Aécio Neves tem 191,4 mil seguidores no Facebook e, com o Aécio Boladasso, cópia do perfil falso de Dilma, já tem 2,6 mil pessoas. Eduardo Campos possui 63,8 mil seguidores. No Twitter, Dilma tem 2 milhões de seguidores. Aécio, embora nunca tenha usado, tem 26,8 mil seguidores, e Eduardo, 8,3 mil. Depois da Dilma Bolada e do Aécio Boladasso, a equipe do socialista está “bolando” um personagem para o seu candidato.

“O Banco do Brasil está fora disso aí. Ele é muito profissional. Sua direção corporativa é muito forte”
Benito Gama
Vice-presidente de Relações Governamentais do BB, sobre o pedido de recuperação judicial da OGX, de Eike Batista

Pé na estrada
O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) intensificou a agenda de viagens pelo país. Com apoio da maioria da Executiva e da bancada na Câmara, está decidido a disputar a sucessão presidencial. Quer colocar lenha na fogueira.

Visita presencial
O governador licenciado de Sergipe, Marcelo Déda (PT), ganhou uma visita surpresa da presidente Dilma, semana passada. Ele está em tratamento no Hospital Sírio-Libanês (SP), contra um câncer no sistema gastrointestinal. Déda está afastado do cargo há seis meses, mas, do hospital, tenta manter uma rotina de trabalho.

Ressentimento
A família de João Goulart se sente excluída da exumação do corpo do ex-presidente. Reclama que o governo federal não a consulta para quase nada. Esta ação é considerada o ponto alto do trabalho da Comissão da Verdade.

A terceira via
O comando do PT não crê no fôlego de Eduardo Campos (PSB). Vê no PSDB, do senador Aécio Neves, o seu adversário em 2014. Um articulador da campanha da presidente Dilma é taxativo: “a terceira via não tem viabilidade no Brasil”. E cita as várias tentativas: Garotinho (PSB), 17,8% dos votos; Ciro Gomes (PPS), 11,9%; Cristovam Buarque (PDT), 3,2%; e Marina Silva (PV), 13,9%.

Largando na frente
A ministra Ideli Salvatti (PT) lidera a corrida ao Senado em Santa Catarina, com 17%. Está à frente do neossocialista Paulo Bornhausen, com 11%. O petista Cláudio Vignatti tem só 3%. Esta pesquisa é do Ibope e foi encomendada pelo PMDB.

Com o jogo nas mãos
A presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (PMDB), está com a bola cheia em Tocantins. Em pesquisa Ibope, de outubro, ela lidera com 30% para o Senado e, para o governo, só está atrás do ex-governador Marcelo Miranda, sub judice.

A PRESIDENTE DILMA se reunirá com Bill Ford Jr, presidente executivo da Ford, dia 13, em Camaçari. Ele é bisneto de Henry Ford.

É a política - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 02/11

A votação do aumento do IPTU na Câmara Municipal de São Paulo deve provocar mudanças na composição do governo Fernando Haddad. Partidos que votaram contra o prefeito, como PSB e PV, podem perder espaços que ocupam na administração. A margem estreita pela qual o projeto foi aprovado também levou aliados a aconselharem o petista a participar mais da articulação política e a ampliar a base no Legislativo. Haddad, entretanto, prefere ter maioria apertada, porém fiel.

Casual Friday Para tentar melhorar o relacionamento com vereadores e partidos, Haddad disse que pretende passar a dedicar as sextas-feiras a agendas políticas.

No foco Gilberto Kassab passou incógnito no embarque de Brasília para São Paulo na quinta-feira pela manhã enquanto, na cadeira ao seu lado, um passageiro lia a Folha, cuja manchete falava na prisão de ex-assessores de sua gestão na prefeitura.

Alvo móvel 1 Petistas incomodados com o mal-estar provocado na relação com Kassab após as prisões querem que Haddad pare de dar pessoalmente declarações sobre a investigação.

Alvo móvel 2 "Enquanto atacamos um potencial aliado, tiramos o foco da crise de segurança do governo Geraldo Alckmin", lamenta um aliado do atual prefeito.

De poste... Em pré-campanha para o governo paulista, Alexandre Padilha (Saúde) terá sua imagem cada vez mais colada à de Lula.

... em poste O ex-presidente levará o ministro a um encontro de prefeitos petistas de São Paulo no fim de novembro. No mês seguinte, está previsto evento com vereadores da sigla no Estado.

Zíper Padilha já iniciou outra rotina típica de pré-candidato: está numa rigorosa dieta, em que cortou os carboidratos a partir das 18h e o chope no fim de semana.

Sintonia O PSB definiu que os primeiros encontros regionais com a Rede para elaboração de seu programa acontecerão no Rio, em novembro, e na Bahia, em dezembro. Outros eventos nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul serão realizados em 2014.

Prensa Provocado no Facebook por um eleitor que pediu sua opinião sobre a lei que restringe a concentração de meios de comunicação na Argentina, Eduardo Campos (PSB) escreveu que "passou da hora de o Brasil decidir seu caminho nesse tema". O pernambucano prometeu escrever sobre o assunto em breve.

E aí? Roberto Amaral, vice-presidente do PSB, se queixa de o governo não ter publicado seu afastamento dos conselhos de administração do BNDES e de Itaipu.

Nada ainda O ex-ministro de Lula entregou a carta pedindo desligamento à Presidência no dia 7 de outubro, mas Dilma Rousseff não designou seus substitutos. Enquanto isso, o nome do pessebista continua nos sites do banco e da empresa.

Jogando... Parlamentares da base aliada se dizem surpresos com o apoio do líder do governo no Congresso, José Pimentel (PT-CE), à aprovação da medida provisória que trata da renegociação de dívida de produtores rurais.

... contra? O governo se opunha à MP, relatada pelo tucano Cícero Lucena (PB), porque itens do projeto já haviam sido aprovados em outro texto. O Planalto também temia que a proposta criasse um rombo em suas finanças.

Nem morta Convocados para reunião hoje em Brasília, ministros torciam até a última hora para que Dilma desmarcasse o encontro em respeito ao feriado de Finados.



TIROTEIO

"Tenho certeza de que Rodrigo de Grandis não agiu de má-fé, mas, se um juiz engavetasse um processo por dois anos, o CNJ o afastaria."

DE ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, advogado, sobre o procurador não ter atendido pedido da Suíça para apurar se a Alstom pagou propina em SP.


CONTRAPONTO

Desculpem a nossa falha


Durante a entrega de equipamentos de radioterapia para 80 centros de tratamento de câncer, em São Paulo, a luz acabou justamente na hora que o secretário de Saúde do Estado, David Uip, ia iniciar seu discurso:

--Ei, Padilha, você que fez isso? --perguntou, brincando, o auxiliar de Geraldo Alckmin.

--Eu, não! A companhia de luz é estadual --respondeu o ministro da Saúde e pré-candidato ao governo paulista.

Diante da resposta do petista, Uip arrematou:

--Poxa, tínhamos nos programado para isso acontecer na hora que você fosse falar!

Assim é se lhe parece - JORGE BASTOS MORENO

O GLOBO - 02/11

Eterna intocável o mal-estar sofrido por Ulysses depois de uma discussão violenta com Sarney, no Alvorada, em defesa da Constituinte. Ulysses saiu de lá direto para o hospital, onde foi diagnosticada uma isquemia.
Dias depois, Ulysses se submeteu a uma angioplastia.
A culpa não fora toda do Sarney. O deputado tinha uma obstrução de 95% nas artérias.
Vinte e seis anos depois do ocorrido, quebro agora o compromisso com a fonte, por considerar prescrito o juramento do silêncio. E o faço por conta da declaração de Lula de que Sarney e Ulysses tiveram o mesmo papel na Constituinte.
Como, para chaleirar Sarney, Lula tenta mudar a História, o fato aqui relatado pode ser usado pelo petista a favor do senador Sarney. Poderia argumentar, por exemplo, que a briga do Alvorada serviu de prova de esteira para levar o relapso Ulysses a se tratar, evitando o pior.
Assim, além da Constituinte, Ulysses deveria a Sarney sua própria vida.

Dono da História
Já que o próprio Ulysses lembrava que "a História é incensurável" é preciso reconhecer que os embates dele com Sarney na Constituinte não anulam a dívida imensa da democracia ao ex-presidente. Sem a paciência, a compreensão e sabedoria do Sarney, talvez hoje a situação fosse diferente.
Há que se respeitar também o que o senador Sarney faz hoje com a biografia do ex-presidente Sarney, Se ele a construiu, tem o direito de destruí-la.
E tem feito isso com a maior competência.

Enem, nada!
Mercadante tem chamado ministros, senadores e governadores para reuniões individuais no MEC.
A pessoa chega lá crente que vai debater sobre educação, mas se depara com um mapa marcado com nomes de cada estado que o Planalto acha importante para as eleições.

Grave intervenção
Ao meter o nariz na economia, mirando principalmente o Banco Central, Lula, na avaliação do mercado, fez a sua mais grave intromissão no governo Dilma desde a sua instalação.
E, desta vez, Dilminha acusou o golpe. Chegou a casa mordendo os lábios e ouviu da Dilrna-mãe o que costuma fazer com outros:
— Segura o choro!

É isso aí
Dilma determinou prioridade à adoção de medidas para conter a atuação de black blocs em manifestações.

Ao sol e vento
Haddad também é filho de Deus, quer dizer, do Lula.
O prefeito de São Paulo foi eleito dentro do mesmo padrão Lula de qualidade que elegeu a Dilma.
Mas o ex-presidente não tem conseguido segurar a oposição silenciosa do PT paulistano ao prefeito;
Por que será?

Joia rara
Continuação da entrevista:
— Pela primeira vez, uma ex-mulher de político vai para a mídia elogiar o seu ex, dizendo ser ele o homem público mais correto que conheceu. Como se sente?
— Qualquer homem, não precisa ser político, sente-se gratificado quando é elogiado pela ex-mulher. No meu caso, por ser também um homem público, eu me sinto duplamente gratificado. Afinal, ela conviveu dez anos comigo, me conhece na intimidade, e sai do relacionamento reconhecendo a minha postura de político. Existe um depoimento melhor?

Meu Deus!
Quem viu as provas do ensaio de Meyrielle Abrantes afirma que, com todo o respeito às demais mulheres que já foram capas da revista, elas são enlouquecedoras.

Morena tropicana
Que mensalão, que nada!
O que o Congresso aguarda com justa ansiedade é a edição da "Playboy" deste mês com a ex-namorada do senador Jarbas Vasconcelos, a modelo e ex-miss Pernambuco Meyrielle Abrantes.
Jarbas, conhecido pela sua sisudez, abordou pela primeira vez o assunto:
— Como o senhor vai reagir às brincadeiras dos colegas?
— Eu a namorei durante dez anos, e ela já era modelo. Acho normal.
— Por que terminaram o namoro?
— Não gosto de falar sobre a minha vida pessoal, mas, já que o relacionamento sempre foi público, não vejo problema em responder que os projetos pessoais dela, por sinal legítimos e normais da sua carreira e da vida de toda mulher, não coincidem com os meus. A gente vinha discutindo isso já há algum tempo, e, em junho, tomamos essa decisão.

Sobre jornalismo, história e biografias - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 02/11
O processo de formação de uma imagem é longo, mesmo para os artistas. Para uma pessoa se tornar fã incondicional de alguém, é preciso mais do que letras ou melodias. Gente se identifica com atitudes, gestos, sejam eles libertários ou conservadores. Os admiradores de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque perderam o prumo nas últimas três semanas. Cadê a voz que os representava no cenário artístico, político e histórico? Na real, o constrangimento é que tem ditado as regras da controvérsia sobre a censura prévia às biografias, que nada mais é do que a censura da história. É mais ou menos o seguinte: "Desculpe aí, meu ídolo, mas vou ter de criticá-lo". Ninguém fica lá muito confortável. 
Volto ao tema das biografias porque me parece que se deve voltar a ele quantas vezes for necessário. O que está em jogo é a liberdade de expressão e de contar histórias, por mais que os nossos artistas cada vez mais confundam e, na última aparição em vídeo, tentem se mostrar contrários à censura. Tudo se torna mais grave quando o tema é maior do que a proibição a biografias. Até onde se percebe, a desculpa para privacidade pode valer para censurar qualquer texto, incluindo aqueles produzidos no jornalismo diário ou na academia. Sim, então do que falar dos perfis de políticos e de personalidades feitos por jornais e revistas ou mesmo das teses preparadas nas faculdades de história, sociologia ou qualquer outra? Até onde vai a proibição de publicar tais informações? 

Paralelo 
A partir do que a entidade Procure Saber defende, é possível fazer um paralelo com o jornalismo e com a academia. Primeiro, porque não é de todo impossível que alguém um dia use os mesmos argumentos dos nossos ídolos para tentar barrar a publicação de um simples perfil feito por um repórter. Segundo, porque os melhores biógrafos atualmente são jornalistas, como Lira Neto (Getúlio e Padre Cícero), Fernando Morais (Olga e Chatô) e Mário Magalhães (Marighella). Há gente ruim de apuração ou mal-intencionada, com uma estrutura ideológica e partidária por trás? Sim, tem hoje e terá amanhã. Mas a esses cabe o processo judicial e, mais grave, a insignificância do erro intencional, o desrespeito com o próprio leitor e o desmerecimento ao longo do tempo. Mas essa é outra história. É ficção e não jornalismo ou mesmo um trabalho de determinado biógrafo, um historiador na essência. 

Como exemplos de historiadores, podem ser citados o pernambucano Evaldo Cabral de Mello (Nassau) e o norte-americano Benjamin Moser (Clarice). O direito à informação é maior do que qualquer tese em defesa da privacidade, que, nesse debate das biografias, está posta de maneira equivocada. A história de artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso se confunde com a própria história de um país. E um país apenas tem identidade ao abrir a própria história, sem censura. É falso o argumento que os biógrafos buscam devassar a vida de um artista por simples desejo. Ninguém está aqui a defender violações de documentos ou quebra de sigilos telefônicos, por exemplo. O trabalho de um biógrafo, historiador ou jornalista é de pesquisa formal, uma apuração profunda. 

Aparição 
O vídeo em que Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Gilberto Gil (cadê Caetano e Paula Lavigne?) aparecem para defender as próprias biografias é mais uma maluquice da tal entidade Procure Saber, que colocou Chico Buarque na maior roubada da vida. Há uma confusão de declarações, misturadas para dar sentido ao inexplicável. O mais desnorteado é Gil. "Quando nos sentimos invadidos, julgamos que temos o direito de nos preservar e, de certa forma, preservar a todos que de alguma maneira não tem como nós temos o acesso à mídia, ao Judiciário, aos formadores de opinião", disse o baiano. Sinceramente, é difícil entender quem, se não os próprios integrantes do tal Procure Saber, precisaria ser preservado. Os que não têm acesso aos formadores de opinião? Gil e a sua turma, sim, têm acesso a tal grupo, mas conseguiram convencer pouca gente ao entoar o discurso torto contra as biografias. 

Reparação 
Por fim, parece mais do que razoável incluir mais temas ao debate, principalmente com a proximidade da audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir o tema. Em vez da proibição das biografias prévias, ampliação do direito à reparação nos casos de ofensas, por exemplo.

O debate sobre a censura aos livros  tem poucas chances de minguar. Trata-se da liberdade de expressão e do ofício de repórteres, contadores de histórias e acadêmicos. Para os mal-intencionados, a reparação judicial nos casos de ofensa

Caiu reboco lá de cima - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 02/11

Uma casa não cai de um dia para o outro. Vai dando sinais. É um pedaço de reboco que repentinamente despenca lá de cima, uma rachadura na parede do banheiro, a instalação elétrica que derruba disjuntores, uma inclinação no piso observada quando a água escorre só para um lado.

Os últimos dez dias foram abundantes em sinais assim. O rombo das contas externas se alarga mês a mês e, ontem, os números pouco animadores da balança comercial também foram nessa direção (veja o Confira).

As contas públicas divulgadas quinta-feira revelam rachaduras perigosas. Mesmo através de suas lentes sempre tão róseas, o ministro Guido Mantega já começa a enxergar o rombo preocupante nas contas públicas. Ele passou a admitir que não há saída senão cortar despesas em áreas onde, até outro dia, entendia impossível cortar.

Seu diagnóstico também inspira cuidados porque só agora identifica paradoxal vazamento de R$ 47 bilhões (0,9% do PIB) no seguro-desemprego, num ano de pleno-emprego. Não seria, por si só, um grande sinistro se uma seguradora tivesse de pagar indenizações recordes, num ano sem grandes sinistros para sua carteira de coberturas?

A inflação não dá tréguas. Caiu temporariamente alguns centímetros abaixo dos 6% ao ano, mas prepara novos avanços, que apenas a política de juros não consegue impedir.

Os números ontem divulgados pelo IBGE sobre o desempenho da indústria ficaram aquém do esperado. A produção do setor cresceu 0,7% em setembro (sobre o mês anterior), mas no trimestre acusou recuo de 0,6%. É nova indicação de mais um fiasco do PIB, desta vez no terceiro trimestre do ano.

Como até mesmo os mais compulsivamente otimistas do governo federal começam a admitir problemas, a presidente Dilma não pode retomar o mantra de que é o catastrofismo corrosivo dos analistas da economia que contamina o ambiente dos investimentos.

Não são apenas as opções de política do governo que são improvisadas, parciais, incompletas, como a transposição do Rio São Francisco, que não termina nunca, e a desoneração da folha de pagamentos da indústria que levou R$ 50 bilhões da arrecadação embora essa meia-entrada só tenha sido concedida aos mais chegados. O modelo adotado pela presidente Dilma, a tal "Nova Matriz Macroeconômica", baseada na turbinagem do consumo, na derrubada inexorável dos juros e na flexibilização do resto, deu errado, apesar das profissões de fé em contrário.

Ainda não é o desastre, o que tem o lado bom de permitir conserto, desde que providenciado a tempo. Mas a disposição do governo não é essa. É empurrar as coisas com a barriga até as eleições, para ver depois como fica. Falta saber se a casa se mantém em pé até lá.

A presidente Dilma precisaria de uma Carta ao Povo Brasileiro, a proclamação de 2002 que conquistou confiança das classes médias e garantiu a eleição do então candidato Lula à Presidência da República. Mas não é o estilo dela.

Escravos do ativismo - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 02/11

Imposto o carimbo de escravagista, o produtor se submete a sanções duras, que semeiam o terror


Ninguém, com um mínimo de bom-senso, pode, em pleno século 21, admitir o trabalho escravo, definido pela Convenção 29, da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, como o executado sob coação ou com qualquer tipo de restrição ao direito de ir e vir.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que presido, já se manifestou quanto a isso reiteradas vezes. Não o tolera sob nenhuma hipótese --repito, sob nenhuma hipótese-- e quer punição exemplar a quem o pratica, quer no meio rural, quer no meio urbano. Trata-se de crime contra a humanidade.

Dito isto, examinemos a proposta de emenda constitucional (PEC) que trata da matéria e que será votada na próxima terça-feira pelo Senado. Subscrevo o parecer do relator, senador Romero Jucá, que se baseia no que estabelece a OIT.

Nosso empenho, ao longo do tempo em que essa matéria tramita, foi --e é-- o de exigir clareza em seus termos, para que não se resuma a abstrações e generalidades. Qualquer estudante de direito sabe que uma norma jurídica não pode ser abstrata, adjetiva. Tem que substantivar o que propõe.

Também não podemos cair no polo contrário, ao atribuir a qualquer forma de trabalho a denominação de escravo pelo fato de não corresponder a certas normas trabalhistas, como as da jornada exaustiva e do trabalho degradante. Embora tratem de situações deploráveis e passíveis de punição, elas não podem orientar uma situação que desembocaria em insegurança jurídica.

Sem tais cuidados, o ativismo ideológico seguirá satanizando o produtor rural. Ainda que este responda por 36% do emprego formal do país e por um quarto do PIB (Produto Interno Bruto), continuará alvo de perseguições e invasões.

Ao país interessa uma lei clara e objetiva, que de fato puna os verdadeiros infratores e que não sirva de instrumento de intimidação de pessoas honestas.

Outro instrumento de aferição do trabalho escravo --a norma regulamentar 31, do Ministério do Trabalho-- peca pelo excessivo detalhamento, fugindo claramente ao conceito da OIT.

Com seus 252 artigos, muitos com importantes avanços para a saúde do trabalhador, desce a minúcias --como a dimensão exata dos beliches e a espessura dos colchões dos dormitórios dos empregados--, que expõem o empregador, por mais correto e mais empregos que gere, ao título hediondo de escravagista. Ganhará, por exemplo, esse estigma o empregador em cuja terra o empregado decida dormir numa rede ou almoçar não no refeitório, mas embaixo de uma árvore, como é costume no meio rural.

Imposto o carimbo de escravagista, o produtor se submete a sanções duríssimas, que semeiam o terror e, no limite, levam-no à perda da propriedade.

É preciso que se saiba que 90% dos produtores rurais são de pequeno e médio portes e não têm como resistir a esse tipo de sabotagem, promovido por quem não acredita na livre iniciativa.

Tenho sido alvo do ativismo puro que alimenta ações execráveis dos que buscam atingir a mim e a minha família. Nem por isso, ignoro a existência do mau empregador, que explora o trabalho infantil e o escravo, no campo ou na cidade.

Mas é exatamente esse personagem, bandido e merecedor de todas as penas da lei, que se beneficia desse contágio ideológico de fiscais engajados --que, frise-se, não constituem a maioria, mas a esta se sobrepõem.

A CNA não apoia o trabalho escravo --nem tergiversa em relação a ele--, tanto que treina instrutores para inspecionar periodicamente as fazendas e avaliar as condições de vida dos trabalhadores rurais.

Já propusemos ao Ministério do Trabalho o instrumento da "visita prévia", que tem a finalidade de esclarecer os empregadores sobre as exigências da lei e sobre eventuais medidas corretivas, em prazo estabelecido pelos próprios auditores. Não aceitaram, claro. Preferem punir a educar.

A aprovação da PEC do traba- lho escravo, nos termos propos- tos pelo senador Jucá, ajudará o país a superar essa triste fase, reduzindo injustiças e coibindo os excessos.

A economia segundo o modelo Costa Concordia - ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo - 02/11

Viciado em gastança, atolado em políticas erradas e desastrado na escolha de prioridades, o governo continua destruindo as finanças públicas e liquidando qualquer compromisso com a responsabilidade fiscal, como comprovaram mais uma vez dois relatórios divulgados na quinta-feira - o das operações do Tesouro e o das contas consolidadas do setor público, elaborado mensalmente pelo Banco Central (BC). Com essa informação, ficou em segundo plano, pelo menos por algumas horas, um desastre muito mais visível para a maior parte do público: o pedido de recuperação judicial de mais uma empresa, a OGX, festejada como campeã nacional e apontada como exemplo de audácia e de sucesso pela presidente Dilma Rousseff. Há muito em comum entre as duas notícias: a inconsequência, o voluntarismo e o baixo grau de discernimento revelados tanto no dia a dia da política econômica quanto no tratamento das questões de longo prazo. A mesma vocação para o erro é evidenciada na resistência a uma nova política de preços para a Petrobrás, mesmo depois do balanço muito ruim divulgado na semana anterior.

Voltando às contas públicas: segundo o Tesouro, o governo central teve déficit primário - sem contar os juros, portanto - de R$ 10,47 bilhões em setembro, o pior resultado da série histórica para o mês. O conjunto do setor público, formado por União, Estados, municípios e estatais, também foi deficitário e com esse tropeço ficou mais difícil atingir qualquer resultado fiscal razoável neste ano. O buraco registrado nas contas do governo central é explicável por "especificidades", disse o secretário do Tesouro, Arno Augustin. O comandante do Costa Concordia, Francesco Schettino, poderia explicar com as mesmas palavras o desastre ocorrido no ano passado, quando o navio, desviado da rota, bateu num rochedo perto da Ilha de Giglio. Seu propósito pessoal ao ordenar o desvio foi uma "especificidade", assim como a incômoda presença do rochedo num lugar tão impróprio. Talvez se pudesse atribuir este último detalhe à vontade do Criador, mas o comandante de um navio deve ter certa familiaridade com a geografia da criação.

Não há como deixar de lado as motivações e decisões equivocadas, no caso das contas públicas, na história dos apertos financeiros da Petrobrás, na escolha desastrosa de campeões nacionais ou no episódio do Costa Concordia. De janeiro a setembro a receita do governo central - Tesouro, Previdência e BC - foi 8% maior que a de um ano antes. A do Tesouro, isoladamente, foi 6,8% superior àquela obtida entre janeiro e setembro de 2012. Mas a despesa total ficou 13,5% acima da contabilizada no ano anterior. Não houve, de fato, nenhum esforço importante de contenção, embora alguns problemas fossem previstos, incluída a perda de receita causada pelas desonerações fiscais.

Apesar dessas desonerações, o crescimento da economia continuou pífio. Nem o governo projeta, neste momento, uma expansão maior que 2,5% neste ano. Os estímulos foram mal concebidos e alimentaram mais o consumo do que a produção. Os empresários da indústria, setor com crescimento de apenas 1,1% nos 12 meses até setembro, continuaram ressabiados e pouco dispostos a mais gastos para produzir. O BC continuou apontando em seus relatórios a estreita margem de capacidade da indústria, os efeitos inflacionários da demanda e os riscos associados às condições de um mercado de trabalho muito apertado.

Esse aperto ficou ainda mais evidente quando a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou seu último estudo sobre as dificuldades de obtenção de mão de obra qualificada. O problema foi apontado por 68% das empresas consultadas na pesquisa. Em outras palavras, para bem avaliar a escassez de oferta no mercado de trabalho é preciso levar em conta a qualidade do capital humano disponível.

Além disso, praticamente metade das empresas, 49%, tem dificuldade para treinar o trabalhador, por causa da baixa qualidade da educação básica. Este é um problema herdado. Durante os primeiros oito anos da administração petista, a política educacional concentrou-se em facilitar o acesso ao ensino "superior", sem levar em conta os principais focos de problemas, localizados na educação básica e no ensino médio. Apesar de algum avanço, o Brasil continua ocupando posições vergonhosas nos testes internacionais de linguagem, matemática e ciências. O equívoco na escolha da prioridade foi muito mais que um inocente erro de avaliação. Foi também, obviamente, uma decisão ditada por interesses eleitorais.

Fiel ao padrão consolidado na gestão anterior, o governo da presidente Dilma Rousseff continuou gastando dinheiro e distribuindo benefícios de forma ineficiente, como se estivesse ao mesmo tempo realizando uma política anticrise e criando condições de crescimento de longo prazo. Queimou dinheiro inutilmente, como comprovam as contas públicas, o baixo ritmo da produção e os problemas consideráveis de competitividade internacional dos produtores instalados no Brasil. A crise externa é a causa menos importante da erosão da balança comercial.

Erros acumulados em dois governos deixaram a Petrobrás com problemas de caixa e muito dinheiro encalhado em projetos mal concebidos, como o da Refinaria Abreu e Lima. Apesar disso, a empresa tem de ser operadora única de todos os campos do pré-sal, manter participação de pelo menos 30% em todos os consórcios e funcionar como instrumento de política industrial.

Como exercer esse papel sem elevar seus custos e sem prejudicar sua atividade básica, o chamado core business, é uma questão ainda sem resposta. Mas o governo parece desconhecer essa pergunta, assim como desconhece, ou menospreza, as principais causas da estagnação brasileira, a começar pelos erros da política fiscal.

Encruzilhada - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 02/11

Não é novidade que a malha ferroviária brasileira está, há décadas, estagnada. Mais um ano se passou, desde o Plano de Investimento em Logística, e nenhuma concessão foi feita. Tudo o que aconteceu de novo foi a queda do presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, e muitas idas e vindas sobre como será o projeto ferroviário. O modelo é tão favorável aos empresários que eles se perguntam: isso vai durar?

Nos últimos dias, novas mudanças foram anunciadas. Primeiro, a Valec compraria toda a oferta de transporte e revenderia. Assim: o operador que ganhou a concessão constrói a ferrovia, tendo a garantia de que o góvemo comprará toda a sua capacidade. Depois, toda essa oferta irá a leilão, para terceiros. A estatal teria todo o poder. Em seguida, houve o anúncio de que a Valec seria fechada e outra empresa seria criada. Aí, voltou-se atrás e a Valec foi mantida. Esqueceram do detalhe de que para criar uma empresa seria preciso a aprovação do Congresso. A estatal já se envolveu em corrupção no passado e recentemente novas denúncias apareceram.

Os cálculos da ANTF, que representa o setor privado, são de que a estatal terá prejuízos de até R$ 4 bilhões por ano com os subsídios. Ficará dependente de aportes do Tesouro. Não por acaso, a Fazenda ganhou assento no conselho de administração da Valec.

O Diário Oficial explica a função da estatal: ""planejar, administrar e executar os programas" de exploração das ferrovias, "adquirir e vender o direito de uso" "expandir a capacidade de transporte do subsistema ferroviário federal" e "promover a integração" das malhas.

O programa dos portos depende de as ferrovias levarem a carga para o litoral. A malha atual é pequena e não consegue crescer. Era de 29 mil quilômetros em 1996 e está em 30 mil. A promessa do governo, há um ano, foi aumentar para 40 mil em 10 anos. Mas nenhum dos 11 trechos foi a leilão.

— A expectativa é de que apenas dois trechos sejam leiloados até abril. Os outros ficarão para 2015. O tempo passa, a malha atual está se deteriorando e não estamos conseguindo fazer novos trechos — disse o presidente da ANTF, Rodrigo Vilaça.

Os prejuízos para a Valec serão enormes porque, na melhor hipótese, ela vai empatar o investimento feito:

— Se a Valec vender mais caro, aumentará o custo logístico. Vai vender pelo mesmo preço ou mais baixo.

O governo tem um fim do de R$ 15 bi para o subsídio, mas será insuficiente. São projetos de 30 anos, que demoram a dar lucro. O investidor vai ficar todo o tempo contando com aportes do Tesouro? Ninguém quer entrar nisso —- explicou Vilaça.

O consultor de logística Paulo Fleury acha que, com a garantia de que toda a capacidade será comprada pelo governo, nenhuma empresa fará esforço de venda. Rodar com carga ou sem carga dará o mesmo resultado.

A ANTF disse que o setor ferroviário está em rápida decomposição. Com os atrasos nos leilões, a indústria está parada. Os volumes de pedidos para fabricação de vagões e locomotivas não esta sendo suficiente para manter o funcionamento da cadeia produtiva e há fabricantes desativando operações.