domingo, dezembro 29, 2013

Pessoas de cor especial - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR

GAZETA DO POVO - PR - 29/12

Na escala cromática da sociedade brasileira, deveria ser incluída uma nova classe, a das pessoas que têm uma cor especial: não ficam vermelhas com nada nem empalidecem com qualquer coisa.

Renan Calheiros é o exemplo pronto e acabado desta categoria: numa época em que a população dá mostras de estar com estoques de paciência e de tolerância quase esgotados, em que as tais redes sociais escarafuncham os menores detalhes das vidas das pessoas, ele não ficou minimamente ruborizado em solicitar um avião da FAB para ir ao Recife fazer um implante capilar. Pego em flagrante, não perdeu tempo em empalidecer e fez uma consulta ridícula para que a Aeronáutica esclarecesse se havia cometido “alguma impropriedade”. Parece que vai ter de ressarcir a Força Aérea pelo voo. O distinto público espera que ele não imagine que, pagando o valor de uma passagem de voo comercial low-cost, tenha ressarcido o país pelo gasto que teve com sua escassa e declinante cabeleira.

O caso de Renan, no entanto, não é único e sugere que a faxina necessária nos privilégios exagerados atribuídos à classe política no Brasil tem de ser muito mais ampla. A começar pela regalia de poder requisitar um avião da FAB com tripulação, combustível, manutenção e suportes caríssimos para transportar ministros e “otoridades” para passar o fim de semana em suas cidades de origem, todas muito bem servidas por voos comuns. Isso talvez se justificasse (um “talvez” remoto) quando a Brasília dos primeiros dias era uma cidade distante de tudo e as pessoas tinham de ser paparicadas para trabalhar na Novacap. Agora, no século 21, trata-se de um privilégio grotesco e possivelmente inédito no mundo todo.

Mas os privilégios inaceitáveis vão muito mais longe e lembrá-los todos seria tarefa impossível ou ciclópica. Um pequeno exemplo: deputados e vereadores empregam dezenas de funcionários em seus gabinetes, para não trabalhar. Em português claro, são funcionários fantasmas e seus chefes, dotados daquela cor especial que não empalidece nem ruboresce, não têm o menor pudor em classificá-los como “agentes políticos”, cujo trabalho se dá em suas “bases políticas”, aliciando eleitores ou atendendo suas reivindicações. Ora, desde quando, ao eleger um deputado e um vereador, o eleitor deve pagar também seus cabos eleitorais? E vai por aí afora, colocando os parlamentares e os governantes brasileiros entre os mais caros do mundo todo.

Não se trata, apenas, do gasto. Privilégios como esses afastam a classe dirigente mais ainda de uma população que se sente apenas remotamente representada por ela.

Certa vez, neste mesmo espaço, sugeri que uma boa parte do distanciamento entre os governantes e governados vinha do uso de aviões executivos, que decolam e aterrissam em hangares especiais, protegidos do público, e de helicópteros que evitam viagens por terra. Embarcando e desembarcando em aviões comerciais em aeroportos públicos e viajando de carro ou ônibus (como, aliás, era a praxe no passado não muito distante), os membros do rarefeito grupo do poder estariam muito mais próximos de captar os sentimentos populares, como aconteceu com parlamentares durante a época dos protestos no meio do ano, quando foram estrepitosamente vaiados no aeroporto de Brasília. De quebra, os governantes adquiririam um conhecimento valioso a respeito dos padrões subsaarianos de infraestrutura e de serviços públicos no Brasil.

O travo amargo dessa discussão é saber que isso tudo acontece sob os olhares complacentes da população, que demonstra uma indignação epidérmica, mas continua a tolerar essas práticas sem alterá-las. Quem sabe Papai Noel não nos trará um presente tardio em 2014, promovendo uma faxina digna desse nome nos nossos costumes e hábitos políticos?

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