O Estado de S.Paulo - 17/12
O Fla-Flu, que, no Brasil, distorce e empobrece o debate de questões vitais para o desenvolvimento da economia e da sociedade, de uns anos para cá se disseminou de um jeito absurdo. O que seria aceitável no caso do futebol desandou e, lamentavelmente, obscurece argumentos, erguendo muros generalizados de incompreensão. Quase impossível, nos dias de hoje, encontrar algum tema que escape de uma divisão inconciliável de opiniões.
Até mesmo as relações comerciais brasileiras com o resto do mundo entraram na dança. Quem defende prioridade para acordos multilaterais e, consequentemente, o fortalecimento da Organização Mundial de Comércio (OMC) não se bica com os adeptos dos acordos regionais ou bilaterais, que proliferam na esteira do imobilismo multilateral, com a criação de infindáveis barreiras tarifárias e, principalmente, não tarifárias.
É um embate um tanto incompreensível, na medida em que não se configura um impasse. Parece óbvio que o reforço de um lado ajudaria a incrementar os benefícios do outro. A modernização da OMC, na qual opera o único tribunal multilateral de controvérsias comerciais aceito pelos 160 países integrantes, por exemplo, daria consistência e plena segurança jurídica aos acordos fragmentados de blocos e países.
Não há como negar que a diplomacia comercial brasileira perdeu o bonde das cadeias globais de valor antes dos governos de Lula e Dilma, mas, com eles, o isolamento se aprofundou. Contada assim, porém, a história ficaria simplista demais. Quando os acordos de suprimentos globais começaram a ser firmados, já no começo dos anos 90, o Brasil vivia sobressaltado por crises cambiais e desgastantes operações de salvamento, comandadas pelo FMI. Nenhum clima para integração.
Obtida relativa estabilidade econômica e, na década seguinte, alcançado um ajuste nas contas externas, a decisão de concentrar fogo nos organismos multilaterais, desprezando acordos diretos, produziu um fosso na relações comerciais brasileiras com o resto do mundo. Também a aposta prioritária no Mercosul, em teoria não desprovida de sentido, resultou num desastre, em razão dos recorrentes surtos protecionistas, na Argentina, o principal parceiro regional.
A crise econômica global multiplicou, de um lado, manobras protecionistas e, de outro, numa reação reflexa, estimulou a efetivação de acordos parciais de livre-comércio entre países e blocos. O número de acordos desse tipo já passa de 400, mas a fragmentação excessiva está produzindo crescentes tensões nos mercados e aumentando a falta de transparência no comércio internacional.
Na esteira dessa nova dinâmica, duas iniciativas de grande porte, ambas lideradas pelos Estados Unidos, prometem revolucionar as relações comerciais globais. Um megabloco reunindo Estados Unidos, Canadá e Europa negocia a Parceria Transatlântica (TTIP, na sigla em inglês), com o objetivo não só de eliminar tarifas, mas, principalmente, reduzir barreiras não tarifárias - técnicas, fitossanitárias, burocráticas etc. Outro grande bloco, com Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, países latino-americanos e asiáticos, negocia, nos mesmo moldes, a Parceria Transpacífica (TPP).
O governo brasileiro, por enquanto, está fora da mesa em que transcorrem essas negociações, mas parece ter acordado para a novo desafio do comércio internacional, como demonstra o esforço para finalizar o acordo de redução de tarifas entre o Mercosul e a União Europeia.
Não se pode, contudo, esquecer o tamanho desse desafio. Se a economia brasileira tem muito a perder se continuar isolada do resto do mundo, terá muito pouco a ganhar se buscar a integração a todo custo com o seu atual baixo grau de competitividade.
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