quinta-feira, dezembro 05, 2013

Bom senso, sempre o bom senso - EVERARDO MACIEL

O Estado de S.Paulo - 05/12

O dogmatismo e a heterodoxia são males que castigam severamente os sistemas tributários.

O dogmatismo se revela pelo apego excessivo a construções abstratas, frequentemente carentes de comprovação empírica, e pelo culto à estética doutrinária. A partir daí, postula-se a transposição acrítica de modelos de um país para outro, na observância do que prescrevem os manuais. Pouca importância se dá às circunstâncias em que se inscrevem as políticas tributárias, inevitavelmente imperfeitas.

Critica-se, por exemplo, a excessiva participação das contribuições sociais nas receitas tributárias brasileiras, tão somente porque é incomum. Não se busca, todavia, entender as razões que explicam tal fato - nomeadamente a amplitude das políticas sociais de responsabilidade da União e o descuidado processo, quase irresponsável, de descentralização das receitas públicas, com base na partilha do Imposto de Renda e do IPI.

Já é tempo de proceder a uma discussão mais séria, em âmbito internacional, sobre a tributação do consumo e da renda.

Será que os vigentes modelos do IVA (imposto sobre valor agregado) e do Imposto de Renda sobreviverão a negócios cada vez mais globalizados, afetados por preços de transferências (manipulação de preços nas operações internacionais entre empresas vinculadas) e pela nocividade dos paraísos fiscais?

A progressividade tem algum efeito na distribuição de renda, quando considerada a ampla mobilidade na determinação do domicílio fiscal das pessoas físicas e jurídicas? A propósito, embora se trate de princípio consagrado na doutrina e no direito positivo, a verdade é que inexiste comprovação empírica desse efeito, salvo pretensas correlações estatísticas usualmente claudicantes na identificação de nexos causais.

Na última campanha presidencial dos EUA, fiquei intrigado quando li um artigo do candidato republicano Mitt Romney afirmando que, se eleito, iria propor, nos EUA, a isenção dos lucros auferidos pelas empresas no exterior, em contraposição ao atual modelo de tributação em bases universais.

À minha perplexidade inicial seguiu-se uma reflexão. Se essa tendência crescer, no plano internacional, será inevitável, por razões de competitividade, que o Brasil retorne ao padrão de tributação em bases territoriais ou, ao menos, que seja revisto o atual modelo.

Contrastam com o dogmatismo as iniciativas de índole heterodoxa, consistindo na utilização abusiva do tributo como instrumento de política fiscal, usualmente ditada pelo fervor intervencionista do Estado ou pela arrogância dos tributaristas amadores. As consequências dessas práticas, jamais adequadamente avaliadas, são maior complexidade, menor segurança jurídica e escolha, nem sempre virtuosa, de "campeões" na economia.

A redução dos tributos incidentes sobre combustíveis e automóveis, especificamente, produziu uma coleção de desastres. A mobilidade urbana converteu-se em caos de solução difícil e cara, sem falar nos danos ambientais. A Petrobrás, também por causa da contenção de preços de combustíveis, vive a maior crise financeira de sua história. A classe média brasileira, com a forte contribuição de uma generosa política de crédito ao consumidor, aumentou perigosamente seu nível de endividamento.

As regras de tributação no mercado financeiro, a pretexto de criar fundos para determinados setores ou alongar as aplicações, abjuraram a neutralidade, à medida que foi estabelecida uma grande diversidade no tratamento tributário dos diferentes produtos financeiros. Tornaram-se, assim, complexas para o contribuinte comum e beneficiaram os grandes aplicadores, que têm mais informações e maior capacidade para recrutar financiamentos.

Ainda que possa parecer óbvio, as reformas dos sistemas tributários devem ser permanentes (a longeva Igreja Católica já ensina: Ecclesia semper reformanda est) para que se tornem compatíveis com as novas circunstâncias, preservando o que há de bom e evitando o dogmatismo e a heterodoxia.

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