quinta-feira, dezembro 26, 2013

BC guarda canhão no arsenal - LUIZ SÉRGIO GUIMARÃES

Brasil Econômico - 26/12

Para chegar às urnas em outubro de 2014 com reais possibilidades de vitória já no primeiro turno, a presidente Dilma Rousseff precisou sacrificar um dos seus trunfos eleitorais, o juro real abaixo de 2% ao ano. Promessa de campanha em 2010, esse juro historicamente baixo precisou ser imolado para preservar intactas outras prioridades, como o pleno emprego, os gastos sociais e uma taxa de câmbio competitiva. A inflação em disparada sobretudo no primeiro trimestre do ano foi identificada como o inimigo número 1 a ser batido na marcha da reeleição.

E o Banco Central ganhou carta branca para fazer o que fosse necessário para impedir o estouro do teto de 6,5% da meta de inflação. Enquanto isso, o governo persistiria com sua política fiscal frouxa. O BC conseguiu, ao custo de agravar a dívida bruta. Puxou o juro real de 1,3% no final de 2012 para 4,2% agora, mas a inflação fechará o ano perto de 5,8%.

A atual taxa de juro real, levemente acima de 4%, parece ser o limite ao qual o BC está disposto a chegar por deliberação própria. Se for ampliada nos próximos meses será porque uma das suas variáveis — o IPCA projetado para doze meses pelo Boletim Focus, hoje oscilando perto de 6% — caiu. A outra variável — a taxa para o mesmo período do swap pré/DI negociado na BM&F — não deverá sofrer mudanças significativas ao longo de 2014 porque já precifica o congelamento da Selic quando chegar a 10,50% .

O juro real pode subir ainda mais, não por esforço do BC, mas como efeito defasado do aperto monetário já efetuado. Como o BC cumpriu a sua missão, sem se importar como rompimento do tabu político do juro nominal de dois dígitos, o restante do governo teve de entrar no jogo para consolidar o placar. Depois que as agências de rating ameaçaram reduzir a nota de crédito soberano, uma agenda de políticas mais amigáveis aos interesses do mercado começou a ser cumprida.

Mágicas fiscais foram rechaçadas, benesses políticas foram cortadas, os repasses do Tesouro ao BNDES passaram a ser racionados, as regras às concessões se tornaram mais vantajosas e estreitou-se o diálogo com o setor produtivo. A execução da chamada Nova Matriz Econômica (o amolecimento do tripé formado por meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário) foi arquivada (provisoriamente?). Para cumprir a sua parte, o BC optou por uma gestão clássica da política monetária.

Elegeu a taxa básica de juros como principal instrumento de combate à inflação. Alçou a Selic de 7,25% em abril para 10% agora. O mercado, por meio do seu mais confiável termômetro, acredita que irá elevá-la até 10,5% e não mexer mais nela até o próximo governo. A opção preferencial pelo juro alto visou um ataque triplo, desenvolvido pelos três canais primordiais de transmissão das decisões monetárias para a economia: 1) Comprimira demanda geral por crédito e o consumo, elevando o custo dos empréstimos e aumentando a atratividade das aplicações financeiras. A ideia é transformar o consumidor em investidor; 2) Agir sobre as expectativas de consumidores e empresários.

Os primeiros, acossados pelo medo do desemprego, aumentariam sua poupança e os segundos segurariam repasses de custos aos preços por temor de perda de mercado; 3) Atrair capitais estrangeiros de curto prazo de forma a apreciara taxa de câmbio e reduzir preços de importados. Trata-se de um caminho ortodoxo muito bem-visto pelos mercados. Um aperto monetário tradicional amplia os ganhos de tesouraria e as receitas de crédito.

O problema é que, se houver exagero, poderá implicar em severa perda de PIB. Pior: dada a lentidão com a qual age sobre a economia, não se conhece exatamente toda a extensão negativa que um ciclo longo de aumento de juros pode provocar. É por isso que, após um avanço acumulado de 2,75 pontos, o BC não vê a hora de encerrá-lo. Um ciclo desse porte equivale a minar a economia lentamente com pequenos mais insistentes socos no fígado, de repente ela desaba e demora a se levantar. Os danos ao organismo podem ser sentidos até um ano depois de desferidos os golpes.

A via alternativa equivale a um direto de direita no queixo: a elevação dos depósitos compulsórios. Tem duas vantagens sobre ouso da Selic: faz efeito sobre a inflação em no máximo três meses, quando o aperto clássico leva em média nove meses; e não encarece o custo da dívida pública. Sobre o estoque da dívida mobiliária federal, de R$ 2 trilhões, o atual ciclo de alta da Selic aumenta a despesa em R$ 55 bilhões.Mas traz desvantagens: a elevação do compulsório só ataca o excesso de liquidez que aumenta a demanda agregada e gera inflação.

Não contribui nem para atrair investimentos estrangeiros necessários para derrubar o dólar e, com isso, sedar a inflação,nem para aumentar o poder de sedução das aplicações financeiras desenhadas para os investidores locais.Mas trata-se de um porrete que pode ser acionado caso a inflação do ano que vem venha a sofrer pressões de demanda, cujo combate pela via ortodoxa seria muito demorado e custoso.

Isso já foi feito no passado, e não pode ser considerado uma heresia. Hoje em 44% sobre os depósitos à vista, o recolhimento não remunerado aos cofres do BC já foi de 60% em 2003 e chegou a 75%no crítico ano de 1999. A mexida na alíquota hoje de 20% incidente sobre os depósitos a prazo, embora contenha a expansão do crédito, é menos utilizada porque o volume recolhido é remunerado pela variação da Selic.

De qualquer forma, o BC pode levar a cabo a sua intenção de encerrar o ciclo de aperto quando a taxa básica chegar a 10,25% ou 10,5% com tranquilidade. Pois sabe que, se precisar, tem um canhão no seu arsenal.

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