quarta-feira, novembro 27, 2013

O Supremo Tribunal e os planos econômicos - CID HERACLITO DE QUEIROZ

O Estado de S.Paulo - 27/11

O Supremo Tribunal Federal deve julgar hoje a questão (1 milhão de ações) relativa à constitucionalidade dos Planos Econômicos Bresser, Verão e Collor, em face de pleito dos titulares de contas de poupança que se consideraram prejudicados pelas regras de conversão de moeda antiga para moeda nova, no respeitante à correção monetária dos depósitos. E pleiteiam diferenças, no valor global de cerca de R$ 150 bilhões, por parte das instituições financeiras depositárias, sobretudo da Caixa Econômica Federal. Alegam inexistente direito constitucional a um determinado índice de correção dos depósitos. Ora, os índices - é bom lembrar - podem até ser extintos, a qualquer tempo. A decisão preocupa seriamente o governo federal, porquanto, se esse pleito for acolhido, poderá ocorrer até mesmo a quebra de algumas instituições bancárias.

Seguindo a mesma tese, a Receita Federal teria de devolver parte do Imposto de Renda pago pelas instituições financeiras, os adquirentes de habitações financiadas teriam de pagar imensas diferenças, etc. Tudo isso acabaria por gerar uma crise econômico-financeira, com o recrudescimento da inflação, que afeta, sobretudo, as classes mais desfavorecidas. Todavia, no mundo do Direito, a substância deve prevalecer sobre a forma e o interesse social, sobre o interesse individual.

As Constituições de numerosos países dispensam tratamento expresso ao sistema monetário - Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Holanda, Áustria, Portugal, Suécia, Grécia, Argentina, México, etc. Nossa tradição constitucional não é diferente. A Constituição do Império preceituava que era atribuição da Assembleia Geral determinar o peso, o valor, a inscrição, o tipo e a denominação das moedas. Essa norma foi reproduzida pela Carta Republicana de 1891. A Carta de 1934 atribuiu competência privativa à União para fixar o sistema monetário, cunhar e emitir moeda e instituir banco de emissão. Na de 1937, foi conferido à União o poder de legislar sobre questões de moeda. A Carta Democrática de 1946 atribuiu competência à União para cunhar e emitir moeda e instituir bancos de emissão. A de 1967 atribuiu competência à União para cunhar e emitir moeda, bem assim para legislar sobre sistema monetário. A Emenda n.º 1/69 manteve essas normas. Finalmente, a Constituição de 1988, de modo mais adequado, preceituou a competência executiva da União para emitir moeda e a competência legislativa para dispor, privativamente, sobre sistema monetário.

Assim, desde o Império sempre foi clara a competência constitucional da União não simplesmente para cunhar (fabricar) e emitir moeda (pôr moeda em circulação), mas, sobretudo, para legislar sobre sistema monetário, um "direito inerente à soberania", na lição do clássico Maximiliano. Aliás, no final do século 19, a Suprema Corte dos Estados Unidos já havia decidido, pelo voto do Justice Gray, que o "poder de emitir moeda, atribuir-lhe curso forçado e regular o respectivo padrão é inerente à soberania" (Juilliard x Greenman Case, 1884).

Quando a Constituição atribui competência à União para legislar sobre sistema monetário, confere-lhe, implícita e necessariamente, poderes para criar e extinguir tal ou qual moeda, atribuir-lhe ou retirar-lhe o curso forçado, fixar-lhe o respectivo padrão (poder liberatório pelo qual se processam as transações comerciais e civis), estabelecer regras de conversão da moeda antiga para a nova, seja ao par, seja noutra proporção, inclusive prescrevendo taxas diferenciadas, segundo a natureza dos valores representados na moeda antiga, e dispondo sobre o prazo e as condições, gerais ou diversificadas, para a conversão.

"A estabilidade da moeda deveria estar incluída entre os direitos fundamentais do homem", disse Ludwig Erhard. "E só uma política de estabilização da moeda torna possível que uma classe não enriqueça à custa das outras", afirmava o pai do milagre alemão, Destarte, "não pode o Direito", ensina ainda Maximiliano, "isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica. As mudanças econômicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica".

É oportuno lembrar que, por ocasião da fusão das duas Alemanhas, foi atribuído ao Banco Central da Alemanha Ocidental (Bundesbank) um plano pelo qual até 2 mil marcos orientais, depositados em contas de poupança, seriam convertidos ao par em marcos ocidentais e o restante, assim como o valor de salários e pensões, seria convertido na proporção de dois por um. No mercado livre, a taxa era de cinco marcos orientais por um ocidental.

Além disso, mais de 20 anos são decorridos do advento dos citados planos e seus efeitos estão consolidados, inclusive pelo posterior Plano Cruzado e pelas medidas dos sucessivos governos para combater a inflação e estabilizar a moeda nacional. A par da questão constitucional, matéria publicada pela revista Veja desta semana demonstra que, pelas regras dos planos econômicos, as contas de poupança teriam sido corrigidas abaixo da inflação no mês de implantação de cada plano, mas corrigidas acima da inflação no primeiro trimestre após cada plano. E informa que 2% dos poupadores (mais ricos) concentravam mais de 50% das aplicações.

Os Planos Bresser, na gestão de Luiz Carlos Bresser-Pereira, Verão, na gestão de Mailson da Nóbrega, e Collor, na gestão de Zélia Cardoso de Mello, foram concebidos e elaborados, sob a orientação desses ilustres ministros, por equipes de competentes economistas e técnicos, para eliminar ou reduzir não simplesmente a inflação, mas a hiperinflação que ameaçava a harmonia social, um dos fundamentos da sociedade brasileira, como preceitua, com rara felicidade, o preâmbulo da Constituição de 1988.

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