terça-feira, novembro 12, 2013

A autonomia do Banco Central basta - ANTÔNIO DELFIM NETO

VALOR ECONÔMICO - 12/11

Na frustrada tentativa de dar independência jurídica ao Banco Central do Brasil na manobra da taxa básica de juros (Selic) para manter a expectativa inflacionária, e a taxa de inflação ela mesma, em torno da meta de 4,5%, argumentou-se que a medida seria semelhante à de Tony Blair. Ele tomou posse sob forte desconfiança dos mercados (acostumados ao liberalismo do período Thatcher) e a dissipou instantaneamente concedendo independência ao Banco da Inglaterra.

Salvo melhor juízo de historiador mais informado, o que Blair fez, na sua primeira medida do novo governo, foi retirar o controle da taxa de juros básica do chancellor of the Exchequer (o mais pomposo nome que já se inventou para ministro da Fazenda), para um novo Monetary Policy Committee (MPC), ou Comitê de Política Monetária.

É óbvio que os mercados precisariam ter muita fé, ou muita ingenuidade, para acreditar que um comitê criado pelo governo, cujos membros são nomeados por ele, que trabalha para atingir um objetivo fixado por ele, é independente dele!

Concretamente, o governo (o presidente) do Banco da Inglaterra, e também do MPC, escreveu várias cartas ao ministro da Fazenda explicando os desvios da meta: 1) o aumento do custo da energia; 2) a desvalorização da libra em 2007-08 e o aumento do seu pass-through ; e 3) o efeito da redução do imposto sobre valor adicionado (VAT) de 2,5% de 12/2009 a 12/2010. Tudo muito semelhante a um país que todos conhecemos, com exceção que eles estão hoje com uma inflação de 2,6%, muito parecida com a meta.

O mundo assistiu há menos de dois meses uma guerrilha para a nomeação do novo presidente do Fed (o banco central dos EUA), que deixou Obama numa situação muito delicada. Alguém pode acreditar que ele (ou melhor, ela) será independente, ou mais sutilmente, indiferente ao lado ganhador? Mais severa, por exemplo, com a taxa de desemprego do que com a taxa de inflação? Absolutamente, não. Mas não será para atender a interesses ou por maldade, mas sim porque não existe uma ciência monetária no sentido de ciência dura , em que o universo é relativamente estável e as mesmas ações tendem, em geral, a produzir as mesmas respostas . Seu universo não é ergódico: o futuro é essencialmente incerto, tende a não repetir o passado e, mais ainda, recusa submissão a leis probabilísticas. Trata-se no fundo de um processo de alta complexidade, em que as emergências (as rupturas, as crises) são certas, mas imprevisíveis.

Isso está longe de sugerir que os precários conhecimentos de que dispomos e o aperfeiçoamento de nossos modelos são inúteis. Pelo contrário, eles evidenciam a sua própria necessidade e indicam que devemos ter a maior humildade diante dos terríveis sacrifícios que podemos impor aos pacientes de nossas recomendações.

Entende-se facilmente por que, para os clássicos (Adam Smith, Karl Marx, Marshall, Maynard Keynes, Veblem e outros menores), a economia, se for alguma coisa, há de ser uma disciplina moral , não para apenas fazer o bem, mas para evitar o mal que seus erros podem produzir.

É mais do que claro que as políticas monetárias postas em prática desde a crise do Lehman Brothers apenas evitaram o pior e que o ajuste fiscal que as acompanhou destruiu as finanças dos países cuja administração foi corrompida pela aceitação irresponsável de incentivos aos derivativos financeiros.

Esses instrumentos pareciam estimular o desenvolvimento econômico, enquanto escondiam, atrás de uma sofisticação matemática, consequências macroeconômicas que nem a sociedade, nem os governos e seus bancos centrais entendiam. Elas produziram a maior crise do capitalismo desde os anos 30 do século passado.

A prova disso está nas declarações do pragmático Alan Greenspan (o El-Maestro de 2006) quando declarou, honestamente, em 2011, que talvez tenhamos tido maior crença nos mercados financeiros e nas teorias que o sustentavam do que deveríamos , e na confissão de Ben Bernanke, um teórico reconhecidamente competente, que explorou como ninguém as consequências da crise de 1930 e que disse, em 2013, que estamos navegando sem bússola, em noite escura e mar revolto . As recentes indefinições dos bancos centrais são apenas uma manifestação das incertezas que assombram os formuladores da política econômica em todo o mundo.

É cada vez mais claro que os efeitos do quantitative easing perderam eficiência na margem, mas que retirá-los (o tapering ) não é uma tarefa trivial. O Federal Reserve está enrascado no problema de como realizá-lo sem produzir um terremoto nos mercados financeiros mundiais.

Por outro lado, a política de anunciar o comportamento do banco central ( forward guidance ) não limitada a condicionalidades físicas, mas apenas ao calendário da sua execução, pode apresentar problemas (como é o caso de nossa política cambial).

Em poucas palavras, não precisamos de novidades na política monetária. O necessário é auxiliá-la com uma política fiscal adequada, que se comprometa de forma crível a reconduzir a expectativa da inflação para a meta de 4,5%, num horizonte aceitável. Como ninguém sabe muito bem como fazê-lo, é preciso de disposição firme do governo, muito cuidado e alguma paciência.


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