sábado, outubro 26, 2013

Vendaval - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 26/10

Benjamin Silliman Jr., professor de química da Universidade de Yale, não ganhava bem. Aceitava trabalhos paralelos para ajudar a manter a família. Em um deles, em 1854, pediu US$ 526,08 - cinco mil dólares em dinheiro de hoje - para realizar uma pesquisa fora da escola e explicar as possíveis utilidades do então chamado óleo de pedra. Esse óleo borbulhava nos bosques do noroeste da Pensilvânia. Sua utilidade era produzir remédios.

Era água oleosa, com cheiro forte. Os investidores temiam que seus respectivos nomes fossem ligados à experiência com o misterioso produto. Afinal, o professor recebeu seu dinheiro. Ele percebeu que aquele líquido negro deveria ser utilizado para iluminar ambientes, não apenas como remédios, cujos efeitos eram, esses sim, duvidosos. Seu parecer positivo ajudou que investidores se unissem para iniciar a pesquisar óleo e produzir querosene para as lamparinas. A gasolina, subproduto desprezível, era vendida a 0,10 centavos de dólar e seu excedente jogado nos rios. 

Esse foi o momento inicial da descoberta do petróleo na América, onde ele aflorou nas minas de sal. Nos desertos árabes acontecia coisa semelhante e o líquido negro era utilizado para fazer fogueiras quando o frio atacava as grandes caravanas que cruzavam os areais sem-fim. Mas foi Winston Churchill que percebeu a importância do petróleo e virou uma página na história do mundo. Após debates monumentais, a poderosa Marinha inglesa abandonou o carvão e adotou o petróleo como combustível de seus navios.

Foi o início das grandes guerras, tumultos e conflitos que terminaram por fazer o mundo da maneira que é hoje. A história do Oriente Médio é a história do desenvolvimento do petróleo naquela região. A Venezuela também foi inventada pelo petróleo. O México, que teve importante produção, também figura em destaque nesse mundo. Hitler invadiu a União Soviética em busca do petróleo que jorra no Cáucaso. Os japoneses bombardearam Pearl Harbour para garantir a posse do petróleo existente nas Índias Orientais. Saddam Hussein invadiu o Kwait com o objetivo de se transformar na maior potência petrolífera do mundo. Petróleo significa hegemonia. Poder. Muitos crimes foram cometidos em seu nome. O Brasil está fora desse roteiro pelo simples fato de que aqui nunca ocorreram descobertas em quantidades significativas.

O geólogo norte-americano Walther Link pesquisou o assunto, contratado pelo governo brasileiro, nos anos 1950, e concluiu que não havia petróleo em terra. Foi muito criticado. Deixou, porém, cinco sugestões. São elas: 1) as bacias terrestres brasileiras paleozóicas, como Marajó, Acre, Baixo Amazonas, Médio Amazonas, Paraná e Parnaíba não tinham possibilidades petrolíferas; 2) O mar, e não a terra, é que seria a nova fonte de petróleo e gás natural do Brasil, no futuro; 3) A Petrobras devia investir na prospecção e produção no exterior, desde que houvesse boas condições políticas e geológicas; 4) A bacia terrestre de Sergipe devia ser prospectada nos anos seguintes, de 1961 em diante; 5) Dentre todas as bacias paleozóicas brasileiras, apenas a bacia do Alto Amazonas devia ser prospectada com mais afinco, após aperfeiçoamentos na geofísica.

O governo criou a Petrobras, com o monopólio da pesquisa e do refino, mas todo o combustível era importado. A produção local era mínima. Depois do governo Geisel, a Petrobras começou a prospectar no exterior - encontrou um campo gigante no Iraque - e entrou mar adentro. Foi bater no pré-sal. Foi criado o contrato de risco, que, na realidade, é a admissão de capital estrangeiro no negócio. Na era FHC, a produção aumentou muito; e no governo Lula, o presidente chegou a anunciar a autossuficiência. Não era verdade. A produção está estacionada há alguns anos em torno de dois milhões de barris por dia.

O leilão do campo de Libra, de um só lance, significa modificar tudo o que ocorreu no Brasil até hoje em termos de petróleo. O país poderá ser, nos próximos anos, importante exportador do minério. E grandes somas de dinheiro serão injetadas na economia, milhares de empregos deverão ser criados e novos costumes vão se estabelecer. Tudo isso aconteceu quando os novos países ricos abriram as torneiras do petróleo e receberam a chuva de dólares. O Brasil de agora, cheio de manifestações, preocupado em expor suas vísceras à visitação pública, descobriu a nova fronteira. Os lucros só vão aparecer daqui a uma década. Mas, como a história ensina, petróleo na mão é vendaval.

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