sexta-feira, setembro 20, 2013

Roda das incertezas - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 20/09

O governo sofreu um revés com a desistência de quatro petrolíferas americanas e inglesas do grande leilão de exploração de petróleo de Libra e já havia se decepcionado com o fracasso da concessão da BR-262. Os projetos são atraentes e os investidores estão interessados, mas os improvisos regulatórios têm sido constantes e isso tem aumentado demais os riscos.

A desistência de algumas petrolíferas não significa o fracasso do leilão de Libra. Pelo contrário, há 11 interessadas, mas acende o sinal amarelo: haverá menos empresas privadas no leilão e presença de estatais, como as chinesas. Segundo o consultor Adriano Pires, do CBIE, as privadas têm preocupação maior com o lucro, e isso significa explorar comercialmente o óleo; as chinesas estão mais preocupada em ter acesso às reservas.

No caso das concessões de rodovias, o grupo Planalto, que ganhou o leilão da BR-050, pode até fazer um bom trabalho, mas há chance de que precise de melhores condições de financiamento para tocar a obra. Mas, como ofereceu deságio muito alto, pode ter problemas no futuro. Já houve casos.

Há mais de um ano o governo anunciou com pompas um grande plano logístico e até agora não conseguiu licitar ferrovias, fez apenas uma concessão de rodovia, e o trem-bala ficou para o ano que vem. Em parte, porque o governo desperta nos empresários mais medo do que interesse. Os fundamentos da economia brasileira já não favorecem o investimento e o quadro fica pior com a insegurança causada pelo vai e vem das regras.

O professor Paulo Fleury, do Instituto lios, lembra a mudança às pressas no setor de energia e os prejuízos causados aos produtores de álcool pelo congelamento da gasolina. Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, diz que as manifestações passaram a cobrar maior qualidade dos serviços públicos e que isso exige mais planejamento dos órgãos reguladores e das empresas. Kleber Luiz Zanchim, coordenador do livro "Concessão de rodovias: aspectos jurídicos, econômicos e institucionais" diz que os estrangeiros não conseguem entender tantas mudanças ao mesmo tempo. Felipe Salto, da Tendências, cita a inflação alta, o déficit em conta corrente e a baixa taxa de poupança, que, para o investidor, indica tendência de alta de juros.

— Estamos falando de projetos de 25 anos de duração e o que mais importa é a estabilidade nas regras — disse Fleury.

Paulo Resende enxerga uma equação que não fecha para os empresários: tarifas baixas, serviços de alta qualidade e exigência de se ter algum órgão do governo como sócio.

— O governo acredita que oferecendo empréstimos baratos vai conseguir que o empresário faça tudo que ele queira. Mas o investidor sabe que tem a responsabilidade maior, e a população, nas manifestações, exigiu maior qualidade dos serviços. Isso torna a parceria com o governo mais arriscada. Se o órgão público não cumprir com a sua parte, a culpa recairá sobre o setor privado — disse.

Zanchim cita o caso da BR-262, em que o ministro dos Transportes, César Borges, desautorizou a ANTT, quando esta afirmou que não haveria compensações financeiras para o cáso de atrasos nas obras do Dnit:

— Há um déficit de preparo técnico, pressa na viabilização dos projetos. Às vezes uma autoridade diz uma coisa no Brasil e quando faz o road-show no exterior diz outra. É preciso transparência nas regras.

Tudo isso acontece dentro de um contexto em que a macroeconomia não favorece. O país está com déficit em conta-corrente, inflação alta, baixo crescimento e baixa taxa de poupança. O que pode parecer uma abstração econômica, na verdade, tem um efeito direto sobre o que mais importa para o empresário: a taxa de retorno do investimento.

— Quando o empresário senta para calcular quanto pode ganhar em um projeto, ele olha para o cenário macro e se depara com um quadro ruim. Então, percebe que a Selic pode subir e, por isso, passa a querer maior taxa de retorno. Mas o governo não consegue compreender isso e acha que o empresário está querendo demais — explicou Felipe Salto.

O investimento público está estagnado em 1% do PIB há muitos anos. Sem o setor privado, não será possível executar os projetos que farão o país crescer mais rapidamente. É preciso fazer da maneira que funciona. Não dá para reinventar a roda.

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