segunda-feira, setembro 23, 2013

O ódio como política - JOSE ROBERTO DE TOLEDO

 Estado de S.Paulo - 23/09

Nem prós nem contras. Quem mais perde com a prorrogação do julgamento do mensalão são os "muito pelo contrário". A extensão da disputa moral até 2014 reanima a desgastada polarização PT x PSDB no ano da eleição presidencial. Os candidatos que pretendem mudar a agenda e discutir política ou outra coisa, como Marina Silva e Eduardo Campos, têm mais dificuldade de aparecer.

Marina está no meio do julgamento para registrar seu partido - com boa chance de perder. Campos fez um gesto raro, ao abrir mão de cargos e verbas para disputar o poder maior. Ambos tiveram menos destaque na semana passada do que o playboy que tirou o pé da cova do anonimato ao ameaçar enterrar seu carro predileto.

A disputa política continua rodando em falso, cada lado repetindo as mesmas acusações de sempre. A única diferença é a quantidade crescente de bile a espumar nas timelines.

"A corrupção tem hegemonia no debate político. Um acusa o outro de desonesto e isso dinamita as pontes. O clima de ódio prevalece", diz o filósofo Renato Janine Ribeiro. Se o adversário é ladrão, não é preciso discutir. Basta prendê-lo.

O que era uma sensação difusa se materializa nas redes sociais. Seja o Mais Médicos, seja o voto do ministro Celso de Mello no julgamento dos embargos infringentes pelo Supremo Tribunal Federal: qualquer assunto de interesse político vira um Fla-Flu no Twitter e no Facebook. Não há pontos de convergência, nem campo comum para o debate.

Mapas relacionais elaborados pelo Labic.net (Universidade Federal do Espírito Santo), a pedido do Estadão Dados, mostram uma "guetização" dos contendores. Eles tendem a se isolar em redes próprias, que se autoalimentam e reforçam as próprias convicções. São raras as trocas de mensagem entre os polos.

"A polarização aniquila o debate político. Ninguém muda mais de ideia. As pessoas estão blindadas nas suas convicções." A constatação é do titular de Ética e Filosofia Política da principal universidade brasileira, a USP. Mas Janine Ribeiro não é o único acadêmico preocupado com o ódio na política.

O cientista social Marco Antonio Carvalho Teixeira é professor do departamento de Gestão Pública da FGV-SP. Ele pesquisa democracia, participação social e governo. Na sua opinião, o moralismo afasta as pessoas, ao mesmo tempo que "acirra paixões selvagens". Para ele, a polarização provém de como o debate está posto: "É plebiscitário, contra ou a favor, sem ponderar".

A despolarização é possível?

Teixeira acredita que sim, desde que se troque a exclusividade das acusações pelo debate de propostas. "Marina poderia ser o ponto de equilíbrio, mas depende do contexto de sua candidatura." Esse contexto será muito diferente do planejado pela presidenciável se ela não conseguir o registro da Rede.

Sem um partido para chamar de seu, Marina voltaria a ser refém dos burocratas partidários - o que a levou a renunciar às filiações ao PT e, mais recentemente, ao PV. Sem a Rede, seu discurso eleitoral pala renovação pode cair no vazio.

Em tese, a Rede poderia atrair os desiludidos com a política e despolarizar o debate, afirma Janine Ribeiro. Afinal, compartilham a mesma fala e ideia sobre organização social. "Marina e Eduardo Campos estão disputando o legado do PSDB, que me parece sem projeto. Eles poderiam distender o processo", diz.

Na opinião de Janine, quem não gosta de política não está polarizado. "A esperança pode estar neles", completa. O filósofo está descrente, porém, do sucesso da Rede. Faltam não apenas assinaturas de filiados, mas, na sua avaliação, propostas.

Fica no ar a previsão de Marco Antonio Teixeira: "Quanto mais o mensalão estiver perto da eleição, mais moralista vai ser o tom da campanha". E mais o ódio ocupará o lugar da política.

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