sábado, setembro 21, 2013

Eternos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 21/09

RIO DE JANEIRO - No começo dos anos 60, as prateleiras dos fundos da Livraria Civilização Brasileira, na rua Sete de Setembro, eram uma festa de Livres de Poche --os livros de bolso franceses, de Molière a Ionesco, de Maupassant a Camus, que eu sonhava ler quando dominasse o parlevu. Tudo neles abria o apetite para a leitura: o formato, as capas, os refiles tingidos e, claro, o miolo.

O Livre de Poche, lançado em 1953 pela Hachette, de Henri Filipacchi, está fazendo 60 anos, e descubro com surpresa que, ao surgir, foi mal recebido pelos críticos e livreiros de Paris. Era vistoso demais para os habituados à austeridade dos livros da Gallimard --estes, sim, "sérios", com suas capas tipográficas, sem figuras e, no máximo, um fio vermelho cercando o nome do autor e da editora e o título. E olhe que as capas do Livre de Poche tinham uma origem nobilérrima: era comum estamparem um detalhe de um quadro clássico ou moderno.

Mas não adiantava. Para piorar, os Livres de Poche traziam o pecado original: eram... de bolso. Livros de bolso eram coisa de americano, próprios para science fiction ou policiais vagabundos, não para Flaubert ou Malraux. Lembravam os livrecos populares europeus do século 19, vendidos nas feiras, como os nossos cordéis.

Pois aconteceu que os escritores franceses adoraram se ver publicados pelo Livre de Poche e se saber lidos em aviões, trens, metrôs, salas de espera e até na rua, em edições de grande tiragem e em livros quase indestrutíveis, resistentes a manuseio e transporte. Eu próprio conservo os que comprei na Civilização e tenho também vários dos anos 50, achados em sebos, todos com a cola e as costuras intactas.

Há algo de especial em folhear livros que vêm de décadas ou séculos. O quê, não sei. Mas pode ter a ver com a finitude do homem e a eternidade do livro.

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