domingo, setembro 15, 2013

Derrapagem nas estradas - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 15/09

Leilão do "filé" das rodovias do governo federal começa meio mal, meio bem, mas bem esquisito


FOI BEM ESQUISITO o fracasso parcial da primeira rodada de leilões de concessão de estradas do governo federal. O resultado do leilão, aliás, nem saiu ainda, mas as empresas se interessaram por apenas uma das rodovias que seriam privatizadas na semana que vem, as duas em Minas Gerais, como se soube na sexta-feira.

Ainda na quinta, algumas das maiores empresas do ramo diziam que esta primeira rodada seria bem disputada. Diziam tal coisa ao governo (segundo gente do governo) e a jornalistas (este inclusive). Alguns ponderavam que ainda "estavam fazendo contas", mas a gente sempre ouve essa conversa antes de leilões, até a última hora. As empresas faziam ressalvas fortes só para os próximos lotes de concessões.

Na sexta à noite, ao menos duas empresonas diziam que o leilão da BR-262 (de MG ao ES) fracassou porque a conclusão da obra dependia também do governo, do lendário Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), e devido a "inseguranças jurídicas".

Como o Dnit não inspira confiança, por assim dizer, problemas estatais poderiam colocar as empresas vencedoras da concessão em maus lençóis.

Mas o Dnit estava nessa história fazia tempo. As empresas pediram dezenas de modificações no edital e no programa das concessões. Segundo o governo, até sexta-feira as empresas não haviam "se queixado enfaticamente" do Dnit.

Resumo da ópera: até sexta-feira, não era possível saber quem estava cantando qual ária, nem dava para entender a letra da música. Foi esquisito.

E daí? Qual a relevância dessa possível intriga para o cidadão prestante, que vai pagar o pedágio da estrada (ou não vai pagar, nem vai ter estrada decente)?

Primeiro, é preciso entender o que se passou na sexta-feira. As empresas quiseram dar um recado explícito ao governo, proposital? Foi coincidência ninguém ter entregue propostas para a estrada entre Minas e Espírito Santo? A depender da resposta, a situação dos próximos leilões pode ficar ainda pior. Mas boa, de qualquer modo, não deve ser.

Segundo, ainda que o sucesso dos leilões não salve a lavoura ou nem mesmo a horta da economia, um bom resultado mal não faria. Haveria melhora de ânimo, viria uma lustrada na imagem econômica do país.

Terceiro, era mais ou menos publicamente reconhecido que o governo leiloaria duas estradas "mais fáceis" a fim de fazer propaganda positiva do programa de concessões. Se o governo achava que começava o leilão pelo "filé" e deu o que deu, imagine-se o resultado quando puser na mesa um osso duro de roer.

Quarto, o fracasso parcial pode provocar novos atrasos nas concessões, reabrir conversas sobre os próximos leilões de rodovias. A privatização das estradas é a que parecia mais bem encaminhada. A das ferrovias é uma encrenca só.

Há quem diga que o copo dos leilões não ficou meio vazio: que pode encher. Depois de levar tal "rasteira", o governo pode rearranjar o leilão das próximas rodovias e estudar um modelo de privatização decente para as ferrovias, de resto economicamente muito mais relevantes.

Nota final: no parágrafo final, "rasteira" está entre aspas. Foi um lapso ou ato falho de um representante de grande empresa interessada na privatização das estradas.

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