quarta-feira, setembro 04, 2013

Alta do juro não melhora confiança - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 04/09

O principal argumento do Banco Central (BC) para justificar o novo ciclo de alta dos juros é a necessidade de recuperar a confiança de consumidores e empresários na economia. Essa confiança, diz o BC, foi abalada no primeiro semestre pelo surto inflacionário. O Comitê de Política Monetária (Copom) precisa, portanto, elevar a taxa de juros (Selic) para derrubar o IPCA e, assim, reanimar os agentes econômicos.

No regime de metas, as expectativas de inflação refletem o grau de confiança dos agentes na política econômica. Desde o início do regime, em 1999, toda vez que eles percebem o Copom comprometido com a queda da inflação, as expectativas melhoram, facilitando o combate à carestia. Não é o que está ocorrendo agora.

O BC começou a elevar a taxa Selic em abril. O começo em nada contribuiu para a credibilidade - a instituição sinalizou alta de 0,5 ponto percentual, mas na hora aumentou apenas 0,25 ponto. Nas reuniões seguintes, o Copom acelerou o passo para 0,5 ponto a cada encontro, elevando a Selic de 7,5% para 9% ao ano. E, desde então, vem fazendo um discurso mais duro quanto à necessidade de controlar o IPCA.

Nesse período, o que se viu foi não a melhora, mas a deterioração das expectativas de inflação (ver quadro). Quando o Copom iniciou o ciclo, a expectativa mediana de inflação para os 12 meses à frente estava em 5,56%. Segundo o boletim Focus, no último dia 30, a mediana das projeções do IPCA suavizado já estava em 6,12%.

A tradução dos números em mensagem quer dizer o seguinte: os agentes econômicos não acreditam que o Banco Central vá conseguir reduzir a inflação no período mencionado. Isto significa que, no que depender do IPCA, a confiança continuará sendo mercadoria escassa.

Há várias razões concorrendo para o clima de desconfiança. Uma delas é a inconsistência da política macroeconômica: a manutenção de uma política fiscal expansionista em meio a uma política monetária contracionista. Isto, sem falar na absoluta ausência de credibilidade da política fiscal, fato que continua sendo teimosamente desprezado pelo governo.

Outros fatores contribuem para o descrédito da campanha anti-inflacionária. Quando o Copom começou a subir os juros, já o fez com atraso e em ritmo lento, apesar da deterioração das expectativas. Na sequência, veio o choque cambial, que tornou ainda mais difícil a tarefa do BC. No cenário original, a expectativa era a de que o câmbio ficaria estável ou até apreciaria um pouco até o fim do ano.

Neste momento, o BC corre atrás dos fatos - está atrás da curva, como diz o jargão do mercado. Há menos de duas semanas, estabeleceu um cronograma de leilões de swap e de linha para oferecer hedge e liquidez ao mercado de câmbio. O programa foi adotado para acalmar o ambiente, mas, menos de 15 dias depois, o BC tem ido além do combinado, voltando atuar com discricionariedade. No mínimo, isso revela nervosismo.

O governo, por sua vez, só piora o que já não está bom. Depois de criar uma armadilha - o congelamento dos preços dos combustíveis - que deprimiu os investimentos da Petrobras e fomentou uma gigantesca pressão inflacionária, Brasília sinalizou que, quando a taxa de câmbio parar de subir, o preço da gasolina será reajustado.



A mensagem afeta as expectativas de duas formas. Na primeira, o agente fica sabendo que, lá na frente, quando o preço dos combustíveis subir, a inflação aumentará. Esse mesmo agente fica sabendo também que, quando o câmbio voltar a andar, e isso hoje depende menos do Brasil e mais do que ocorre nos Estados Unidos, os combustíveis terão que ser corrigidos de qualquer maneira.

O reflexo desse desastroso gerenciamento de expectativas aparece na inflação implícita das NTN-B, papel de prazos mais longos do Tesouro Nacional. Preocupados com a escalada dos preços, os investidores procuram títulos que lhes oferecem proteção contra a inflação.

Nas últimas semanas, as expectativas de inflação implícita têm subido rapidamente. Tome-se a NTN-B com vencimento em agosto de 2014. Em meados de julho, a inflação implícita desse papel estava em torno de 5%. No dia 30 agosto, saltou para 6,30%. É curioso que, mesmo nos papéis mais longos, de difícil (ou impossível) estimação inflacionária, a implícita se encontra acima de 6% em todas as modalidades.

O desafio do BC é ainda maior quando se observa que a inflação de preços livres, justamente a que responde à política monetária, está rodando a 8% ao ano. Nos 12 meses acumulados até janeiro, acumulou variação de 7,19%. Nos meses seguintes, subiu, atingindo 8,28% em junho e 7,87% em julho. O IPCA em 12 meses até julho foi de 6,27%. Só não foi maior por causa das inúmeras medidas adotadas pelo governo para segurar os preços administrados (que variaram apenas 1,31% no período).

O cenário pode ser explosivo. O país entrará em período eleitoral em poucos meses, momento em que historicamente medidas impopulares são evitadas; enfrenta um choque cambial cuja intensidade e duração são imprevisíveis; voltou a conviver, ao que tudo indica, com uma economia em franca desaceleração, apesar das pressões inflacionárias. No último boletim Focus, viu-se, pela primeira vez, que a expectativa de crescimento para 2014 já está inferior à de 2013.

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