domingo, agosto 11, 2013

Dizimados e silenciosos - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 11/08

Se tivermos perdido a capacidade de nos chocar com o fato de ver a população de nossas periferias ser dizimada a tiros, o que será de nossa vida social?


Nos últimos dias, a Gazeta do Povo vem revelando histórias e números aterradores. São indicadores de que a criminalidade em Curitiba não só é alta como, em regra, fica impune. A série de reportagens Crime sem Castigo, iniciada no domingo passado, mostrou, por exemplo, que apenas 23% dos homicídios cometidos em Curitiba na última década chegaram à Justiça. Que 50 testemunhas de homicídios foram, elas próprias, assassinadas. Que uma mulher pediu à polícia que não investigasse a morte do marido, por temer que os bandidos voltassem para matar seu filho.

A série de reportagens apresentada ao longo desta semana segue trazendo mais informações que deveriam chocar a todos e a cada um de nós. É mais comum um homicida ser assassinado que condenado judicialmente em Curitiba – o que nos remete à terrível Lei de Talião, em que um olho é pago com um olho. Os números mostram ainda que pouco mais de 4% dos assassinatos cometidos desde 2004 já tiveram sentença condenatória. Justiça tarda e falha.

Espanta perceber, porém, que as revelações não foram suficientes para despertar a indignação coletiva. As histórias de quem passou pela perda de um ente querido, a repercussão dos números em outras mídias, o impacto de manchetes com números impressionantes: a julgar pela reação (ou ausência dela) da sociedade civil organizada e entidades de classe – algumas diretamente ligadas a questões de criminalidade e justiça –, nada disso foi capaz de nos tirar de nossa zona de conforto e de clamar por mais justiça, por uma polícia mais ágil, por um Judiciário mais eficiente.

Uma inércia que nos faz pensar sobre os rumos de nossa sociedade. Recentemente, a indignação coletiva se fez sentir nas ruas do país, com milhões de pessoas exigindo melhorias nos serviços públicos, reclamando de tarifas e cobrando ações do poder público nas áreas de educação e saúde. As jornadas de junho, que começaram em função de um aumento de R$ 0,20 na tarifa do ônibus em São Paulo, levaram muitos a dizer que “o gigante havia acordado”. Seria um sinal de que não deixaríamos mais passar em branco as injustiças em nosso país.

Parece, porém, que esse sonho de cidadania permanece distante. Se tivermos perdido a capacidade de nos chocar com o fato de ver a população de nossas periferias ser dizimada a tiros, o que será de nossa vida social? Não há como lutar por uma sociedade mais justa se não tivermos nem mesmo a vontade de impedir que assassinatos brutais sejam a regra em nossa cidade. Temos o dever de nos indignar em certos momentos. Esse certamente é um deles.

Estaríamos todos tão anestesiados com a violência e com a injustiça a ponto de não reagir mais? Ou estaríamos crendo que é um problema que se resume à periferia e que jamais irá atingir outras camadas da sociedade? Se for esse o pensamento, trata-se de um engano duplamente perigoso. Primeiro, porque, se não tivermos um mínimo resquício de interesse pelos nossos iguais, seremos apenas um punhado de grupos que, por acaso e interesse, coabitam o mesmo espaço, mas jamais teremos o sentimento de comunidade e de pertencimento que é necessário para a evolução de uma sociedade. Segundo, porque é um cálculo arriscado. Nossa indignação não pode ser seletiva.

Um poema de Eduardo Alves da Costa fala desse risco: “Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem; / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada. / Até que um dia, / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada.”

Não é tarde demais. A sociedade civil pode e deve se manifestar sobre o panorama sombrio que se desenha em nossa cidade. Falamos sempre em paz. Chegou a hora de agir para que ela chegue. Qual será a primeira voz a se erguer?

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