sexta-feira, julho 26, 2013

O papel das associações de classe da magistratura - NINO OLIVEIRA TOLDO

ESTADÃO - 26/07

O editorial Espírito de corpo (Estado, 15/7, A3), ao criticar atitude corporativa das associações de classe da magistratura na defesa da aposentadoria compulsória como pena disciplinar, suscita interessante debate sobre o papel dessas entidades. O debate decorre do suposto distanciamento entre os interesses que essas associações representam e os da sociedade brasileira. Um olhar isento sobre a atuação da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), no entanto, revela que suas ações ultrapassam a defesa de interesses exclusivamente corporativos.

A Ajufe - que não deve ser confundida com nenhuma associação regional de juízes federais - é uma instituição com 41 anos de existência e mais de 1.700 associados, dentre os quais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça, desembargadores dos Tribunais Regionais Federais e juízes federais de todo o Brasil. É respeitada no meio jurídico e social, tendo contribuído inúmeras vezes para o aperfeiçoamento das instituições e do sistema judicial brasileiro.

Três bem-sucedidas iniciativas comprovam isso: a instituição dos Juizados Especiais Federais (JEFs), a informatização do processo judicial e a lei que, dentre outras coisas, trata de medidas para reforçar a segurança de prédios da Justiça e dos magistrados.

Foi da Ajufe a iniciativa para que a Constituição federal fosse emendada e, em razão disso, permitida a criação dos JEFs, instalados no País a partir de 2002 (Lei n.º 10.259/2001). Em seus mais de dez anos de existência, cerca de 11,5 milhões de ações foram ajuizadas em todo o País, a maioria relativa a temas previdenciários, envolvendo pessoas idosas e socialmente carentes. Nesse período, mais de R$ 18 bilhões foram pagos em requisições de pequeno valor a beneficiários em todo o País.

Além de ter provocado sua criação, a Ajufe tem buscado o constante aperfeiçoamento dos JEFs. Para isso promove anualmente o Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais, no qual são debatidos temas processuais e aprovadas súmulas e recomendações para o aperfeiçoamento do sistema, como, por exemplo, a que levou à criação de quadro permanente de juízes para as Turmas Recursais (Lei n.º 12.685/2012).

A segunda iniciativa da Ajufe que deve ser lembrada se relaciona ao processo judicial eletrônico. Foi da Ajufe a iniciativa de propor à Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados, em 2001, a informatização dos processos judiciais. Essa proposição veio a transformar-se na Lei n.º 11.419/2006, que é o marco legal do processo judicial eletrônico.

Em 2006, a Ajufe apresentou à mesma CLP anteprojeto de lei que resultou na Lei n.º 12.694/2012, que trata do julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas e dispõe sobre segurança do Poder Judiciário e dos magistrados. Essa lei trouxe para a legislação brasileira o conceito de organização criminosa, até então inexistente.

Outras ações de interesse social também poderiam ser citadas, como, por exemplo, as campanhas Justiça para Todos (2001) - esta defendeu, dentre outras coisas, a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a implementação das Defensorias Públicas -, Sede de Justiça (2004) e Expedição da Cidadania (2009). Em recente audiência com o presidente do STF, a Ajufe e outras entidades de classe da magistratura apresentaram propostas para a valorização, o fortalecimento e o aperfeiçoamento do Poder Judiciário.

Sobre a aposentadoria compulsória como pena, razão do editorial e do debate, a preocupação da Ajufe - assim como das demais associações de magistrados - não é pela manutenção da aposentadoria compulsória, mas pelo respeito ao princípio da vitaliciedade dos juízes. Esse princípio, que estabelece que a perda do cargo de magistrado somente se dá por decisão judicial transitada em julgado, salvaguarda a independência judicial, um dos pilares da democracia, assim como a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.

A vitaliciedade não foi conferida aos magistrados como privilégio pessoal para evitar punições em caso de crimes ou faltas funcionais, mas sim como meio de assegurar a plena independência para o exercício de suas funções. Sem juízes independentes, a quem se recorrerá no caso de violação de direitos?

Sob o argumento da imoralidade da pena de aposentadoria compulsória para juízes que cometam faltas gravíssimas, crescia no Parlamento um movimento pela extinção da vitaliciedade, permitindo-se a perda do cargo por decisão administrativa do tribunal a que o magistrado estivesse vinculado ou do CNJ. O argumento, porém, é equivocado, pois não se deve relacionar vitaliciedade com impossibilidade de punição a magistrados desonestos. Para esses juízes - que desonram o Poder Judiciário - a legislação prevê a perda do cargo, por condenação em ação criminal ou improbidade administrativa.

A aposentadoria compulsória como pena para juízes corruptos não se coaduna com a realidade social atual e por isso será extinta, com o apoio da Ajufe e das demais associações de magistrados. A Proposta de emenda à Constituição (PEC) n.º 53/2011, com o texto substitutivo do senador Blairo Maggi (PR-MT), extingue a aposentadoria compulsória como pena e preserva a vitaliciedade.

É um grave equívoco acreditar que as associações de classe da magistratura tenham apenas interesses corporativos. A Ajufe tem apontado os problemas do Poder Judiciário e apresentado propostas para resolvê-los, assim como tem apoiado e articulado iniciativas que objetivam o aperfeiçoamento do sistema judicial, levando à valorização da magistratura. Diminuir ou menosprezar o papel dessas associações é fazer pouco da nossa jovem democracia.

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