terça-feira, julho 23, 2013

Feijão chinês - XICO GRAZIANO

ESTADÃO - 23/07

Feijão chinês no prato do brasileiro. Sim. Acontece que a safra nacional de feijão, a menor dos últimos 12 anos, fragilizou o abastecimento interno. Os preços subiram e o governo, preocupado com a inflação dos alimentos, suspendeu o Imposto de Importação sobre a leguminosa estrangeira. Caldo sem qualidade.

Faz tempo que o Brasil perdeu a autossuficiência em feijão. Embora pequenas, entre 3% e 5% do consumo interno, as importações têm sido constantes na última década, com viés de alta. Jamais, desde que na escravagista senzala inventaram a feijoada, temperando as tranqueiras de porco, se poderia imaginar que faltaria o rico grão para misturar na farinha de mandioca. Típico do paladar tupiniquim, nenhum povo mais que o brasileiro sente saudades do arroz com feijão quando viaja para o exterior. Concordam?

Embora muito querido, o consumo per capita de feijão mostra-se decrescente. Na década de 1970 os brasileiros ingeriam 18,5 quilos por habitante/ano, quantidade atualmente reduzida para 16 quilos por habitante/ano. Os economistas costumam apresentar o feijão como um produto de "elasticidade-renda negativa", ou seja, seu consumo baixa à medida que a renda das famílias cresce. Vários fatores explicam essa tendência e na urbanização da sociedade se encontra a maioria deles.

Tradicionalmente uma lavoura de subsistência, plantada em pequenas roças perto das colônias rurais, o feijoeiro acabou escanteado pelo êxodo rural, substituído por novos hábitos alimentares. Cozinhar feijão gasta tempo e energia, problema inexistente na época dos preguiçosos fogões a lenha, em que ardia madeira, nas fazendas do interior. Hoje, na cidade grande, nem a presteza da panela de pressão supera a correria do dia a dia. Fora a conta de gás. Diferentemente de outrora, as pessoas agora comem feijão principalmente nos restaurantes, fora de casa. Mundo da comida rápida.

Não é fácil, agronomicamente, produzir feijão. Suas frágeis plantas sucumbem às pragas e doenças - insetos, fungos, bactérias, terríveis viroses - que limitam a lavoura. Sensível também às secas e às geadas, a leguminosa exige, nos dias atuais, muito profissionalismo para vingar boa produtividade. É muito complexa, na verdade, a economia agrária do feijão. Começa por existirem duas espécies vegetais básicas: o feijão comum (Phaseolus vulgaris) e o feijão fradinho (Vigna unguiculata).

Este último, típico do Nordeste, apresenta hábito de crescimento "indeterminado", quer dizer, a planta vai crescendo, florescendo, lançando vagens que amadurecem e são colhidas enquanto outras se formam, continuadamente. Cultivada durante todo o ano, a espécie também chamada de caupi, ou ainda feijão-de-corda, representa cerca de 10 % da produção total. Já o feijão comum, consumido preferencialmente fora do Nordeste, apresenta hábito "determinado" de crescimento, ou seja, após a semeadura a planta desenvolve-se, entra em floração, madura suas vagens e depois entra em senescência. Ciclo curto, colheita única. Mas atenção: existem três modos de cultivo - o feijão "das águas", o feijão "da seca" e o feijão "de inverno". Em cada safra, para cada local de produção, a produtividade cerca-se de várias incertezas. Mercado volúvel.

O tradicional feijão comum ainda se distingue entre diversas variedades, coloridas: preto, rosinha, roxo, pintado, jalo, branco. Na década de 1970 chegou a revolução tecnológica causada pelo feijão carioca, geneticamente aprimorado, mais produtivo. Curiosamente, ao contrário do que se pensa, a novata leguminosa nasceu em São Paulo, mais precisamente nos laboratórios do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), conduzidos pela equipe do pesquisador Luiz D'Artagnan. Seu nome homenageia, pela semelhança de cores, a pelagem de uma raça caipira de porco. Nada que ver com as calçadas do Rio de Janeiro.

O modo de produção antigo, tocado com pouca tecnologia, ainda subsiste, especialmente na agricultura nordestina, mas produz num patamar de baixa qualidade, atendendo apenas aos mercados regionais. Os cultivos de feijão dominantes no Sudeste são marcadamente empresariais. Embora as áreas plantadas sejam relativamente reduzidas, a natureza da produção expressa elevada tecnologia, alto custo, especialização, forte vinculação ao mercado, todos os requisitos da moderna produção no campo. Nada que ver com as roças de subsistência: quem sustenta os trabalhadores da metrópole é o feijão capitalista.

Se estiver faltando feijão no mercado, isso se deve à falta de rentabilidade diante das alternativas de produção. No Sudoeste Paulista, por exemplo, a soja e o milho ocuparam seu espaço. Idem no Paraná. Em Goiás e na Bahia, ademais, a seca prejudicou recentemente as lavouras. Como o grão não configura uma commodity, com oferta consolidada no mercado internacional, as importações são incertas. Apenas a China, quem diria, dispõe de algum estoque, colhido ano passado.

Um paradoxo permeia o campo. O Brasil realizou, nos últimos 20 anos, a maior distribuição de terras conhecida no mundo democrático, repartindo 90 milhões de hectares entre 1,2 milhão de famílias sem terra. Na prática, porém, essa volumosa reforma agrária pouco elevou o nível da produção interna de alimentos básicos. Por alguma razão, nunca devidamente explicitada, os assentados não se dedicaram a produzir o feijão nosso de cada dia. Muita política, pouco resultado.

Final da história: as gôndolas vão incomodar as donas de casa até chegar a nova safra das águas do feijão, daqui a quatro meses, em novembro. Enquanto isso, o consumo contará com a ajuda do feijão chinês, caro e duro, na panela. Falta uma política de autossuficiência alimentar para o feijão brasileiro.

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