sábado, julho 06, 2013

Dilma e a girafa - JOSÉ HORTA MANZANO

CORREIO BRAZILIENSE - 06/07

Faz vários anos, tive um funcionário, gente fina, pau pra toda obra. Às vezes eu tinha de confiar-lhe alguma tarefa mais ingrata, mais maçante. Com tato, eu pedia: "Então, Jorge, você não se importa de fazer isto?". E a resposta vinha, certeira: "Oh, imagine! Fazer isso ou pintar a girafa é a mesma coisa, tanto faz".

Até hoje estou sem saber que diabo era aquela história de pintar a girafa. Mas a mensagem era clara: ao velho Jorge, pago para trabalhar, pouco importava qual fosse a tarefa. Se era para fazer, arregaçava as mangas e fazia. Lembrei-me dele estes dias.

Dois anos e meio atrás, os brasileiros elegeram uma presidente para sua República. Iludidos ou conscientes, bem ou mal informados, ricos ou pobres, poderosos ou dominados, pouco importa a razão da escolha. Dilma foi ungida pelas urnas. Foi ela, mas, tivesse sido outra pessoa, no fundo, tanto faz.

Os tempos absolutistas em que um único medalhão mandava e desmandava sozinho já sumiram na névoa do passado, junto com a guilhotina e a caixinha de rapé. A presidente que temos é essa, e com essa ficaremos. Mesmo poderoso, um presidente não é dono do país nem governa sozinho. Felizmente.

Pensando bem, mais vale ter no topo da República uma personagem menos brilhante, pouco exuberante, nada carismática. Se não é a melhor figura política que o Brasil já conheceu, a presidente atual tampouco é a pior. Tem suas carências, mas quem não as tem? Falta-lhe jogo de cintura, é verdade. Ainda assim, mais vale a rigidez de uma Dilma - ainda que tisnada de rudeza e de rispidez - que a exagerada plasticidade de seu antecessor, dono de uma indulgência que frisava a leniência e que abria caminho para toda sorte de desvios e "malfeitos".

Já vai para quase um mês que a sociedade brasileira está em efervescência. O que querem os manifestantes? O que dizem as ruas? Como deve o governo lidar com essa cena não prevista no roteiro original? Dizem que ninguém sabe ao certo por que os manifestantes manifestam. Não sejamos hipócritas. Sabemos bem o que querem. Querem o que queremos todos. Exatamente aquilo que está escrito bem no meio da bandeira verde-amarela: ordem e progresso.

Queremos um país em que os representantes do povo exerçam seu papel com seriedade. Queremos que a bandalheira deixe de ser a regra e volte a ser exceção. Queremos que malfeitores sejam punidos. Queremos que condenados cumpram suas penas. Queremos que enfermos sejam atendidos com dignidade. Não queremos ser república de bananas nem fazer parte do sinistro clube de países autoritários, sanguinários, populistas, irrelevantes. Queremos ordem. Uma vez instalada, o progresso fluirá naturalmente.

Não precisamos de plebiscitos para nos distrairmos. Nosso país reclama um gesto forte e imediato, um sinal claro que indique uma guinada real na governança. Nosso regime não permite à presidente destituir parlamentares. Mas ela pode, sim, demitir ministros. A nomeação (e a exoneração) de auxiliares diretos é prerrogativa pessoal da mandatária.

Sabem todos que Dilma Rousseff não faz parte do clube dos corruptos. Aliás, sua popularidade foi às alturas quando, de uma vassourada, mandou meia dúzia de ministros plantar batata.

Para grandes males, grandes remédios. Se ela quiser resgatar sua imagem - que se esfarela dia após dia - só lhe resta um caminho: exigir que todos os titulares de seu inchado corpo ministerial apresentem sua demissão. Todos, sem exceção. Ninguém poderá dizer que foi demitido, as aparências serão salvas e estará feita a tábula rasa. O sinal enviado à nação será tremendo. Todos entenderão que, por fim, a presidente realmente ouviu a voz das ruas e está disposta a recomeçar com o pé direito.

Para seguir a lógica até o fim, Dilma deverá escolher os novos titulares não mais por afiliação partidária ou por apadrinhamento, mas pela competência. Pisará o pé de muita gente, mas, é certeza, mostrará sua coragem, vencerá a parada.

E o Congresso? E a base aliada? Vão todos desertar? Ora, que bobagem. A grande massa de nossos representantes funciona na base da cooptação e de seu corolário, o medo. O pavor de não serem reeleitos é maior que qualquer ideologia. Todos se bandearão para o lado vencedor. Qual dos representantes ousará contestar a audácia da presidente?

Em vez de pintar a girafa ou de planejar plebiscitos, dona Dilma deveria assumir com firmeza as rédeas do governo. Pulso, intrepidez e energia não lhe faltam. Que diga adeus a gurus, marqueteiros e messias. Seguindo essa via sem tergiversar, apaziguará as ruas e garantirá sua reeleição.

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