terça-feira, julho 16, 2013

A destruição da credibilidade das contas públicas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/07

Além de dividendos de estatais não serem o ideal para compor superávits, a formação deles está sob suspeição, devido à injeção de bilhões do Tesouro nas empresas



Qualquer sociedade desenvolvida, ou que pretenda se desenvolver, se sustenta em alguns poucos princípios serem seguidos sem concessões. Entres eles, o respeito ao direito de propriedade, segurança jurídica e estabilidade política. É fundamental, também, a credibilidade dos poderes constituídos. No que se refere ao Executivo, o requisito da credibilidade é crucial, por exemplo, na condução da economia, e, em especial, na comunicação com a sociedade. Daí, o que vem acontecendo, com a demolição da credibilidade dos números das contas nacionais, ser algo de extrema gravidade, capaz de prejudicar tomadas de decisões de investidores e, assim, sabotar a própria retomada do crescimento.

Reportagem do GLOBO de domingo deu a dimensão do efeito da técnica de “contabilidade criativa” aplicada para transferir a instituições financeiras estatais bilhões arrecadados no lançamento de títulos do Tesouro — dívida pública, portanto — e que retornam na forma de pagamento de “dividendos”, para maquiar o superávit primário, um termômetro da solvência pública. Não bastasse a receita de dividendos, por instável, não ser a ideal na composição de superávits fiscais, a maneira como eles são gerados está sob suspeição. O BNDES tem sido o banco estatal mais usado na “contabilidade criativa”, neste mágico vaivém de recursos que converte dívida em receita primária. Eis por que o mercado acompanha cada vez mais a evolução da dívida bruta, pois estas operações não aparecem na líquida. E ela se aproxima de elevados 70% do PIB, à razão de um ponto percentual por ano, desde 2008.

A Caixa Econômica também é parte da ciranda. No ano passado, embora obtivesse um lucro de R$ 6,4 bilhões, remeteu R$ 7,7 bilhões em dividendos para o Tesouro — que, por sua vez, se endividou para “capitalizar” a CEF. A mesma discrepância entre lucros e dividendos transferidos para Brasília ocorre no BNDES: R$ 8,1 bilhões lucrados em 2012 para dividendos de R$ 12,9 bilhões. Alega-se que lucros retidos de exercícios anteriores fazem as cifras das remessas subir. Ora, esvaziar a única fonte de financiamentos a longo prazo do país, quando a economia necessita de investimentos, é, no mínimo, um contrassenso. Estudo do Instituto Brasileiro de Economia, Ibre, da Fundação Getúlio Vargas, calcula em 38% a queda do patrimônio do BNDES, entre março de 2011 e março de 2012, segundo “O Estado de S. Paulo”. O banco explica a erosão pela queda da Bolsa. Então, que se paguem menos dividendos.

O objetivo da “contabilidade criativa” e da pressão em geral por mais dividendos é mostrar uma realidade de contenção fiscal que não existe na vida real. Ao contrário, até se criam futuros “esqueletos” (dívidas e rombos ocultos nas contas públicas) no circuito do setor elétrico, desestabilizado pela intervenção atabalhoada do Planalto no corte da tarifa. O ex-ministro Delfim Netto tem razão na irritação crescente com as mágicas em curso no embonecamento das contas públicas.

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