sexta-feira, junho 14, 2013

Acordes e ruídos entre governo e mercado - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 14/06

Distante do nervosismo dos mercados nas últimas semanas - onde dois dos principais preços da economia, câmbio e juros, estão em altíssima volatilidade - o ambiente no Palácio do Planalto é de relativa tranquilidade. Analistas, gestores e operadores, sob adrenalina, fazem suas apostas, desvalorizam ou apreciam o real, sobem as taxas de juros curtas, longas, e tentam compreender os sinais emitidos pelo governo. Perdem, ganham.

Nos preços estão as mensagens dos agentes de confiança ou desconfiança no país, na política econômica, no governo. São turbulências que nem sempre chegam às proximidades do andar presidencial. É comum ouvir de interlocutores da presidente Dilma Rousseff que o governo não é refém da agenda do mercado.

Nos últimos dias as inquietações que alcançaram o gabinete de Dilma foram focadas na necessidade de o governo dar um sinal forte e crível de que a política fiscal não está descontrolada e de que há uma meta clara de superávit primário a cumprir, como ocorre desde 1998. Fontes oficiais, depois de reuniões da presidente com seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegaram a anunciar que poderia haver medidas fiscais nesta semana.

O motivo para a urgência de um posicionamento da presidente sobre a política fiscal foi a decisão da agência de rating Standard & Poor"s de mudar a sinalização do Brasil de "estável" para "negativa". Embora isso ainda não signifique que Dilma está enterrando o "grau de investimento" que o ex-presidente Lula conquistou em 2008, a mudança é a antessala de um eventual corte no rating do país. As razões da agência foram o baixo crescimento econômico, a alta inflação e os frouxos compromissos com o rigor nas contas públicas.

A partir daí o governo resolveu informar os rumos da política fiscal. Mantega assumiu compromisso com a meta de superávit primário de 2,3% do PIB este ano. Foi um avanço. Até então nem meta havia. Ele terá que esclarecer onde vai cortar- ou que receita adicional vai buscar - para cumprir a meta que requer um esforço fiscal adicional de cerca de 0,4% a 0,5% do PIB. O anúncio das providências, ao que tudo indica, foi adiado para melhor avaliação, mas não descartado. E não seria coerente divulgar cortes de gastos na semana em que Dilma aprovou R$ 18 bilhões para os mutuários do Minha Casa, Minha Vida comprarem eletrodomésticos com financiamentos baratos.

Em pronunciamento esta semana, ela também assegurou: "A situação real em que o Brasil vive é de inflação sob controle, contas públicas sob controle (...) não há a menor hipótese que o meu governo não tenha uma política de controle e combate à inflação. Não há a menor hipótese". A fala da presidente e a meta de Mantega foram consideradas por assessores uma resposta firme aos temores do mercado, que chegou a contar com aumentos de 0,50 ponto percentual dos juros nas próximas quatro reuniões do Copom. Assim a Selic voltaria a dois dígitos, 10% ao ano, às vésperas da campanha eleitoral.

Governos erram e acertam. No afã de fazer uma política fiscal anticíclica - expansionista para dar impulso ao crescimento - abriu-se, no Tesouro, um duto interminável de endividamento em títulos como solução para todas as demandas. Politizou-se a taxa de juros, um instrumento eficaz de combate à inflação, criando a noção de que a Selic só poderia se mover para baixo. Permitiu-se que o BC caísse em descrédito, tornando mais custosa para o BC a missão de controlar a inflação. Fez-se uma desvalorização forçada do real no ano passado, em nome da indústria, que ajudou a pressionar os preços, já em ascensão por um choque nos alimentos. Esses são alguns exemplos de equívocos.

Fragilidades já existiam quando o governo começou. O aumento do salário real sem correspondência no aumento da produtividade, a agregação de milhões de consumidores sem a necessária expansão da oferta, a acelerada expansão do crédito para alavancar o consumo, que produziu elevado endividamento das famílias e maior inadimplência. Tudo levando a um crescimento insustentável de 7,5% em 2010, que teria que ser corrigido em 2011.

Houve acertos. Medidas prudenciais do início de governo esvaziaram bolhas que se formavam. Conteve-se a expansão do crédito e foram introduzidas restrições ao fluxo de capitais que enxugaram os ingressos de dólares de curto prazo. O balanço de pagamentos tem um déficit em conta corrente mais elevado do que no passado recente, de 3% do PIB, mas não é financiado por capitais voláteis. Numa virada importante da política de investimentos, o governo retomou os projetos de concessão e, estica e puxa, vai se chegando a um modelo com retornos mais atrativos para o setor privado.

Nesse momento, o Federal Reserve (banco central americano) prepara a redução dos estímulos monetários que desde 2008 injetaram cerca de US$ 3,4 trilhões no mundo. Menos liquidez e o esperado aumento dos juros pelo Fed estão produzindo um brutal deslocamento de capitais do resto do planeta para a economia americana. O dólar se valoriza e a taxa de câmbio, aqui, muda de patamar. Difícil dizer se vai parar em R$ 2,30, R$ 2,50 e se será uma depreciação real. É um presente para a parte do país que exporta e um corte do salário real que cresceu acima das possibilidades.

O mundo está em profunda mudança. A China desacelera, acabou o "boom" das commodities e os benefícios dos bons termos de troca. Alguém já deve ter dito que não cabe ao governo marcar sua política a mercado, mas é um desperdício não aproveitar as informações que ele traz para melhor proceder a esse novo ajuste. Ben Bernanke, presidente do Fed, pode acalmar os mercados em relação ao aumento dos juros na entrevista que concederá na próxima semana. Se fizer isso, Dilma pode ganhar tempo para ajeitar a casa.

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