domingo, maio 05, 2013

Uma proposta para a maioridade penal - ELIO GASPARI

O GLOBO - 05/05

Pode-se evitar a polarização fixando-se a maioridade penal a partir de segundo crime de adolescente


Vinte e seis estados americanos têm leis conhecidas pelo nome de "Três chances e você está fora" ("Three strikes and you are out"). De uma maneira geral funcionam assim: o delinquente tem direito a dois crimes, quase sempre pequenos. No terceiro, vai para a cadeia com penas que variam de 25 anos de prisão a uma cana perpétua. Se o primeiro crime valeu dez anos, a sociedade não espera pelo segundo. O sistema vale para criminosos que, na dosimetria judiciária, pegariam dois anos no primeiro, mais dois no segundo e, eventualmente, seis meses no terceiro.

Essa versatilidade poderia ser usada no Brasil para quebrar o cadeado em que está presa a sociedade na questão da maioridade penal. Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 93% dos paulistanos defendem a redução da maioridade para 16 anos. De outro lado, alguns dos melhores juristas do país condenam a mudança. É verdade que a população reage emocionalmente depois de crimes chocantes, como o do jovem que matou um estudante três dias antes de completar 18 anos, mas essa percentagem nunca ficou abaixo de 80%.

Seria o caso de se criar o mecanismo da "segunda chance". A maioridade penal continuaria nos 18 anos. No primeiro crime, o menor seria tratado como menor. No segundo, receberia a pena dos adultos. Considerando-se que raramente os menores envolvidos em crimes medonhos são estreantes, os casos de moleza seriam poucos. O jovem que matou o estudante Victor Hugo Deppman depois de tomar-lhe o celular já tinha passado pela Fundação Casa por roubo. O menor que queimou viva a dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza também era freguês da polícia. Estariam prontos para a maioridade penal.

MENSALEIROS

É divertido o imaginário jurídico dos mensaleiros.

No mundo desses comissários, os deputados José Genoino e João Paulo Cunha, condenados pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, devem continuar no exercício de seus mandatos, com assento na Comissão de Constituição e Justiça.

Já o ministro Joaquim Barbosa, que não mexeu em dinheiro alheio, deveria ser afastado da função de relator dos recursos que apresentaram à corte.

Tudo de acordo com as leis, regimentos e portarias.

ESTÁDIO HAVELANGE

Tendo renunciado à presidência de honra da Fifa depois da comprovação de que ele e seu ex-genro, Ricardo Teixeira, receberam indevidamente R$ 45 milhões de uma empresa de marketing, João Havelange podia pedir ao prefeito Eduardo Paes que trocasse o nome do estádio do Engenhão.

Isso poderia ser feito discretamente, dizendo-se que o novo nome será o de um atleta, escolhido pela população.

É isso ou fazer com que o Rio da Copa tenha um estádio com o nome de um grande cartola apanhado num lance de corrupção. Persistindo, a homenagem vira urucubaca para Havelange, para a cidade e para o país.

PT EM SÃO PAULO

Pelo andar da carruagem, Lula está estudando as nuvens da sucessão paulista.

Se achar que corre riscos, seu candidato será o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Se achar que tem força suficiente para ganhar, como a teve elegendo Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo, o candidato será Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo. Do contrário, poupa-o.

APAGÃO

Em 1964, o Estado chinês mandou o jovem Chen Duqing estudar português. Ele viria para o Brasil, mas a ditadura suspendeu qualquer tipo de relação com Beijing. Chen foi para a colônia portuguesa de Macau e, 43 anos depois, chegou a Brasília como embaixador do seu país, tendo vivido em São Paulo como cônsul. Falava a língua da terra com perfeição.

Jamais um embaixador brasileiro na China conseguiu entender o noticiário da televisão. Em 2008, o Itamaraty não tinha um só diplomata fluente em mandarim. Nem intérpretes qualificados, pois quatro anos antes um tradutor arruinara um discurso do presidente Hu Jintao em Brasília ao confundir "comércio" com "investimento".

A China é hoje a segunda maior economia do mundo e o maior parceiro comercial de Pindorama. Num país onde o governo fala frequentemente em estratégia, esse apagão é inexplicável. No mundo privado, basta perguntar quantos grandes empresários sabem o nome de cinco cidades chinesas ou de cinco políticos vivos.

Quem achar que convém encarar essa lacuna pode unir o útil ao agradável baixando um e-book intitulado "The Rise and Fall of the House of Bo" (Ascensão e Queda da Casa de Bo"), do jornalista australiano John Garnaut.

Com 86 páginas, é um passeio pelo poder da aristocracia dos netos de comunistas e pela vida do andar de cima dos companheiros. Tudo isso com uma narrativa que mistura política, milionários, crime e uma mulher ambiciosa. Ele conta a história de Bo Xilai, o mandarim destronado em 2012 depois que sua mulher, Gu Kailai, matou um espertalhão inglês. Está no site da Livraria Cultura por R$ 5,79.

A FALTA DE SORTE DOS SÁBIOS DA KPMG

Para quem acredita na condição oracular dos sábios das grandes empresas de consultoria e auditagem internacionais, a KPMG trouxe mais uma má notícia. Ela acompanhava as contas do banco Cruzeiro do Sul e não percebeu um buraco de R$ 3,1 bilhões. Trata-se de uma das cinco maiores empresas do setor, operando em 130 países.

Essas companhias geralmente têm dois braços. Um faz análises e o outro examina balanços, dando-lhes credibilidade. Eles não se misturam, mas o oráculo da KPMG opina sobre carga tributária, parcerias público-privadas, produtividade da industria automotiva e grau de corrupção dentro das empresas brasileiras. Quase sempre suas análises são reveladoras. Desde 1996 o braço auditor da KPMG frangou maracutaias nos balanços dos bancos Boavista, Nacional (fraude de R$ 9 bilhões) e Panamericano (R$ 4 bilhões). Neste ano foi a vez do Cruzeiro do Sul, com um rombo de R$ 3,1 bilhões. Por causa da distração, a empresa negociou um acordo com a Comissão de Valores Mobiliários e aceitou pagar uma multa de R$ 1 milhão para encerrar o processo que a Viúva lhe moveria.

Desde a crise financeira americana os oráculos dos consultores estão sob suspeita. Lá a KPMG e outras grandes empresas pagaram multas muito maiores por frangarem maracutaias. No Brasil, todo mundo ganharia se cada previsão macroeconômica dos sábios viesse acompanhada de um registro de seus enganos em macromutretas microeconômicas. Um dos chefes do serviço de fiscalização da KPMG já disse, com razão, que a corrupção em empresas privadas brasileiras come até 5% de suas receitas. Faltou acrescentar a taxa de toxicidade de suas próprias auditorias em bancos quebrados. No caso do Nacional, a KPMG auditava suas contas há duas décadas, e a fraude, quando foi descoberta pelo Banco Central, já tinha dez anos.


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