terça-feira, maio 14, 2013

O samba dos juros - ANTONIO DELFIM NETTO

Valor Econômico - 14/05

O bem apetrechado jornalista Alex Ribeiro acaba de prestar um excelente serviço à transparência do Banco Central e à compreensão do seu papel na formulação da política monetária. Publicou no fim de semana neste jornal um magnífico artigo sobre a versão tropical de um modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral (DSGE) desenvolvido pelo Departamento de Estudos e Pesquisa do Banco Central (Depep), sob o nome assustador de "modelo Analítico Estocástico com uma Abordagem Bayesiana", mas que, com uma ponta de ironia, é conhecido pelo codinome de Samba...

O Depep emprestou ao Banco Central seu atual presidente, Alexandre Tombini, que participou dos estudos preliminares do sistema de "metas de inflação" e o atual diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo. Isso mostra a sua importância. Concordo com a afirmação do competente e atualizado professor da FEA/USP, Fábio Kanczuk, que "com o Samba, o Depep deu um salto. Não deve nada a seus pares". Ele foi tornado público em abril de 2011, mas só deu samba, efetivamente, quando foi mencionado numa ata do Copom, em setembro, no momento em que se afrouxou a política monetária, porque o Samba apontava uma deterioração do ambiente externo muito maior do que era avaliado pelos analistas do setor privado. Não faltou, entretanto, quem criticasse tal ação como "oportunismo".

Os modelos são a forma natural de organizar o pensamento dos economistas. Os chamados DSGE usados a partir de 2000 são um importante avanço sobre outros modelos macroeconômicos, mas não são ainda explorados nos livros textos que até hoje dominam o ensino da disciplina. Para dar um exemplo, na 6ª edição publicada em 2012, do clássico livro de Olivier Blanchard (agora acompanhado de David Johnson), "Macroeconomics", ele recebe na página 496 apenas uma curta definição no glossário ("macromodelos derivados da otimização pelas empresas, consumidores e trabalhadores") e uma referência no epílogo histórico (página 569): "Nos anos 80 e 90 do século passado havia uma discussão acalorada entre os economistas "neoclássicos" e os "novos keynesianos"... Do lado de fora e - às vezes - do lado de dentro, a macroeconomia parecia mais um campo de batalha do que de pesquisa. Em torno de 2000, contudo, parecia emergir uma convergência... Um bom exemplo foi o desenvolvimento de um modelo "novo keynesiano" que envolvia a maximização da utilidade e do lucro, expectativas racionais e certa rigidez nominal. Esses modelos mostraram-se extremamente úteis e influentes no redesenho da política monetária. Eles são agora os modelos DSGE utilizados normalmente ("standard work horses") por muitos bancos centrais." Tinha razão, portanto, o professor do Ângelo Marsiglia Fasolo quando lhe disse, no primeiro dia de aula, "que teria de dominar os modelos DSGE para concluir seu doutorado".

O próprio Fasolo, na matéria de Alex Ribeiro, afirma que o "DSGE não é um monstro, já é uma técnica comum na academia". Há controvérsia! Se ele não é um monstro, o que ele é? Na definição do economista Robert Solow, "o DSGE é um modelo no qual um único agente imortal, consumidor, trabalhador e proprietário do capital maximiza uma função aditiva de utilidade, num horizonte de tempo infinito, com a perfeita percepção do futuro, isto é, com expectativa racional, num ambiente institucional e tecnológico que favorece a concorrência perfeita".

Como ensina David Colander ("Macroeconomics", 8ª edição, 2010), o agente representativo do modelo DSGE deseja consumir o mais possível, trabalhar o menos possível e decidir como manejar o "trade-off" entre consumo e trabalho durante sua vida infinita. A rigor, a imposição de sua imortalidade não é uma necessidade, mas sem ela, a matemática do modelo fica intratável... Para ser justo é preciso reconhecer que o modelo DSGE recebe aperfeiçoamento continuado da intensa pesquisa que se realiza na academia e em quase todos os bancos centrais. Ele é suficientemente flexível para incorporar o setor financeiro da economia, intrínseco ao modelo original de Keynes de 1936, juntamente com a incerteza absoluta sobre o futuro, mas perdido na simplificação didática que ainda frequenta os livros textos.

É possível desenvolver uma crítica minuciosa a cada hipótese que sustenta o DSGE, mas ele é um avanço considerável sobre os modelos alternativos. Tais críticas estão criando a oportunidade para a construção de modelos que incorporam a complexidade das relações entre os agentes, os chamados ACE ("agent-based computational economics"), sobre os quais há novas esperanças.

A maior dificuldade com os modelos DSGE é que eles não se prestam às simplificações geométricas dos antigos modelos que tornaram compreensíveis as políticas ativistas que continuam a entusiasmar certos economistas. E sua maior virtude é mostrar que "as expectativas" são fundamentais, o que significa: 1º) levar em conta a reação dos agentes às manobras da política econômica. Eles são mais espertos do que se costumava supor; 2º) que a credibilidade da política econômica é fundamental para que ela estimule a realização do seu objetivo; e 3º) que "regras" parecem ter alguma vantagem sobre políticas discricionárias.

Mas todo cuidado é pouco. O desenrolar da economia não parece ser um processo ergódico. Sem suas implicações (o equilíbrio deve ser independente das condições iniciais) como sugeriu Samuelson ("Classical and Neo-Classical Monetary Theory", Canadian Journal of Economics, 1(1)1968: 1015), a teoria econômica não se esgota na matemática. Precisa da história.

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