sábado, maio 25, 2013

Inimputáveis? - SÉRGIO MAGALHÃES

O GLOBO - 25/05

A cidade teve muitos de seus melhores espaços públicos desqualificados pela invasão rodoviarista, no Centro, na orla, nos bairros



Acidentes que se multiplicam, veículos com centenas de infrações, multas não pagas, carros sem conforto — são tantas as queixas sobre os ônibus que é justo indagar: eles são inatingíveis? Cobrado, diz o presidente da Federação das Empresas de Transporte: “O Rio cresceu sem planejamento.”

As cidades modernas, resultantes da industrialização, tornaram-se grandes cidades quando o sistema de transporte coletivo foi capaz de transportar amplos contingentes. Elas se apoiaram no transporte rápido, nem sempre subterrâneo, em geral sobre trilhos. Londres inaugurou o metrô nos anos 1860; Paris, em 1900.

Ao contrário do que se diz, o Rio cresceu bem estruturado — pelo transporte e obedecendo à geografia. Quando a cidade precisou se expandir para além da área que hoje chamamos de Centro, ela o fez apoiada pelos trilhos. Na Zona Norte, ampla e larga, ainda no século XIX construiu as linhas ferroviárias suburbanas. Na Zona Sul, área restrita, foram os bondes que orientaram o crescimento. Os bondes ainda interligavam as ferrovias, em delicados percursos. Era uma boa estrutura.

Mas, nos anos 1960, as cidades brasileiras foram levadas a desmobilizar o modo sobre trilhos, adotando o modo rodoviário (implantava-se a indústria automobilística). Para o Rio, cidade então mais bem estruturada do País, urbanisticamente, foi uma hecatombe. Não modernizou os trens, que se degradaram, e fez um metrô peculiar: isolado das ferrovias, uma só linha, ao invés de uma rede. Apostou no ônibus e no carro. Nem o ônibus é adequado para grandes percursos, nem o carro o é para grandes contingentes. Assim, entre as cidades brasileiras, no Rio é maior a percentagem de pessoas que gastam de uma a duas horas na viagem casa-trabalho (ANTP, 2011).

A cidade teve muitos de seus melhores espaços públicos desqualificados pela invasão rodoviarista, no Centro, na orla, nos bairros. A dupla automóvel-ônibus é gulosa por território; quando imposta hegemonicamente a tecido urbano preexistente, rompe a escala dos lugares, inibe a relação cidadão-cidade, exclui alternativas de mobilidade.

Não, o Rio não cresceu sem planejamento. A cidade teve imposta uma troca modal em desacordo com sua estrutura. Está em tempo de reconhecer o erro (a indústria automobilística já é forte). O rodoviarismo ainda pressiona para transformar todo tecido urbano em área de passagem.

O Rio precisa redesenhar sua mobilidade em sintonia com suas estruturas urbanísticas. Onde a urbanização é estruturada pelo automóvel, como na Barra, adequando-se a esse modal; mas, no sistema metropolitano e na Zona Norte-Zona Sul-Centro, dando ênfase a modos de alto rendimento, tipo metrô em rede e transformação dos trens em metrô.

A indefinição político-institucional da cidade metropolitana certamente responde pela ausência de respostas. É inércia que há décadas penaliza a população.

Todos os modos de transporte têm o seu lugar. Mas não é por reconhecermos sua óbvia inadequação como principal modo de transporte da metrópole que os ônibus se tornam inimputáveis.

A propósito: Há melhor sintonia com a estrutura do bairro que o bondinho em Santa Teresa? Quando voltará?

2 comentários:

Dalmo Marques disse...

Interessante o adjetivo Inimputáveis, nunca havia pensado nisso para o sistema de ônibus.
Porém o que está errado é o sistema de planejamento e gerenciamento das linhas de ônibus.
Eu que não sou um especialista sob holofotes, já entendi o que precisa mudar, mas, os teóricos fazem muitas teses para angariar títulos e o que devem elaborar para arrumar uma solução fica no segundo plano ou talvez no terceiro, quarto....
Os Técnicos vão à Curitiba olham o sistema de ônibus e só enxergam a obra, os corredores, não dá para ver o gerenciamento e o planejamento, que são o coração daquele sistema. É assim em todas a cidades grandes (São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e etc) não escapa uma diria que nas pequenas com menos de 100 mil habitantes também.
Que voltem os Bondes e principalmente o de Santa Teresa. Os bondes são sinônimo de menos anarquia no trânsito, menos poluição, menos acidentes e por aí vai.
Dalmo

Otniel Cabral disse...

Antes de ler o q Sr. Dalmo disse estava justamente pensando em Curitiba...cidademodelo, Jaime Lerner....mas, infelizmente, Curitiba, Sr. Jaime Lerner e quem mais de direito, se dobraram ante a hegemonia VOLVO....O que eles precisam é convencer, FORD,FIAT, VOLVO e outros mais a produzirem material ferroviário aqui com nosso minério e mão de obra local. Basta observar q o modo de transportes urbano de todas as matrizes rodoviárias daqui...é ferroviário ou hidroviário...
Trata-se, sem sombra de dúvida, de tremenda subserviência nossa.
Atualmente existe recursos p se implantar vias elevadas com mínimo de retenção, a baixo custo. No caso do Rio de Janeiro, poder-se-ia substituir no mínimo uns 60% do ônibus q trafegam pelas avs. Washington Luis, Brasil, Pres. Dutra....em percursos de aprox. 70 kms...cada...além de tornar mais eficientes as linhas férreas já existentes e obsoletas (dormentes de madeira ainda!!!!Trilhos super desgastados...ou seja, fala-se em trens novos..mas p rodar em um leito ferroviário ultrapassado.
Tudo cheira a corrupção, pois não acredito em tamanha incapacidade da nossa liderança - q tira férias na Europa, Ásia.....Participa de tantas convenções internacionais....ou basta navegar na web....
O 'gigante' precisa acordar e sair do tal berço esplêndido, afinal, para caminhar de preferência....sobre trilhos, pelos rios e mar - o grande mar do Amyr K.
Abraços/O.Cabral