sábado, abril 13, 2013

Presente de grego - ABRAM SZAJMAN

O Estado de S.Paulo - 13/04

O Brasil é campeão mundial de encargos trabalhistas. Aqui, a contratação legal de um trabalhador gera despesas superiores a 100% do salário nominal, um custo que nos EUA não chega a 10%. Por essa razão, é reivindicação antiga e comum a empresas de todos os portes e dos diferentes segmentos da economia a desoneração da folha de pagamentos, medida que pode alcançar efeitos benéficos de caráter estrutural, como a redução dos altos índices de informalidade e do chamado custo Brasil, com a consequente melhoria da competitividade dos produtos que exportamos.

Na atual e difícil conjuntura por que passa o País, acossado pela crise financeira internacional, pelo crescimento medíocre do PIB nos últimos dois anos e pelo recrudescimento da inflação, a desoneração anunciada no final de 2012 pelo governo de Dilma Rousseff cumpriria, ainda, um papel importante de estímulo ao crescimento econômico e de auxílio ao controle dos preços.

Ocorre que o foco do programa proposto recaiu sobre a troca da cobrança dos 20% para o INSS que incidem sobre a folha por alíquotas de 1% a 2% sobre o faturamento bruto. O enorme cavalo de madeira, colocado na praça das empresas sitiadas por uma carga tributária asfixiante, parecia, à primeira vista, tão vistoso e atraente como aquele deixado pelos gregos para os troianos.

Assim como na narrativa épica, porém, o presente escondia uma armadilha, por tratar de maneira igual um universo empresarial desigual por sua própria natureza. Um exame preliminar feito por entidades representativas dos setores em tese beneficiados logo levantou a seguinte questão: o que aconteceria com aquelas empresas de quadro funcional enxuto, para as quais a folha de pagamento representa parcela reduzida da sua receita total?

A resposta, traduzida em estudo divulgado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), revelou que a nova fórmula só representaria benefício efetivo para as empresas cujas folhas significassem mais de 5% do seu faturamento bruto. Em outras palavras, pelas regras atuais, uma companhia cuja folha seja de 4% em relação a um faturamento de R$ 100 mil e que desembolsa hoje R$ 800 de contribuição previdenciária teria o tributo não reduzido, mas aumentado para R$ 1 mil.

Com o exemplo citado, salta aos olhos que as Medidas Provisórias (MPs) 582, que desoneraria a indústria, e 601, destinada a beneficiar o comércio varejista, precisariam de emendas que tornassem a troca facultativa. Em outras palavras, empresas que buscam aumento sistemático de produtividade do trabalho por meio de uma gestão de recursos humanos que possibilite fazer mais com menos gente não seriam injustamente penalizadas e travadas em sua capacidade de competir, como inevitavelmente acontecerá, se mantida a troca compulsória de regime.

Sensível ao argumento de que o sistema tributário do País não deve inibir ou punir ganhos de produtividade obtidos com investimento na qualificação da mão de obra, o Congresso Nacional tornou optativa a troca de regime prevista na MP 582. Essa mesma sensibilidade, porém, não prevaleceu na esfera do Executivo: sob alegação de que "descaracteriza o modelo original da política, gera grande imprevisibilidade na arrecadação e dificulta a sua fiscalização", a presidente Dilma vetou o dispositivo e manteve o caráter compulsório do novo regime para os setores industriais contemplados.

Caso faça o mesmo em relação à MP 601, que conta com uma emenda apresentada pelo deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) para também tornar facultativa a troca para o varejo, o governo terá consumado o presente de grego da desoneração.

Esperamos que o Executivo e o Legislativo possam ainda corrigir, de algum modo, essa anomalia. Política pública digna desse nome não pode ser aquela em que parte da renúncia fiscal é fictícia, pois na verdade se está tirando de alguns para dar a outros. Ainda que a maioria seja beneficiada, o processo todo estará conspurcado pela injustiça cometida contra a minoria laboriosa.


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