quarta-feira, abril 03, 2013

Os ingleses e a morte de Lumumba - ELIO GASPARI

O GLOBO - 03/04

A cena não podia ser mais chique. Em 2010 Lord Lea de Crondall tomava chá com a baronesa Park de Monmouth e comentou um trecho de um livro que discutia o envolvimento do serviço secreto britânico no assassinato do primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba, em 1961. O mistério completaria meio século. Lumumba tinha 35 anos e parecia um Fidel Castro (versão 1.0) africano. Vencera uma eleição e mal completara tres meses como primeiro-ministro quando foi deposto e preso. Fugiu e foi capturado. Seu assassinato foi um crime que superou, de longe, a execução do Che Guevara. Primeiro, porque estava no seu país. Ademais, porque foi filmado apanhando, até mesmo quando soldados tentavam fazê-lo comer um documento que assinara. A imagem de sua altaneira resignação, com as mãos amarradas está no Youtube. Tropas da ONU que policiavam o Congo poderiam tê-lo libertado. Lumumba foi martirizado durante duas semanas. Apanhou de soldados, generais e até mesmo do presidente de uma província rebelada. Finalmente, no dia 17 de janeiro de 1961, militares congoleses e mercenários europeus encostaram-no numa arvore e fuzilaram-no.

A execução foi uma espécie de Crime do Oriente Expresso da Guerra Fria. Os americanos tentaram envenená-lo, os belgas tratavam-no pelo codinome de Satan e planejaram seu assassinato. O primeiro-ministro inglês discutira sua "eliminação" com o presidente americano Eisenhower, mas o dedo de Londres só apareceu durante o chá dos lordes. Faltava uma peça: quem armou a cena final?

"Fomos nós. Eu organizei a coisa", disse a octogenária baronesa de Monmouth. Aos 39 anos ela era Daphne Park e chefiava a estação da inteligencia inglesa no Congo. Para quem se habituou com a cenografia de James Bond, Parks encarnava o anticlimax. Com jeitão de missionária gorda, dirigia um Citroen velho. Até chegar à Camara dos Lordes, passaria por Moscou, Zâmbia e Hanoi. Nunca falou de sua carreira, ria do Bond de Ian Fleming e não gostava das tramas de John Le Carré. Daphne morreu aos 88 anos, poucos meses depois de seu breve comentário com Lord Crondall. Ele narrou a conversa numa carta recente ao London Review of Books.

Recompondo-se os fatos de janeiro de 1961, é possível que Daphne tenha organizado e instruído a ida de um ex-assessor de Lumumba à prisão onde ele estava, transferindo-o para a capital de uma província rebelada, onde seu fim estaria selado. Semanas antes, ela salvara a vida desse novo colaborador escondendo- na mala de seu carro.

Passados 52 anos do assassinato de Lumumba ficou o saldo. De 1961 a 1997, o Congo foi governado por Joseph Mobutu, um policial transformado em coronel, queridinho da Central Intelligence Agency americana. O embaixador inglês achava-o incapaz de se tornar ditador. Foi um arquétipo dos cleptocratas africanos, intitulando-se Messias, Supremo Combatente e O Grande Leopardo. Juntou algo como cinco bilhões de dólares, mais um castelo na França. Desde então o Congo viveu meio século de guerras civis (numa das quais meteu-se o Che Guevara) e nelas morreram milhões de pessoas. País de imensos recursos naturais, o Congo é um dos mais pobres e corruptos do mundo.

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