segunda-feira, abril 08, 2013

Obsessão psicanalítica - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 08/04

O país já fez uma besteira maiúscula mudando as regras de exploração do petróleo em 2010. Evitemos agora um novo “tiro no pé”



O Brasil é um país muito mais evoluído, politicamente, que alguns de nossos vizinhos. Basta ver a fragilidade institucional de parte de nossos sócios do Mercosul — antigos ou novos — para perceber que aqui há um grau de racionalidade claramente superior ao de outros países da região.

Cícero, o filósofo romano da Antiguidade, dizia que “os oradores são mais veementes quanto mais fracas são as suas causas”. No realismo fantástico latino-americano, isso não poderia ser mais verdadeiro. Basta ter lido as teorias malucas que associam a doença que vitimou Hugo Chávez a uma suposta “conspiração americana” para perceber a que limite pode levar o delírio político de um país.

Mesmo assim, a fixação de setores oficiais em fazer tábula rasa de qualquer coisa que lembre o Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) está começando a atingir níveis preocupantes. Primeiro, porque mais de 10 anos depois de o Governo FHC ter concluído, tal obsessão adquire contornos psicanalíticos. E, segundo, porque alguns atos emanados do que pode ser qualificado de “espírito de demolição” para não deixar pedra sobre pedra do que foi herdado em 2003 estão causando um enorme dano ao país.

Deixando de lado a controvérsia acerca da manutenção ou não do “tripé” macroeconômico de câmbio flexível, austeridade fiscal e metas de inflação, os setores mais radicais do movimento que levou à mudança de Governo em 2003 tinham “juradas de morte” duas medidas adotadas no Governo FHC e que eram vistas por esses setores como símbolos do “neoliberalismo”, “consenso de Washington”, “ortodoxia” ou seja lá como for que a retórica oca do fanatismo ideológico quiser classificar. As duas medidas eram a Lei do Petróleo de 1997 e a reforma previdenciária aprovada no segundo Governo FHC.

Em 2003, Lula teve a sabedoria de não fazer marolas na economia e atuou de forma consistente em relação a esses dois pontos: manteve a Lei do Petróleo e as rodadas anuais de licitação do setor e não voltou atrás na Previdência. Aos poucos, porém, as mudanças políticas e a fragilidade da oposição levaram aqueles setores a voltar à carga.

Em 2010, eles conseguiram sua primeira grande “vitória”, com a aprovação do novo marco regulatório do petróleo, no contexto das descobertas do pré-sal. A vitória se revelou um desastre, causado pelos ideólogos que escreveram em 1995 que o fim do monopólio iria “destruir” a Petrobras. O setor, que até então vinha “bombando”, parou em termos de novos investimentos. As rodadas deixaram de ser feitas, a superfície da área sob concessão encolheu e, com o tempo, a própria produção chegou a cair. Para pior, no dia em que os leilões forem retomados, a exigência de que a Petrobras entre com 30 % dos recursos nos novos investimentos ameaça se transformar em um pesadelo financeiro para a empresa. Todos sabem que o Governo se arrepende dessa medida, mas não sabe como fazer para dar “meia volta, volver” sem passar recibo.

Agora, o script se repete e, no marco da reaproximação do Governo com os sindicalistas que pouco freqüentaram o Planalto depois de 2010, anuncia-se uma pauta que incluiria o “fim do fator previdenciário”. Espero que seja uma interpretação de um jornalista desavisado. Custo a acreditar que a presidente Dilma cometeria esse equívoco, que faria as perspectivas fiscais não exatamente róseas relacionadas às tendências demográficas adentrar no terreno sombrio dos “50 tons de cinza” dos déficits — agravados — da Previdência Social.

Há várias décadas, Fernando Pessoa, incursionando no terreno da análise econômica, em outro contexto, escreveu que “legisla-se em favor do empregado contra o comerciante e o industrial e supõe-se que sobre esse mesmo empregado não recairão nunca os efeitos dessa legislação. Limita-se a produção com restrições. Quando, depois, a produção baixa e a estrutura social inteira se sente variadamente disso, olha-se para essas consequências como para um ciclone ou um terremoto, uma coisa vinda de fora e inteiramente imprevisível” (“A economia em Pessoa”, Ed. Reler). O país já fez uma besteira maiúscula mudando as regras de exploração do petróleo em 2010. Evitemos agora um novo “tiro no pé”. Caso contrário, se o fator previdenciário acabar, não nos queixemos das consequências que virão.


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