quarta-feira, abril 24, 2013

O que esperar do Banco Central - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 24/04

Não se deve esperar que o Comitê de Política Monetária (Copom) recue da intenção de promover um aperto monetário para melhorar as expectativas e reduzir a inflação. A diretoria do Banco Central (BC) não está dividida quanto ao diagnóstico da conjuntura. O dissenso, registrado na reunião do Copom da semana passada, quando dois dos oito diretores votaram contra o aumento da taxa básica de juros (Selic), esteve relacionado apenas ao timing e não à decisão em si.

Luiz Awazu Pereira (diretor de Assuntos Internacionais e de Normas) e Aldo Mendes (Política Monetária) defenderam que a elevação do juro fosse decidida apenas na reunião de maio. O colegiado do Copom acredita, porém, que não há outro remédio para a inflação neste momento, a não ser o aperto das condições monetárias.

O BC acredita que o fator que mais pressionou a inflação em 2012 foram os choques de oferta de produtos agrícolas. Normalmente, esses choques não são combatidos por meio do aumento de juro. É para absorver choques positivos ou negativos que o regime de metas possui um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para baixo ou para cima em relação à meta.

O BC procura reagir aos efeitos secundários dos choques de oferta. O problema é que os choques do ano passado, que se esperava que fossem dissipados por volta de outubro, mostraram persistência. Uma hipótese considerada é que eles foram transmitidos ao restante da economia em razão da forte desvalorização do real frente ao dólar - de 20,27% entre as cotações mínima e máxima em 2012, segundo o Valor Data.

É verdade que o BC ajudou a depreciar o real, mas fez isso atendendo a uma política de governo, que agora mostra seus efeitos colaterais. Desde o início da vigência do regime de câmbio flutuante no país, em 1999, a taxa de câmbio seguiu, mesmo em meio a períodos de flutuação "suja", os fundamentos da economia. Desde o início do ano passado não é mais assim e, agora, o BC reconhece reservadamente que a taxa se moveu além dos fundamentos.

A desvalorização, porém, não explica todo o problema inflacionário. A razão da alta difusão de reajustes, na opinião da autoridade monetária, está no fato de empregos e salários estarem pressionados. Uma parte disso é atribuída ao crescimento da classe média, isto é, à incorporação de milhões de pessoas a um mercado de consumo ávido por bens e serviços. Como não se importa serviço, a inflação desse segmento, que vem contratando mais mão de obra que os outros, está pressionada há alguns anos, embora já tenha começado a dar sinais de desaceleração.

O BC acredita que os choques de alimentos tendem a se reverter, mas considera que o processo inflacionário em curso é persistente e difuso em função da demanda agregada aquecida. Nesse contexto, medidas macroprudenciais (aumento de requerimento de capital em operações de crédito, elevação de compulsórios etc) não servem para tratar inflação provocada por pressão de demanda. O instrumento é a taxa de juros.

No segundo semestre deste ano, é provável que ocorra uma queda nos preços das commodities, mas, ainda assim, o Copom concluiu que precisava agir, uma vez que seu diagnóstico sobre inflação está relacionado, pelo menos em parte, à demanda agregada. Favorece essa análise o fato de o governo, ao tornar a política fiscal expansionista desde o terceiro trimestre de 2012, também pressionar a demanda.

Outro aspecto relevante é que o Banco Central não está considerando as medidas de desoneração de impostos nas suas decisões de política monetária. As medidas são analisadas do ponto de vista dos seus impactos na economia - entre eles, um possível ganho de produtividade - no longo prazo. A rigor, no curto prazo, essas medidas podem, como no caso do IPI de automóveis, aumentar a demanda.

O BC acredita que é possível, hoje em dia, fazer previsões de inflação com razoável grau de acerto, utilizando modelos sofisticados como o "Dynamic Stochastic General Equilibrium" (modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral), que procura explicar fenômenos como crescimento, ciclo econômico e efeitos das políticas monetária e fiscal com base em modelos macroeconômicos derivados de princípios microeconômicos - em abril de 2011, economistas do BC desenvolveram o Samba, um DSGE adaptado às características do Brasil.

Esses modelos fizeram a autoridade monetária brasileira levar mais em conta, em seus diagnósticos, as incertezas internacionais. Mas mesmo que os modelos fossem perfeitos, argumenta o BC, ainda haveria espaço para dúvidas, dadas a complexidade e a fragilidade da economia mundial.

Vem daí a opção pela cautela na condução da política de aperto monetário. No fundo, o Banco Central está pedindo tempo ao mercado para analisar a situação. Registre-se: o Copom não tem dúvida quanto à necessidade de elevar o juro, mas quer fazer isso com cuidado porque o cenário externo voltou a dar sinais de piora. O problema é que há, também, uma crise de credibilidade a ser superada.

Entre esses sinais, destacam-se: os preços das commodities não estão respondendo às políticas monetárias acomodatícias das economias avançadas, um indício de que a economia mundial pode estar experimentando mais um "falso positivo" de crescimento; a China está desacelerando mais que o esperado; os Estados Unidos se recuperam, mas há sinais contraditórios; o mundo pode estar vivendo os efeitos de uma "fadiga de instrumento" no enfrentamento de uma crise que começou há seis anos e que ainda não tem data para acabar.

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