quinta-feira, abril 11, 2013

Já viu seu vizinho hoje? - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 11/04

O Museu Judaico de Berlim promove uma exposição que deveria servir para Israel e para os palestinos


O Museu Judaico de Berlim inaugurou, na Páscoa, uma provocativa exposição: judeus de diferentes países se sucedem em uma caixa de vidro para contar ao público (300 a 400 visitantes por dia) "Toda a verdade --o que você sempre quis saber sobre os judeus".

Para estimular os mais tímidos, a sala pendurou papeizinhos com 32 perguntas, como, por exemplo, "por que todos gostam dos judeus?" ou o seu inverso, "por que os judeus não agradam a ninguém?".

O objetivo óbvio é desfazer a desinformação sobre os judeus, mãe do preconceito (qualquer preconceito). Que ela existe, basta dizer que uma das perguntas que os visitantes deixaram junto à caixa de vidro foi "como nascem os judeus?", como se se tratasse de bichos raros que são concebidos de forma diferente dos demais humanos.

Um dos judeus que aceitou fazer um turno na caixa, o jornalista Leeor Engländer, disse à "Foreign Policy" que "é importante para mim usar a atenção que me dão para limpar preconceitos e mal-entendidos".

Esse nobre objetivo serviria para outras situações, como, por exemplo, ficar eu mesmo em uma caixa para me tornar visível para meus vizinhos. O fato é que a dureza da vida nas grandes cidades e também nas não tão grandes tornou os vizinhos invisíveis uns para os outros.

Deixo o assunto para Contardo Calligaris e Hélio Schwartsman e volto ao meu canto no jornal, o do Mundo, para sugerir que algum museu de Israel repita a experiência de Berlim com palestinos na caixa.

Explico: nos últimos muitos anos, sucessivos governos israelenses trataram de tornar os palestinos invisíveis para os judeus de Israel.

Da invisibilidade, sinal de desprezo, estão passando ao ódio, do que dá prova uma sequência de ataques a muçulmanos não por serem terroristas, não por terem cometido algum crime, mas pelo simples fato de serem muçulmanos. Em poucos dias, foram atacados um faxineiro do calçadão da praia de Tel Aviv, um garção de restaurante da mesma cidade e um terceiro árabe no lago Kinneret.

Há até um nome odioso para esse tipo de ataques, como conta o rabino Ron Kronish, diretor do Conselho Coordenador Interreligioso em Israel, em preciso artigo para o "Times" de Israel: chamam-se "Tag Mechir", etiqueta de preço, em referência ao "suposto preço' pago por aqueles que se opõem à ideologia de extrema-direita dos colonos nacionalistas judeus".

O rabino comenta que um dos mandamentos mais sagrados da religião (versículo 11 do Levítico), que é "ame a seu vizinho como a você mesmo", está sendo limitado por alunos de escolas ultraortodoxas "a amar apenas seus vizinhos judeus".

Minha impressão pessoal, de incontáveis viagens a Israel e aos territórios palestinos, é a de que o problema não está circunscrito aos ultraortodoxos. O desprezo e o ódio aos palestinos é muito mais disseminado. Logo, o processo de paz só poderá ser reativado se e quando as duas tribos resolverem se encarar numa caixa de vidro, e não com troca de foguetes. Ingenuidade? Sim, mas é melhor que ódio.

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