quinta-feira, abril 04, 2013

"Espírito Santo" na fronteira - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 04/04

Nicolás Maduro recorre a "artifícios ridículos" para ganhar; para vencer, dá, mas não basta para governar

Se há algo pior que o exótico pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos será a presença do Espírito Santo na fronteira Norte, se Nicolás Maduro ganhar a eleição venezuelana do dia 14.

O candidato governista abriu a campanha na casa onde Hugo Chávez nasceu e, de repente, apareceu o morto na forma de um "pajarito chiquitico" (não é também a forma do Espírito Santo, segundo a crença católica?) para espargir a sua bênção, "até a vitória".

Já não bastava ter dito que os Estados Unidos haviam inoculado em Chávez o câncer que o matou? Já não bastava ter dito que Chávez, lá no céu, fora o responsável pela escolha de um latino-americano, Jorge Mario Bergoglio, como papa?

Em seu blog na "Foreign Policy", Juan Nagel relata outro episódio de campanha: Maduro exibe um cheque tamanho gigante a seus seguidores, no valor de 1,8 bilhão de bolívares (cerca de R$ 580 milhões), conta que é o valor dos dividendos pagos pela CANTV, a empresa de telecomunicações nacionalizada por Chávez, e faz com que os balões de gás que seguram o cheque simbólico sejam soltos e levem-no aos céus, como presente ao líder morto.

Difícil discordar de Nagel quando ele escreve que esse "ridículo artifício simboliza a transformação da política venezuelana em um triste espetáculo".

É claro que dá para entender a deificação de Chávez e o esforço de Maduro em apresentar-se como seu apóstolo abençoado por um "pajarito": é a única forma de eleger-se, surfando na emoção provocada pela morte do caudilho e na popularidade deste, obtida graças às inegáveis melhorias sociais ocorridas no reinado Chávez.

Mas vai ser necessário um Espírito Santo verdadeiro para surfar, depois das eleições, na onda de problemas que a Venezuela enfrenta.

Primeiro, não dá para Maduro contar como eterna a gratidão dos venezuelanos pobres nem para fingir que todos os não-chavistas são "burgueses", "pityanks" ou qualquer outra designação pejorativa que o chavismo usa para os opositores.

A jornalista e escritora Cristina Marcano, autora de uma biografia de Chávez, lembrou ontem, em artigo para "El País", que Chávez foi reeleito no fim do ano passado com 8,1 milhões de votos em um total de 18,9 milhões de eleitores. "Não há na Venezuela 11 milhões de oligarcas, entre opositores e abstencionistas", conclui Marcano. Aliás, ela conta que o próprio tutor de Chávez, Fidel Castro, lhe disse algo parecido após uma votação em que a oposição melhorara seu desempenho: "Chávez, na Venezuela não pode haver 4 milhões de oligarcas".

Entre 2006 e 2012, a oposição reduziu a vantagem de Chávez de 25,9 pontos percentuais para 10,7, "no período de maior bonança petrolífera, de maior gasto público, de mais 'misiones sociales', de ofertas cada vez mais tentadoras como casas mobiliadas, equipadas e decoradas com uma grande foto do comandante-presidente", como escreve a jornalista.

Esse espírito não tão santo tende a assegurar a vitória de Maduro, mas "artifícios ridículos" não bastarão para governar.

Nenhum comentário: