domingo, abril 14, 2013

Deus vence pleito, mas não governa - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 14/04

A identificação com Chávez, alçado aos altares, pode dar para vencer hoje, mas não serve para administração


Marie Metz, enviada especial da revista "The Atlantic", faz uma comparação perfeita entre a campanha eleitoral de outubro de 2012, em que Hugo Chávez venceu Henrique Capriles, com a que termina hoje com o mesmo Capriles enfrentando Nicolás Maduro: "Em outubro de 2012, Hugo Chávez era um líder sem medo, um homem extremamente poderoso cujo carisma (e benefícios monetários) causavam a adulação de muitos. Hoje, Chávez não é mais esse homem. Ele é Deus".

Deus não pode perder eleição, o que significa teoricamente que Maduro, o representante de Chávez na Terra, pode considerar-se eleito.

Mas, se a deificação de Chávez é uma bênção para o ex-motorista de ônibus, será também um problema por uma coleção de motivos. O principal deles: Deus ganha eleição, mas não pode governar, a menos que se transforme em um "pajarito" que apareça diuturnamente no Palácio de Miraflores, a sede do governo, para soprar o que fazer.

É improvável que apareça, ao menos a julgar pelo que diz uma autoridade no tema, o arcebispo de Caracas, cardeal Jorge Urosa: "Chávez é um ser humano, como todos nós. Não pode ser comparado a Cristo".

Que um cardeal tenha que perder tempo com um, digamos, esclarecimento do tipo diz bem do clima de misticismo com que Maduro cercou a sua campanha. Espero que não acredite no que ele próprio diz, sob pena de termos um fanático enlouquecido governando um dos principais países da América Latina, ainda por cima membro do Mercosul, o bloco comercial que o Brasil gostaria de liderar.

A coleção de problemas para Maduro por seu abraço a "deus" Chávez começa na própria noite eleitoral: se o apadrinhado obtiver menos que os 8 milhões de votos conseguidos pelo padrinho em 2012, já será sinal de que nem todos os cidadãos cumpriram o juramento espalhado por toda Caracas: "Chávez, te lo juro, mi voto es para Maduro".

Pior ainda: no comício final, Maduro pediu 10 milhões de votos. Se não os conseguir, provará que seu apelo está longe de se equiparar ao de Chávez, por mais que se tenha enrolado no manto do líder morto e açulado a emoção provocada pela perda do "comandante".

Terminada a apuração, instalado Maduro em Miraflores, virão problemas que mesmo um Deus de verdade teria dificuldade para resolver, a saber:

1 - A inflação, só em março, foi de 2,8%, sugerindo uma taxa anual de 30%. O Brasil, como se sabe, está assustado porque a sua taxa anual acaba de bater em 6,6%.

2 - A escassez de alimentos básicos só faz aumentar: passou de 11% da cesta básica em novembro para 17,7% em março.

3 - O deficit das contas públicas chegou a 15% do Produto Interno Bruto, taxa que até Deus consideraria insustentável.

4 - A produção automotriz, setor de peso na indústria, caiu 51,07% no primeiro trimestre, em relação a idêntico período de 2012.

Sem falar na violência, a maior preocupação dos venezuelanos.

A devoção popular a Chávez permitiu passar por cima desse tipo de dificuldades. Mas Maduro ainda não tem lugar no altar.

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