sexta-feira, abril 19, 2013

Baloeiros - CLÓVIS PANZARINI

O ESTADÃO - 19/04

O estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Avaliação da estrutura e do desempenho do sistema tributário brasileiro, de autoria do especialista em finanças públicas José Roberto Afonso, aponta a "péssima qualidade da tributação sobre o mercado doméstico de bens e serviços, (...) como tal a oneração de exportações e investimentos produtivos, o viés pró-importação, a enorme complexidade, o maior custo de compliance no mundo, a incidência desigual sobre contribuintes iguais, a regressividade, dentre tantas outras distorções". Essas mazelas do sistema têm efeito mortal sobre a competitividade do setor produtivo brasileiro, já tão ofendida pela infraestrutura degradada, problemas cambiais, juros, etc. Nessa linha, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em estudo recente, também mostra que "o custo da burocracia para pagar tributos representa 2,6% dos preços industriais, considerada toda a cadeia a montante".

Essa complexidade tributária aumenta a cada dia com a imposição de novas obrigações acessórias que vão tornando insuportável o custo de conformação. A conta é sempre espetada na competitividade da economia brasileira. Recente pot-pourri de normas tributárias, editadas com objetivos de inquestionável nobreza, cria novas obrigações acessórias de aplicabilidade custosa, se não impossível. Dentre elas se destaca a Lei n.º 12.741/2012, que obriga comerciantes e prestadores de serviços a explicitarem nos documentos fiscais o "valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda".

Essa festejada lei tem o nobre objetivo de tornar transparente ao consumidor o montante de impostos que oneram as mercadorias e serviços. Todavia, dada a complexidade do nosso sistema tributário, a exigência de explicitação no cupom fiscal de toda a carga indireta, tributo a tributo (inclusive as contribuições previdenciárias do empregado e do empregador), implicará enormes custos burocráticos adicionais ao contribuinte. A exigência é tão descabida que o legislador autoriza o comprimento da obrigação - sujeita à sanção pelo Fisco - "de forma aproximada". Cômico. Essa obrigação deve viger a partir do próximo mês de junho, se não for prorrogada por ser inexequível - tantas são suas nuances surrealistas.

Outra norma, com o nobilíssimo objetivo de coibir o trabalho análogo ao escravo - a lei paulista n.º 14.946/2013 -, prevê a cassação "da eficácia da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS dos estabelecimentos que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo". O objetivo é nobre, mas os detalhes - sempre eles - trazem estupefação aos afeitos com administração tributária. É claro que o empresário - industrial ou comerciante - que avilta as relações de trabalho deve ser duramente punido, mas não se pode impor a todos os contribuintes a obrigação de fiscalizar as relações trabalhistas praticadas ao longo de toda a cadeia produtiva das mercadorias que vende. Um comerciante paulista poderá ter cassada sua inscrição no cadastro do ICMS caso se descubra que, na produção do alumínio usado na panela que tem na prateleira, foi utilizada bauxita em cuja mina no Estado do Pará tenha havido conduta que configure trabalho análogo ao escravo. Esquisito, mas é o que afirma a lei...

Também se festejou a edição da Resolução do Senado n.º 13/2012, que, com o nobre propósito de acabar com a abjeta guerra dos portos, obriga todos os contribuintes a explicitarem no documento fiscal o conteúdo de importação em toda a cadeia produtiva, ou seja, o porcentual de "contaminação" por insumos importados no preço da mercadoria que comercializa. Afora aqueles que mantêm sofisticado sistema de apuração de custo industrial, a grande maioria dos contribuintes não tem como cumprir a obrigação.

Nesses três exemplos o contribuinte é responsabilizado por informação ou comportamento de terceiros, dos quais nem sequer tem conhecimento da existência. Os legisladores tributários brasileiros lembram os baloeiros: fazem festa quando o balão sobe e os estragos (a terceiros) aparecem no dia seguinte.

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