segunda-feira, abril 22, 2013

Andréia O - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 22/04

Formavam um trio inseparável desde a faculdade, Andréia, a amante e a esposa traída


Sim, Andréia O. Mas não "O" como em Anna O, a paciente histérica de Freud. "O" como no livro "História de O", de Pauline Réage (nascida Anne Desclos e depois denominada Dominique Aury).

Andréia estava lendo este livro. Dado a ela por uma amiga sua, amante de um homem casado. Este homem, aliás, era casado com uma grande amiga em comum delas duas. Formavam um trio inseparável desde a faculdade, Andréia, a amante e a esposa traída pela amiga. Bebiam juntas sempre. Amigas fiéis.

Andréia nunca imaginara que sua amiga J. seria capaz de ser amante do marido de M. (manteremos as iniciais para garantir o segredo da identidade de J. e de M.). Seria mesmo verdade que somos destinados a repetir as mesmas histórias mesmo depois de nos tornarmos mais evoluídos?

Afinal, seus professores e colegas de trabalho (Andréia trabalhava numa produtora) sempre diziam que somos "narradores de nossos corpos e de nossas vidas". Mas, Andréia temia que corpo fosse destino e que seu sexo estava acima de suas escolhas.

Pessoas legais diziam que nem o sexo era mais sexo, mas sim construção social. Andréia, no fundo, sempre achou essa ideia de sexo como construção social coisa de gente que se sentia mal com o sexo com o qual nascera, mas não dizia nada para não pensarem que ela era reacionária.

Mas se somos todos livres para nos inventar e por isso podíamos nos inventar como pessoas "melhores", como sua amiga tão bacana podia fazer sexo oral no marido de sua outra amiga também bacana, no banheiro do S. (de novo, iniciais para resguardar a identidade, aqui no caso, do restaurante em questão, muito conhecido neste mundo de gente bacana) em meio a uma conversa sobre o filme "Argo" e a violência desnecessária no Oriente Médio?

Não que Andréia estivesse de verdade surpresa com este fato. Há muito percebera que seria capaz de qualquer coisa caso seu desejo estivesse envolvido. Já passara pela sua cabeça fazer algo semelhante, mas nunca chegara a tanto. Um dia talvez? Mas somente por uma boa causa.

Aliás, era disso que tratava o livro que ela devorava à noite ("História de O"), antes de ficar se virando na cama gemendo de calor. Será que ela era mesmo como Pauline/Anne/Dominique (três nomes para uma só mulher, que escreveu um livro traindo o grande segredo de toda mulher) afirma em seu livro que toda mulher é? Ou melhor, será que ela também queria o que nossa autora diz que toda mulher quer?

Impossível. Muito vulgar. Mais do que isso: machista. Andréia resistira a ler o banal "50 Tons de Cinza" porque se tratava de um best-seller e pessoas inteligentes não leem best-sellers.

Mas mais do que isso. "50 Tons" se tratava de um livro para mulheres sem vida sexual real, sufocadas por casamentos e filhos por décadas, que precisavam de estímulos idiotas para se sentirem mulheres.

Ela, Andréia, do alto de sua beleza e inteligência (ainda que chegando àquela idade na qual toda certeza vira quase certeza) sabia que não precisava de estímulos assim. Sua vida sexual era como tudo mais em sua vida: resultado de ser uma mulher dona de si mesma.

A história com seu antigo chefe (não vamos voltar a ela agora) passara, graças a Deus. Nunca mais se deixaria levar pelo desejo de usar saias justas diante de um homem com poder. Que banal que ela foi ao desejar um homem mais velho e rico.

E qual era essa verdade horrível sobre seu desejo, desejo de toda mulher, segundo nossa autora traidora?

Paciência, cara leitora e caro leitor. A paciência é uma virtude necessária quando lidamos com pessoas acima da média, porque elas facilmente nos fazem perder a paciência.

Será que ela, Andréia, queria mesmo, no fundo do seu coração, que seu amante (quando tivesse um, por enquanto achava os homens todos uns frouxos) trouxesse um chicote quando a encontrasse?

A traição de Pauline/Anne/Dominique era justamente esta: ela contara que toda mulher gosta de ser submetida. Mas Andréia era inteligente e a autora também. A questão aqui não era o universal "toda mulher tal e tal", mas sim a pergunta: a quem ela se submeteria com gosto? Medo...

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