sábado, março 02, 2013

O dia da vitória do jornalismo - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 02/03
Nem sempre é fácil derrubar uma regalia instituída pelos políticos. Nem sempre reportagens chegam ao fim e vencem. Quando tal coisa ocorre é preciso comemorar. E se preparar para as próximas batalhas
Não é todo dia que o jornalismo vence. Na tarde da última quarta-feira, a série de reportagens do Correio sobre a vergonha do pagamento dos 14º e 15º salários dos parlamentares finalmente chegou ao fim. Ali, no plenário da Câmara, os deputados confirmaram por unanimidade a decisão do Senado, derrubaram o privilégio e, mesmo a contragosto, deram a vitória ao jornalismo, uma batalha de quase um ano de reportagens exclusivas. Uma insistência necessária, mas quase insuportável para os políticos.

O trabalho do jornal começou em fevereiro de 2002, quando os repórteres da Editoria de Cidades revelaram que os deputados distritais embolsaram R$ 20 mil, referentes ao 14º salário, pouco antes do carnaval, quando os camaradas tiraram 12 dias de folgas. A partir de uma série de matérias, a Câmara Legislativa acabou cortando o esdrúxulo benefício, mesmo com a grita dos políticos.

Com a queda dos salários dos distritais, as baterias deste jornal - e da Editoria de Política - se voltaram para o Congresso. Naquele terreno, o embate era diferente. Para derrubar a vergonha, era preciso que o projeto fosse aprovado pelas duas Casas: Câmara e Senado. Ao longo da cobertura, pelo menos 30 profissionais se envolveram direta ou indiretamente com o tema durante 344 dias.

Receita
Uma das reportagens mais emblemáticas da série produzida no Congresso foi feita em março do ano passado, quando este jornal revelou que, ao longo de cinco anos, os senadores aplicaram um golpe na Receita Federal ao sonegarem o imposto devido pelos rendimentos extras. O constrangimento foi tanto que eles aprovaram rapidamente o projeto - de autoria da ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR) - prevendo a extinção do mordomia. Mas aí chegou a vez da mais dura guerra, a da Câmara dos Deputados.

Durante quase 10 meses, o texto foi embarreirado na Comissão de Finanças e Tributação, com o aval dos principais caciques da Casa à época. O motivo oficial para pendurar o material era a falta de quórum em tempo de eleições estaduais ocorridas no ano passado. O absurdo só aumentava: além de receber dois salários a mais do que qualquer trabalhador brasileiro, os caras ainda faltavam ao serviço. Com a estratégia de segurar o projeto, embolsaram R$ 26,7 mil em dezembro de 2012 e mais R$ 26,7 mil em fevereiro, relativos ao 15º do ano passado e ao 14º deste ano, respectivamente.

Benesses
Alguns parlamentares abriram mão da mordomia desde o início dos mandatos ao longo da tramitação do texto, mas a grande maioria decidiu votar o texto apenas depois de encher o bolso com o dinheiro do contribuinte pela última vez. No dia da votação, ainda se ouviu uma ou outra voz contrária, mas um acordo costurado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, com os líderes tornou possível o que poucos acreditaram ser possível na época em que o Correio começou a série.

Os salários extras foram inventados há 67 anos para pagar a mudança dos deputados recém-eleitos para Brasília. Pela absurda ideia da regalia, os congressistas deveriam receber uma cota no início do mandato e outra - caso o camarada não fosse reeleito - no fim da legislatura. Seriam, assim, no máximo dois pagamentos a mais em quatro anos, no caso dos deputados, e em oito anos para os senadores. O dinheiro, entretanto, passou a entrar na conta dos parlamentares e se espalhou pelo país, nas assembleias estaduais e municipais. A mamata, evidentemente, deveria ser para todos.

Com o enterro definitivo dos 14º e 15º salários pelo Congresso, os deputados estaduais prometeram também acabar com o benefício. Até agora, 13 estados mantêm a regalia, mas parlamentares de sete unidades da Federação prometem extinguir os extras já na próxima semana. Se o embolso dos extras já era um gesto ignóbil antes da queda do benefício no Congresso, agora então não tem qualquer justificativa. Nem sempre é fácil derrubar a mamata. Nem sempre o jornalismo vence. Quando tal coisa ocorre é preciso comemorar. E se preparar para as próximas batalhas.

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